Agressões deixavam diversas marcas no corpo da vítimaArquivo Pessoal

Rio - "Ele quase me matou". O desabafo é de uma mulher espancada pelo ex-namorado na Ilha do Governador, na Zona Norte. Em relato exclusivo ao DIA, a vítima, que teve a identidade preservada, disse que as agressões físicas ocorriam de forma frequente, assim como abusos psicológicos e sexuais. O agressor, Daniel Lopes Mustafá, 44 anos, é considerado foragido. Ele possui uma extensa ficha criminal, com dez passagens pela polícia, dentre elas tentativa de homicídio, lesão corporal, ameaça e roubo. 
Daniel Lopes Mustafá é considerado foragido por violência contra mulher - Arquivo Pessoal
Daniel Lopes Mustafá é considerado foragido por violência contra mulherArquivo Pessoal


Segundo a vítima, o relacionamento durou cerca de oito meses e as primeiras agressões ocorreram em setembro do ano passado, enquanto a última aconteceu no fim de janeiro, momento em que a mulher conseguiu se afastar do agressor. Ela conta com uma medida protetiva, mas teme a aproximação de Daniel.

De acordo com a Polícia Civil, o caso foi registrado na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) do Centro, o inquérito foi concluído e relatado ao Ministério Público, ainda em fevereiro, com o indiciamento do autor. Contra ele, foi expedido um mandado de prisão por violência doméstica na quinta-feira passada (13).

Em prints obtidos pela reportagem de O DIA a mulher relata episódios de violência em momentos diferentes a um contato familiar. Em outras imagens, o homem aparece enviando e-mails na tentativa de se redimir.
Veja:


Mãe de duas crianças, a vítima relata que a relação dos dois se iniciou com muito carinho e afeto e que por isso foram morar juntos. No entanto, ela foi surpreendida com agressões ainda dentro de casa e posteriormente também em lugares públicos.

"Essa pessoa veio com bombardeio de amor, me chamava de princesa, de amor da minha vida e aquilo mexeu muito comigo. As agressões começaram no dia em que eu troquei o nome dele com o do meu ex-marido, sendo que eu fui casada por 11 anos. Ele me bateu muito e falou que aquilo era só o começo, eu fiquei bem assustada nesse dia. Eu quis sair de casa naquele mesmo dia, mas ele não deixou e no dia seguinte foi como se nada tivesse acontecido, veio aquele bombardeio de amor de novo", explicou.

Em outro episódio de violência, a vítima achou que fosse morrer. "Eu fui em uma festa e na saída a minha prima estava solteira na época, e ele queria colocar um menino na ‘fita’ dela, e eu falei que ele era bonitinho e valia a pena. Nisso, ele me deu um soco na barriga e começaram as agressões de forma intensa. Ele puxou meu cabelo, me enforcou, quase me matou nesse dia. Foi quando eu decidi sair de casa e fiz o primeiro registro de ocorrência", contou.

Em dos registros na delegacia a que O DIA teve acesso, do dia 22 de janeiro deste ano, a vítima relatou ter se trancado no banheiro para pedir ajuda.

"Ele agrediu ela, apertando com força os seios, deixando marcas visíveis, além de tentar tomar seu telefone, sem sucesso. Diante das agressões, a vítima se trancou no banheiro para acionar a PM. Durante esse período, Daniel telefonou para mãe dela, alegando que ela estaria com problemas psicológicos e fugiu. Com a chegada da PM, ela foi levada ao hospital, onde recebeu atendimento. Nesse período, ela já constava com medida protetiva, mas Daniel a convenceu a reatar o relacionamento", diz um trecho do documento.

Ainda no documento, foi registrado que Daniel passou a evitar que a vítima saísse para trabalhar, a fim de ter relações sexuais com ela, usando força física, já chegando a enforcá-la quando se recusava. Além disso, ele também monitorava as redes sociais dela sem autorização e agredia com petelecos e beliscões o filho da vítima de outro relacionamento.

"Ele ainda tinha o hábito de puxar o cabelo da vítima mulher quando contrariado. Daniel faz uso frequente de bebida alcoólica, ficando frequentemente embriagado. Ele ainda possui uma arma em casa guardada em um cofre pessoal", destaca o registro.

Abusos psicológicos e violência sexual

A vítima explicou que bloqueou o agressor das suas redes sociais, mas era surpreendida por diversos e-mails com mensagens carinhosas e promessas de mudança, por isso chegou a retomar a relação algumas vezes.

"Eu tinha dependência emocional em relação a ele. Eu vivia um relacionamento de 11 anos que esfriou e depois veio uma relação cheia de amor, então eu não enxergava. Começaram as agressões psicológicas, ele me desqualificando como pessoa, falando do meu emprego, que eu ganhava mal, me botando para baixo, uma relação tóxica, totalmente violenta. Algumas agressões eram feitas na frente dos meus filhos, tanto que eles tinham medo de ir pra lá, falavam que ele era feio e brigava com a mamãe", disse emocionada.

Em relação aos abusos, a vítima diz que vivia medicada para aguentar as torturas que sofria e que o ex-namorado se aproveitava da situação.
"Eu fui tentando tomar remédio para superar essas violências psicológicas, mas depois vieram as violências sexuais. Eu tomo remédio para dormir, ele pegava, passava saliva na minha vagina e eu dormindo tentava sexo, porque eu tinha que satisfazer ele toda manhã, se eu não fizesse isso, meu dia era horrível, meu dia acabava. Teve um dia que ele tentou relação sexual comigo, só que nesse mesmo dia ele me agrediu no shopping, era em público que ele fazia", lamentou.

Medo e insegurança

Mesmo após se afastar do agressor, a mulher tem medo do que pode acontecer caso ele se aproxime. "Eu tomei coragem e sai de casa, tenho uma medida protetiva, mas essa medida protetiva não garante nada, porque ele pode vir na minha casa e me matar a qualquer momento. Eu vivo em hipervigilância, não saio de casa, estou traumatizada, tenho dois filhos pequenos, pra sair de casa é horrível, meu ex-marido me ajuda muito. Quando eu estou em casa tomo remédio pra dormir, acordo e durmo de novo, essa tá sendo minha vida", disse.

Dentre as consequências das violência, a vítima também apresentou perda de peso. "Eu com tremor nas pálpebras, na mão, falta de apetite, perdi dez quilos, tenho falta de ar, muitos pesadelos, e estou vivendo um dia após o outro. Eu estou fazendo terapia, psicanálise, sigo com minha psiquiatra, assistência social e quanto estou muito muito mal ligo para 188 e converso", contou.

Daniel teria ainda ameaçado a vítima quando ela deixou a residência do casal. "Ele disse quando eu saí de casa que ia se vingar de mim, que ia fazer da minha vida um inferno, e eu estou uma morta viva. É um trauma inexplicável, quando eu saio fico olhando motos já quase bati de carro algumas vezes. Preciso que ele se entregue ou seja preso pra eu voltar a viver com dignidade", finalizou.
Família do acusado se defende, mas admite episódios de agressão

A família do acusado entrou em contato com a reportagem do DIA culpando a vítima, afirmando que ela se automutilava e vivia à base de remédios.

Os familiares, que também tiveram os vínculos e as identidades preservadas, garantem que Daniel nunca teria batido nos filhos da ex-companheira e que cuidava de ambos.

"Daniel é quem dava comida pra eles, porque nem isso ela fazia. Ela era sexomaniaca (sic), só queria fazer sexo. Com os filhos, ela nem se importava, ao ponto de as crianças pedirem a ele: ‘Tio, eu quero morar com você e não com minha mãe", disse um parente do acusado.

A pessoa também acusa a mulher de ameaçar uma criança. "Ela contou que mostrou uma arma para um menino de nove anos e disse que ele era proibido de falar para o pai dele porque se não ela iria usar? Eu tive que ficar com o menino em outra cidade de tanto medo que ele estava. Isso tudo o Daniel tem gravado", garante.

Uma parente de Daniel, disse que testemunhou a vítima comprar remédios em excesso. "Ela a viu comprando 12 caixas de Rivotril e uma semana depois comprando mais 12. Daniel tentou ajudar, porque ele realmente a amava, infelizmente", acrescentou a familiar.

A foto em que a perna da vítima aparece machucada, segundo os familiares, teria sido provocada por ela mesma. "Essa mulher é louca, dopada e mentirosa [...] Nós temos provas suficientes de que essa mulher além de doente mental é mentirosa. Se machucou para colocar a culpa nele, e ele tem vários vídeos comprovando isso [...] Ela toma remédios em doses cavalares", ressalta.

Outra parente assume que Daniel protagonizou episódios de agressão contra a ex, mas não da forma descrita pela vítima.

"Eu estava presente em diversos momentos, inclusive dela fazendo coisas, dela dizendo que iria acabar com nossa vida, que ela ia acabar com a vida do dele se ele se separasse dela. A gente não está de forma alguma diminuindo o erro dele, das coisas que ele fez com ela, mas também queremos falar nosso lado da história", disse.
Defesa de Daniel pretende provar inocência
A defesa de Daniel, representada pelo advogado Walter Faria Pereira Júnior, informou que deixou várias provas na delegacia que investiga o caso, para demonstrar que seu cliente é inocente das acusações.
"Foi deixado (sic) mídias, vídeos e testemunha. Provando que não eram verdadeiras as acusações. Ele pretende se apresentar à Justiça para provar sua inocência. Daniel é um empresário que está tendo sua imagem destruída", informou a defesa, por meio de nota.
Após acusações, defesa da vítima se pronuncia
Após as acusações feitas pela família do agressor, o advogado André Perecmanis, que representa a vítima, reforçou a veracidade da denúncia.
"Não bastasse espancar, humilhar e estuprar a vítima, o acusado ainda tenta, de forma covarde e criminosa, desqualificá-la. Atenta a isso, a Promotora de Justiça determinou a instauração de mais um inquérito policial contra ele, justamente porque ele gravou imagens íntimas sem autorização da vítima e as utilizou como forma de vingança. Seguimos esperançosos aguardando que ele seja preso e condenado por todos os crimes que cometeu", disse.
Procurada, a delegada Alriam Fernandes, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher do Centro, reforçou que as buscas contra o autor acontecem desde sexta-feira (17), incluindo o fim de semana. Ela esclareceu ainda que o advogado de Daniel não procurou a distrital, e que as provas relatadas por ele devem ser encaminhadas à Justiça.