Laís Monteiro foi uma das vítimas de tentativa de feminicídio em 2024Arquivo pessoal
Rio - "Infelizmente, ainda não me sinto segura, mas estou tentando seguir a vida". O desabafo é de Laís Monteiro dos Santos, de 23 anos, espancada pelo ex-companheiro na frente da filha de 3 anos em outubro do ano passado. Ela é uma das 382 vítimas de tentativa de feminicídio no estado do Rio em 2024. Outras 107 morreram e não tiveram a chance de contar suas histórias. Os dados são do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Ao DIA, especialistas acreditam que o aumento dos casos deve-se também ao crescimento das denúncias e destacam a importância da conscientização da sociedade e dos operadores do direito sobre a tipificação do crime. No quesito medida protetiva, a advogada especialista em direito das mulheres e Diretora do Instituto Justiça Delas, Rebeca Servaes, e a diretora de Mulheres da OAB-RJ, Flávia Ribeiro, alertaram sobre a importância de garantir à proteção da vítima.
De acordo com o levantamento do ISP, em 2024 houve um aumento de 8% nos casos de feminicídio em relação a 2023, quando 99 mulheres foram mortas. Já as tentativas cresceram 24%, ou seja, 74 registros a mais do que no ano anterior.
Laís, por exemplo, teve o cabelo raspado e ficou com o rosto desfigurado após levar chutes e pontapés no dia 29 de outubro de 2024 no bairro Unamar, em Cabo Frio, na Região dos Lagos.
Devido à brutalidade das agressões, ela perdeu a visão do olho esquerdo. A vítima revelou que as agressões começaram após o ex-namorado, Manoel José Carneiro Júnior, tentar acessar seu celular e ela não permitir.
Atualmente, ela diz que já passou por diversos exames e procedimentos, mas ainda não recuperou a visão 100%. "Foi muito difícil. Minha filha não me reconhecia por causa dos ferimentos no meu rosto, e por conta do meu cabelo que ele raspou, e isso é o que mais me doía. E além de tudo, ele acabou com a minha autoestima, cheguei a ficar dois meses seguidos sem sair de casa, desenvolvi uma depressão pós trauma", contou.
Na ocasião, a filha de Laís, agora com 4 anos, chegou a defecar na roupa, de tanto medo do homem, que também a ameaçava.
"Ela ficou muito traumatizada, hoje em dia ela não fala muito sobre o assunto. Há uns meses ela ainda lembrava muito, mas com todo esse trauma, se eu sair de perto dela, ela fica muito nervosa e começa a ter crises nervosas. Infelizmente, isso tudo deixou uma marca nela", lamentou.
A vítima contou que segue realizando tratamento psicológico e está medicada. Ela disse ainda que contou com a ajuda da patrulha da Maria da Penha do 21ºBPM (São João de Meriti). O caso foi registrado na Delegacia de Atendimento à Mulher de Cabo Frio (Deam) e o agressor ainda não foi localizado.
Em nota a Polícia Civil informou que o inquérito foi concluído e relatado ao Ministério Público. Os agentes realizam diligências para localizar o autor do crime.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Manoel. O espaço está aberto para manifestações.
Lei do Feminicídio completa 10 anos
Para Flávia Ribeiro a questão da violência contra mulher é um problema antigo, já que antes da Lei do Feminicídio, que completou 10 anos no domingo passado (9), o crime era denominado como homicídio simples.
"Essa questão do feminicídio vem de séculos, a gente tem o machismo e a misoginia enraizados na sociedade. O que acontece hoje é que temos a mudança na lei. Antes, tínhamos diversos instrumentos jurídicos machistas que faziam com que esse crime fosse minimizado. A gente tinha, por exemplo, o caso da defesa da honra, em que homens matavam mulheres alegando ciúmes, que elas que teriam provocado e muitos deles eram absolvidos", explicou.
O feminicídio é uma qualificadora do crime de homicídio. "Ou seja, o crime passa a ser mais grave e a pena também é aumentada", disse Flávia.
Por que medidas protetivas não são suficientes?
Apesar das mudanças no código penal e das medidas protetivas, a advogada reforça que ainda tem muito a ser melhorado no quesito de acolhimento e proteção à mulher.
"Nós temos a dificuldade dos nossos operadores de direito entenderem o que é o crime de feminicídio, inclusive, muitos crimes ainda são considerados como homicídio simples. Eles não entendem que aquela mulher morreu apenas por ser mulher. Então a gente vem numa crescente conscientização desses operadores e da sociedade como um todo", relatou.
Para haver mudanças positivas, a conscientização das vítimas e dos operadores de direito são fundamentais. "A gente tem a Lei Maria da Penha para essas mulheres, mas não garante que essa mulher vai se manter viva. Então temos que conscientizar que qualquer descumprimento que haja, a mulher tem que procurar uma delegacia, para receber uma proteção maior, porque o descumprimento de medida protetiva também é um crime", reforçou.
Segundo Rebeca Servaes, o aumento dos casos está atrelado à questão das subnotificações, uma vez que as vítimas têm feito mais denúncias em casos de violência.
"Se as mulheres estiverem notificando mais, isso é um avanço, porque a gente precisa que elas tenham consciência dos direitos delas e busquem mais ajuda porque isso vai proteger a vida delas. Mas, por outro lado, a gente sabe que é muito possível que esses números estejam de fato aumentando porque o machismo está enraizado na nossa sociedade e essa cultura de violência contra mulher ainda existe”, afirmou.
Rebeca esclareceu também que ainda há muito que avançar tanto no sentido de aparatos de proteção à mulher, quanto no sentido de conscientização e educação.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em relação aos casos de violência doméstica, que incluem crimes previstos na Lei Maria da Penha e descumprimento de medidas protetivas, os números ultrapassaram 966.785. Já os casos julgados para esses tipos de crime alcançaram 596.309. O total de ocorrências de violência doméstica pendentes até o fim de 2024 correspondeu a 1.297.142. O levantamento é referente a todo país.
Papel da sociedade
Ambas especialistas acreditam que a sociedade tem um papel relevante na proteção à mulher.
"Antes tínhamos aquele ditado: 'Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher', mas tem que meter sim. Temos vários canais que as pessoas podem denunciar de forma anônima. É preciso que as pessoas entendam que não é normal um homem agredir uma mulher, não é normal essa relação de poder que aprendemos desde pequena, que é normal o homem sentir ciúmes, que isso é amor, não é", frisou Flávia.
Além disso, Flávia ressaltou que as mulheres devem ter uma rede de apoio que não a julguem. "A gente tem ainda várias discriminações na nossa sociedade, temos um sistema de poder e opressão. As pessoas pensam que precisa existir sempre um oprimido e um opressor, que isso vai fazer com que a roda da economia ande, mas não é assim. Com todo mundo trabalhando em conjunto, fazendo sua parte e com seus direitos garantidos teremos uma sociedade muito melhor", disse.
Complementando a colega de profissão, Rebeca reforça que toda população tem um papel de responsabilidade sobre a não violência contra mulher.
"É importante que as pessoas não fiquem em silêncio se elas verem algum tipo de violência. As pessoas têm que ter um senso de responsabilidade, de colaboração, proteção e acolhimento dessa mulher, pois podemos fazer a diferença na vida dessa mulher, que sozinha não conseguiria sair dessa situação”, relatou.
Nem toda violência é física
A advogada especialista em direitos das mulheres, Rebeca Servaes, citou alguns exemplos de sinais de violência.
*Afastamento do núcleo familiar
*Isolamento social
*Invasão de privacidade (Acessar redes sociais sem consentimento)
*Forçar relação sexual
*Julgar a roupa
*Fazer a vítima se sentir inferior
Para a especialista, toda forma de abuso deve ser denunciada. "Não só em violência extrema, mas em outros momentos, de convívio social, quando a gente vê algum tipo de microviolência, algum tipo de assédio, desrespeito, é importante que as pessoas não sejam coniventes, e verbalizem sobre aquilo que está acontecendo. É sempre importante falarmos também da educação, já avançamos muito, mas ainda tem muito que melhorar, é importante que todo mundo tenha acesso ao que é essa violência e como evitar", reforçou.
Como pedir ajuda?
A mulher que se sentir ameaçada pode buscar ajuda através do número 180 ou no caso de residir no Rio de Janeiro, pelo aplicativo da Lei Maria da Penha. Outras formas de denúncia são através de ouvidorias de órgãos públicos e privados, como o caso da OAB, através do site ou do WhatsApp (21) 99753-9037.
"A mulher que sentir que está sofrendo algum tipo de violência tem algumas formas de solicitar a medida protetiva, tem formas virtuais, por exemplo, como o aplicativo da Lei Maria da Penha aqui no RJ, ou ela pode ir até uma delegacia. Não precisa ser necessariamente de atendimento à mulher, pode ser qualquer delegacia para solicitar essa medida protetiva", explica Rebeca.
Não é necessário apenas um boletim de ocorrência para formalizar a denúncia. "Para solicitar a medida protetiva, ela pode ir até o judiciário também, através de uma advogado ou Defensoria Pública. Se a mulher estiver de alguma forma sentindo que está sofrendo uma violência é importante que ela procure uma ajuda especializada para que ela possa de maneira rápida ser protegida", concluiu a advogada.
De acordo com o levantamento do ISP, em 2024 houve um aumento de 8% nos casos de feminicídio em relação a 2023, quando 99 mulheres foram mortas. Já as tentativas cresceram 24%, ou seja, 74 registros a mais do que no ano anterior.
Laís, por exemplo, teve o cabelo raspado e ficou com o rosto desfigurado após levar chutes e pontapés no dia 29 de outubro de 2024 no bairro Unamar, em Cabo Frio, na Região dos Lagos.
Devido à brutalidade das agressões, ela perdeu a visão do olho esquerdo. A vítima revelou que as agressões começaram após o ex-namorado, Manoel José Carneiro Júnior, tentar acessar seu celular e ela não permitir.
Atualmente, ela diz que já passou por diversos exames e procedimentos, mas ainda não recuperou a visão 100%. "Foi muito difícil. Minha filha não me reconhecia por causa dos ferimentos no meu rosto, e por conta do meu cabelo que ele raspou, e isso é o que mais me doía. E além de tudo, ele acabou com a minha autoestima, cheguei a ficar dois meses seguidos sem sair de casa, desenvolvi uma depressão pós trauma", contou.
Na ocasião, a filha de Laís, agora com 4 anos, chegou a defecar na roupa, de tanto medo do homem, que também a ameaçava.
"Ela ficou muito traumatizada, hoje em dia ela não fala muito sobre o assunto. Há uns meses ela ainda lembrava muito, mas com todo esse trauma, se eu sair de perto dela, ela fica muito nervosa e começa a ter crises nervosas. Infelizmente, isso tudo deixou uma marca nela", lamentou.
A vítima contou que segue realizando tratamento psicológico e está medicada. Ela disse ainda que contou com a ajuda da patrulha da Maria da Penha do 21ºBPM (São João de Meriti). O caso foi registrado na Delegacia de Atendimento à Mulher de Cabo Frio (Deam) e o agressor ainda não foi localizado.
Em nota a Polícia Civil informou que o inquérito foi concluído e relatado ao Ministério Público. Os agentes realizam diligências para localizar o autor do crime.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Manoel. O espaço está aberto para manifestações.
Lei do Feminicídio completa 10 anos
Para Flávia Ribeiro a questão da violência contra mulher é um problema antigo, já que antes da Lei do Feminicídio, que completou 10 anos no domingo passado (9), o crime era denominado como homicídio simples.
"Essa questão do feminicídio vem de séculos, a gente tem o machismo e a misoginia enraizados na sociedade. O que acontece hoje é que temos a mudança na lei. Antes, tínhamos diversos instrumentos jurídicos machistas que faziam com que esse crime fosse minimizado. A gente tinha, por exemplo, o caso da defesa da honra, em que homens matavam mulheres alegando ciúmes, que elas que teriam provocado e muitos deles eram absolvidos", explicou.
O feminicídio é uma qualificadora do crime de homicídio. "Ou seja, o crime passa a ser mais grave e a pena também é aumentada", disse Flávia.
Por que medidas protetivas não são suficientes?
Apesar das mudanças no código penal e das medidas protetivas, a advogada reforça que ainda tem muito a ser melhorado no quesito de acolhimento e proteção à mulher.
"Nós temos a dificuldade dos nossos operadores de direito entenderem o que é o crime de feminicídio, inclusive, muitos crimes ainda são considerados como homicídio simples. Eles não entendem que aquela mulher morreu apenas por ser mulher. Então a gente vem numa crescente conscientização desses operadores e da sociedade como um todo", relatou.
Para haver mudanças positivas, a conscientização das vítimas e dos operadores de direito são fundamentais. "A gente tem a Lei Maria da Penha para essas mulheres, mas não garante que essa mulher vai se manter viva. Então temos que conscientizar que qualquer descumprimento que haja, a mulher tem que procurar uma delegacia, para receber uma proteção maior, porque o descumprimento de medida protetiva também é um crime", reforçou.
Segundo Rebeca Servaes, o aumento dos casos está atrelado à questão das subnotificações, uma vez que as vítimas têm feito mais denúncias em casos de violência.
"Se as mulheres estiverem notificando mais, isso é um avanço, porque a gente precisa que elas tenham consciência dos direitos delas e busquem mais ajuda porque isso vai proteger a vida delas. Mas, por outro lado, a gente sabe que é muito possível que esses números estejam de fato aumentando porque o machismo está enraizado na nossa sociedade e essa cultura de violência contra mulher ainda existe”, afirmou.
Rebeca esclareceu também que ainda há muito que avançar tanto no sentido de aparatos de proteção à mulher, quanto no sentido de conscientização e educação.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em relação aos casos de violência doméstica, que incluem crimes previstos na Lei Maria da Penha e descumprimento de medidas protetivas, os números ultrapassaram 966.785. Já os casos julgados para esses tipos de crime alcançaram 596.309. O total de ocorrências de violência doméstica pendentes até o fim de 2024 correspondeu a 1.297.142. O levantamento é referente a todo país.
Papel da sociedade
Ambas especialistas acreditam que a sociedade tem um papel relevante na proteção à mulher.
"Antes tínhamos aquele ditado: 'Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher', mas tem que meter sim. Temos vários canais que as pessoas podem denunciar de forma anônima. É preciso que as pessoas entendam que não é normal um homem agredir uma mulher, não é normal essa relação de poder que aprendemos desde pequena, que é normal o homem sentir ciúmes, que isso é amor, não é", frisou Flávia.
Além disso, Flávia ressaltou que as mulheres devem ter uma rede de apoio que não a julguem. "A gente tem ainda várias discriminações na nossa sociedade, temos um sistema de poder e opressão. As pessoas pensam que precisa existir sempre um oprimido e um opressor, que isso vai fazer com que a roda da economia ande, mas não é assim. Com todo mundo trabalhando em conjunto, fazendo sua parte e com seus direitos garantidos teremos uma sociedade muito melhor", disse.
Complementando a colega de profissão, Rebeca reforça que toda população tem um papel de responsabilidade sobre a não violência contra mulher.
"É importante que as pessoas não fiquem em silêncio se elas verem algum tipo de violência. As pessoas têm que ter um senso de responsabilidade, de colaboração, proteção e acolhimento dessa mulher, pois podemos fazer a diferença na vida dessa mulher, que sozinha não conseguiria sair dessa situação”, relatou.
Nem toda violência é física
A advogada especialista em direitos das mulheres, Rebeca Servaes, citou alguns exemplos de sinais de violência.
*Afastamento do núcleo familiar
*Isolamento social
*Invasão de privacidade (Acessar redes sociais sem consentimento)
*Forçar relação sexual
*Julgar a roupa
*Fazer a vítima se sentir inferior
Para a especialista, toda forma de abuso deve ser denunciada. "Não só em violência extrema, mas em outros momentos, de convívio social, quando a gente vê algum tipo de microviolência, algum tipo de assédio, desrespeito, é importante que as pessoas não sejam coniventes, e verbalizem sobre aquilo que está acontecendo. É sempre importante falarmos também da educação, já avançamos muito, mas ainda tem muito que melhorar, é importante que todo mundo tenha acesso ao que é essa violência e como evitar", reforçou.
Como pedir ajuda?
A mulher que se sentir ameaçada pode buscar ajuda através do número 180 ou no caso de residir no Rio de Janeiro, pelo aplicativo da Lei Maria da Penha. Outras formas de denúncia são através de ouvidorias de órgãos públicos e privados, como o caso da OAB, através do site ou do WhatsApp (21) 99753-9037.
"A mulher que sentir que está sofrendo algum tipo de violência tem algumas formas de solicitar a medida protetiva, tem formas virtuais, por exemplo, como o aplicativo da Lei Maria da Penha aqui no RJ, ou ela pode ir até uma delegacia. Não precisa ser necessariamente de atendimento à mulher, pode ser qualquer delegacia para solicitar essa medida protetiva", explica Rebeca.
Não é necessário apenas um boletim de ocorrência para formalizar a denúncia. "Para solicitar a medida protetiva, ela pode ir até o judiciário também, através de uma advogado ou Defensoria Pública. Se a mulher estiver de alguma forma sentindo que está sofrendo uma violência é importante que ela procure uma ajuda especializada para que ela possa de maneira rápida ser protegida", concluiu a advogada.
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