Rio - A desocupação do edifício do INSS, na Avenida Venezuela, Centro do Rio, está sendo realizada nesta segunda-feira (16). O prédio, conhecido como Zumbi dos Palmares, abriga cerca de 150 famílias há mais de 40 anos. A retirada acontece após decisão judicial que destacou a necessidade de esvaziar o local devido aos problemas estruturais que colocam em risco a segurança dos moradores.
fotogaleria
De acordo com a Prefeitura do Rio, todas as famílias da ocupação optaram por receber o Auxílio Habitacional Temporário, no valor de R$ 400,00, como acordado em negociação intermediada pela Justiça Federal. A primeira parcela do auxílio foi paga na última sexta-feira (13), com exceção de 13 famílias que não puderam comparecer para o recebimento. Segundo o município, essas famílias deverão receber o pagamento nesta segunda-feira (16).
A vendedora ambulante Michele de Abreu, de 38 anos, morava há cinco anos no edifício com outros sete familiares, incluindo dois netos. Ela contou ao DIA que diversas famílias estão com dificuldades de encontrar um novo lar e têm medo de voltar para onde morava antes da ocupação.
"É uma sensação estranha. Muito triste, porque eu não tenho para onde ir, estou na casa dos outros. Tenho dois netos e é complicado. Estou com R$ 400, não dá para pagar um aluguel. Estou na casa da minha colega, provisoriamente, porque ela também tem a vida dela, com os filhos... Eu, como muitas pessoas, não tenho para onde ir. Tenho um primo que está na rua", lamentou.
"A gente queria moradia. A gente estava esperando isso, pensando que fosse ali pelo Centro. Muitas famílias não querem voltar para Bangu, Campo Grande, porque é lugar de risco, tem milícia. A gente pode perder a nossa casa, como tem gente que já perdeu. Tem muitas pessoas que estavam na ocupação porque perderam a casa para os milicianos dessa região", relatou.
A professora e advogada Mariana Trotta está auxiliando as famílias neste processo de desocupação, em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU). Em entrevista ao DIA, ela explicou que os cheques foram entregues a partir das 14h. Segundo Mariana, a forma de pagamento e o valor do auxílio causou dificuldades para que as pessoas pudessem encontrar um lugar para alugar.
"A nossa preocupação é que o aluguel social seja reajustado e que tenha o reassentamento definitivo das famílias, ou seja, vão receber o auxílio até serem dadas moradias definitivas para essas famílias", comentou.
Mariana reforçou, ainda, que a maioria dessas famílias trabalham e estudam no Centro do Rio e que a forma como está sendo feita a desapropriação vai afetar a rotina de várias dessas pessoas, que agora dependem da ajuda de parentes e amigos para terem onde morar.
"A maioria das famílias não está conseguindo alugar nada e estão indo para outras ocupações e para casa de familiares e amigos, até conseguirem se reestabelecer e alugarem algo. Muitos deles vão para outros prédios que estão ocupados, com problemas na Justiça, com ordens de despejo... então vira uma bola de neve", lamentou Mariana
William Freire, de 42 anos, conhecido como Bombom, mora no prédio há seis anos e é uma das lideranças da ocupação. Ao DIA, ele contou que passou o dia acompanhando outros moradores para garantir que nenhum ficasse em situação de rua. Além disso, comunicou que está recebendo doações de alimentos na Rua Teófilo Otono, 97, no Centro, para quem tiver interesse em doar.
"Nós realocamos as famílias em outras ocupações até elas tirarem o cheque para pagar aluguel. Na minha cabeça, só passa uma coisa. Eu estava organizando uma festa de Natal para as crianças, para as crianças terem o que usar no Natal. Quase que eles conseguem acabar a festa, que foi feita ontem, no dia 15. Tem presente que ficou guardado, porque a gente não sabe para onde algumas famílias foram. É muito doloroso, porque tem muita família que não tem ninguém. Então, acaba se apegando na moradia, na ocupação", desabafou.
William contou que muitos dos ocupantes souberam da data da desocupação por conta da visita de um jornalista, que perguntou se eles sabiam que precisariam deixar o edifício até o dia 16.
"Essa ordem de despejo que tivemos hoje, nós não recebemos pelo juiz, nem pelo oficial de justiça, mas sim por um repórter. Isso mexeu com todos os moradores, a gente ficou em desespero. Na sexta-feira, cederam um cheque de R$ 400 no final da tarde, na hora que o banco começou a fechar. Com faz para descontar o cheque no sábado, domingo? Hoje, queriam que a gente deixasse o prédio às 7h", contou.
Desde sexta-feira, as famílias estão retirando seus pertences com o suporte logístico oferecido pela prefeitura, disponibilizado para aqueles que solicitaram. A decisão de desocupação foi tomada pelo juiz Mauro Luis Rocha Lopes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que ressaltou a urgência de preservar a segurança dos moradores diante do estado precário do edifício.
O magistrado também determinou que as famílias desabrigadas tivessem garantido o direito ao acolhimento em abrigos públicos ou ao aluguel social pago pelo município. Além disso, assegurou que os moradores com mais de 65 anos e as pessoas com deficiência possam acessar o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A decisão de reintegração de posse já havia sido emitida em agosto deste ano. Mas, a atuação da Comissão de Soluções Fundiárias do TRF2 permitiu o avanço de negociações entre todas as partes envolvidas, com o objetivo de minimizar os impactos da desocupação.
Por meio de nota, o INSS informou que a "Prefeitura do Rio de Janeiro manifestou interesse na aquisição do imóvel, mas existe uma necessidade de ajuste quanto à avaliação de mercado, que já está sendo tratado pelas áreas técnicas." Em paralelo, já formalizou o processo de transferência de gestão do edifício para Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
O instituto reforça, ainda, que a prioridade é fazer a movimentação segura, digna e respeitosa, numa ação conjunta entre todos os entes públicos envolvidos.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.