Distúrbios do sono atingem 45% da população mundial. Acordar cansado, indisposto ou desanimado para desempenhar atividades diárias é sinal de que a qualidade do sono pode estar prejudicada. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 45% da população mundial sofre com algum distúrbio do sono e isso não faz nada bem para todas as áreas da vida.
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No Dia Mundial do Sono, que foi celebrado no último dia 14 - na sexta-feira anterior ao equinócio de março (marca o início do outono) -, especialistas reforçam a relação entre a qualidade do sono e o bem-estar físico e mental. Estudos apontam que noites mal dormidas afetam desde o equilíbrio hormonal até o controle do apetite, impactando diretamente a saúde e a produtividade.
Dormir bem não é apenas descansar. É fundamental para manter o organismo funcionando corretamente. A rotina acelerada e hábitos inadequados como o excesso do uso do celular e das redes sociais, porém, têm prejudicado cada vez mais a qualidade do sono, resultando em fadiga crônica, dificuldades de concentração e até problemas metabólicos.
Horário de dormir e acordar devem ser regulares
A psicóloga e neuropsicóloga Ksdy Sousa, especialista em Medicina do Sono, explica que o ritmo circadiano, responsável pela regulação dos ciclos biológicos do corpo, precisa estar alinhado para garantir um sono reparador. "Quando dormimos e acordamos em horários irregulares, o organismo entra em uma confusão metabólica, o que pode levar a aumento dos níveis de estresse, desregulação do apetite e até inflamações na pele", alerta.
De acordo com a psicóloga especialista em terapia corporal reichiana, Camila Alves, o sono é um regulador das funções cognitivas como pensamento, atenção, memória, sensação e as funções emocionais. "O sono também regula os neurotransmissores responsáveis pelo prazer, sensação de bem-estar, como faz a serotonina por exemplo".
Já a também psicóloga especialista em terapia corporal Fernanda Tibau, que atua em redes sociais, fala respeito do excesso diante da tela. "É uma das maiores causas de insônia atualmente. As redes sociais produzem uma hiperexcitação mental, ativa as funções cerebrais e os sistemas de recompensa compulsivamente. Além da luz azul interferir na produção de melatonina, o hormônio responsável por regular o sono!", explica.
Mais qualidade de vida e segurança
Para o psicólogo Ricardo Santos, ter um boa noite de sono é a base de tudo. "Durante o sono, sua mente continua trabalhando para dar suporte a uma função cerebral saudável. Dormir bem proporciona ao indivíduo, ao acordar, mais qualidade de vida e segurança em tudo o que precisa fazer".
Ele lista os problemas que a deficiência do sono pode causar: dificuldade para tomar decisões e resolver o problema; levar mais tempo para terminar tarefas simples e corriqueiras; não lembrar de coisas habituais; não saber lidar com mudanças inesperadas; cometer erros infantis e alteração de humor e diminuição da tolerância.
De acordo com o profissional, pessoas mais velhas diziam para as crianças que elas deveriam dormir para crescer e muita gente achava que era balela, mas que nada. "Já está comprovado que, em crianças e adolescentes, o sono realmente contribui para o crescimento e o desenvolvimento físico e mental", afirma.
Ricardo conta que hoje já existem vários caminhos que ajudam a melhorar a qualidade do seu sono e, consequentemente, a sua saúde mental. "Uma delas é retirar o celular pelo menos uma hora antes de deitar. Sem querer ‘puxar a brasa para minha sardinha’, fazer terapia, também ajuda muito", orienta.
Mudanças no metabolismo
A alimentação também pode ajudar na qualidade do sono. Pelo menos é o que a influenciadora digital Keira Riff, com mais de 8 milhões de seguidores no TikTok, tem percebido. Ela compartilhou sua experiência ao regular o sono e perceber mudanças na fome e no metabolismo.
"Antes, eu dormia tarde e sentia fome o dia inteiro. Depois que comecei a dormir nos horários certos, meu apetite ficou mais equilibrado e parei de sentir aquela necessidade constante de comer para repor energia", relata.
Segundo a nutróloga Camila Ciancio, a explicação está nos hormônios grelina e leptina, responsáveis pelo controle da fome e da saciedade. "Noites mal dormidas aumentam a grelina (que estimula o apetite) e reduzem a leptina (que promove a saciedade), levando à busca por alimentos calóricos e açucarados".
Para melhorar a qualidade do sono, a especialista recomenda consumir alimentos ricos em triptofano, como banana, aveia, nozes e leite, que estimulam a produção de serotonina e melatonina. Além disso, magnésio (presente em sementes de abóbora e castanhas) e ômega-3 (encontrado em peixes como salmão) ajudam a equilibrar os neurotransmissores do sono.
Se alguns alimentos ajudam, outros são vilões do sono. A cafeína e o açúcar refinado devem ser evitadas antes de dormir, pois estimulam o cérebro e dificultam o relaxamento.
Ritual noturno para obter melhor descanso
Criar um ritual noturno pode ser determinante para um descanso mais eficaz. A influenciadora Camilli Brito compartilha os hábitos que adotou para melhorar o sono.
"Eu comecei a dormir cedo para conseguir acordar disposta. Janto entre 19h e 20h30 para não atrapalhar a digestão, tomo um banho quente para relaxar e faço minha rotina de skincare com calma. Também gosto de passar um spray no travesseiro e meditar por alguns minutos antes de dormir", conta.
Academia Brasileira do Sono ajuda muita gente
A campanha educativa da Academia Brasileira do Sono é premiada internacionalmente e acontece anualmente em todo o Brasil para conscientizar a população sobre a importância do sono. São centenas de ações promovidas por profissionais para orientar os brasileiros com informações qualificadas e com novidades em pesquisas.
A Semana do Sono conta, de forma on-line (www.absono.com.br) até 20 de março, com dicas em vídeos chamadas "Gotas de Sono", lives e webinars. Já as atividades públicas acontecerão em dezenas de cidades com alertas e esclarecimentos para o sono se tornar o centro dos cuidados com a saúde.
A coordenadora da campanha, Dra. Luciana Studart, fonoaudióloga e professora da UFPE, explica que: "Todas as recomendações de saúde hoje abordam o sono. No tripé para uma vida saudável estão a alimentação, a atividade física e o sono. Precisa existir um compromisso com a questão comportamental, não esperar que as doenças cheguem e priorizar no intuito da prevenção. Que isso seja realmente um cuidado, dormir bem deve ser uma prioridade na vida das pessoas".
Neurologista discorre sobre o tema
Em entrevista ao jornal O DIA, Lucio Huebra, neurologista e coordenador de Relações Institucionais do Conselho de Administração da Academia Brasileira do Sono, fala sobre o assunto.
O DIA: Pesquisas dão conta de que distúrbios do sono atingem 45% da população mundial. Sabemos que muita gente tem insônia, mas o que é preciso fazer para que a qualidade do sono melhore?
Lucio Huebra: O grande vilão do sono é uma má higiene do sono. Maus hábitos durante o dia, especialmente próximos ao horário de dormir e no momento de ir para a cama podem afetar diretamente o adormecer e a qualidade de sono. São fatores que impactam negativamente na qualidade do sono: ambiente inadequado para o sono, com estímulos externos como luz, ruídos, temperatura inadequada, cama e travesseiro desconfortáveis, roupas apertadas; trabalho até muito próximo do horário de dormir, faltando um período de descanso e lazer para o início do processo de relaxamento para induzir o sono; estimulantes como a cafeína no fim do período da tarde ou mesmo durante a noite; alimentação pouco saudável, de difícil digestão e muito calórica próximo do horário de dormir.
A exposição aumentada à luz no período noturno é também uma grande inimiga para uma boa qualidade de sono. O espectro de luz azul é o que mais interfere no sono, assim, todos os aparelhos eletrônicos emitem luz azulada, como o celular, computadores e TV, sendo ainda mais prejudicial o uso desses aparelhos próximo do horário de dormir. Além disso, o celular é rico em conteúdo estimulante, desenvolvido especificamente para atrair a atenção do consumidor, deixando mais alerta próximo ao horário de dormir.
O DIA: Como a Academia Brasileira do Sono faz para atender tanta gente que tem problemas com o sono?
Lucio Huegro: A Academia Brasileira do Sono é uma associação que reúne profissionais de diversas áreas (médicos, dentistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas, educadores físicos, biomédicos) com o intuito de certificar a formação de profissionais especialistas na área, divulgar informações de qualidade sobre o tema, promover eventos de formação e atualização.
No Brasil temos um número crescente de profissionais especialistas distribuídos em todo o país para este tipo de atendimento de qualidade. Mas, como os distúrbios do sono são extremamente frequentes, a ABS também trabalha no intuito de capacitar que todos os profissionais de saúde, mesmo não especialistas, tenham um conhecimento básico de qualidade para atender o seu paciente com distúrbio de sono.
O DIA: Milhares de pessoas usam rivotril, alprazolan e até dormonid. Como fazer para que essas pessoas consigam dormir sem o uso desses medicamentos que, a longo prazo, fazem mal para o organismo?
Lucio Huegro: O tratamento da insônia é multidisciplinar e envolve diferentes terapias. Hoje temos bem estabelecido que os pacientes necessitam de medidas comportamentais que ajudam a estabelecer rotinas adequadas para o sono e suporte para uma redução da ansiedade e expectativas ilusórias em relação ao sono.
A terapia cognitiva comportamental para insônia é o tratamento psicológico que envolve diversas ferramentas com evidência científica robusta para auxiliar nesse processo. Além disso, é importante uma avaliação médica especializada, para excluir outros fatores que possam estar impactando de forma negativa na qualidade e quantidade de sono, além de fazer a redução gradual e sob supervisão dessas medições. Os bons hábitos de vida, especialmente com uma boa higiene do sono, também são fundamentais neste processo.
O DIA: Em um artigo foi escrito que a privação do sono pode levar à demência. Essa informação procede?
Lucio Huegro: Existe relação da privação crônica do sono, também conhecida como síndrome do sono insuficiente. com o risco de declínio cognitivo e demências. Alguns estudos mostram que uma única noite de privação de sono já é suficiente para o início de depósito de proteínas tóxicas no tecido cerebral, que de forma gradativa, ao longo de diversas noites de sono encurtado, levam ao processo degenerativo de padrão da Doença de Alzheimer. Durante o sono profundo, temos um sistema de limpeza cerebral, o sistema glinfático, que em bomfuncionamento evita esse processo.
Dicas do neurologista para dormir bem
- Ter uma rotina com horários regulares de dormir e de acordar. Mesmo nos finais de semana e férias, manter horários parecidos, no máximo uma hora de sono a mais ou mais tarde
- Outra dica importante é ir para cama só no momento de dormir. Quanto mais tempo na cama sem dormir, pior a qualidade de sono. Aumenta inclusive a ansiedade em relação a dificuldade para dormir.
- No período da noite tem que ser evitado estimulantes como café, refrigerantes de cola, chás escuros e qualquer bebida que contenha cafeína. A dieta deve ser leve e pobre em proteínas.
- Realizar atividade física regular também ajuda na qualidade de sono. Recomendamos evitar o período de duas a três horas antes do horário de dormir. Se realizada atividade física à noite, ter um momento de repouso, para se recuperar da fadiga antes de ir para cama.
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