Carina Alves trabalha a leitura também de forma inclusivaDivulgação

"Ler é viajar sem sair do lugar". A máxima conhecida por todos mostra a importância da leitura para qualquer ser humano e como ela pode abrir horizontes desde cedo. No Dia Nacional do Livro Infantil, realizado em 18 de abril, a escritora Carina Alves, vencedora do prêmio Confúcio de Alfabetização 2022 (Unesco) com o Projeto Literatura Acessível, defende com veemência a importância da leitura na infância como um instrumento de ampliação de conhecimento.Ela vai além. Ressalta que promover de fato a leitura inclusiva e acessível na infância é universalizar o poder de autonomia e ampliar o conhecimento sobre diversidade e acessibilidade, na fase mais importante de aprendizagem do ser humano, a infância, especialmente quando as temáticas e os leitores são pessoas com necessidades específicas.
"Estimular a leitura inclusiva e acessível na infância é acreditar na educação como ferramenta potente de conhecimento, no seu poder de emancipação e de incentivo ao pensamento crítico, além de colaborar com o combate à pobreza da subjetividade humana. Quando ampliamos este universo, democratizamos o caminho para um processo mais concreto de educação inclusiva, acessível e diversa. Brincar, cantar, dançar, pintar também são meios igualmente relevantes de formação pedagógica, propiciando impacto direto nas crianças", diz Carina, doutora em educação e fundadora presidente do Instituto Incluir, especializado em educação inclusiva há mais de 20 anos .
Conhecimento e acessibilidade na palma da mão
Dados da Nielsen Book Data, empresa que acompanha o mercado de vendas de livros no varejo brasileiro, mostram que o setor editorial infantil cresceu 7%, representando 14% do comércio de livros no país. A primeira brasileira vencedora do prêmio Confúcio de Alfabetização 2022 celebra o movimento do setor, mas acredita também no caminho da democratização do acesso ao conhecimento:
"Saber que houve crescimento do interesse pela literatura infantil é um fato a ser muito comemorado. Sabemos da importância e do poder dos livros na infância. Mas acredito também na democratização do acesso ao conhecimento da educação na perspectiva inclusiva como uma jornada sólida e imprescindivelmente complementar", afirma Carina Alves, que completa: 
"Meu projeto Literatura Acessível, por exemplo, tem como foco principal a democratização do conhecimento e a acessibilidade. As obras são distribuídas gratuitamente, impressas em braille, pictogramas, escrita simples, QR Code que leva para os formatos em Libras, audiobook, e audiodescrição, com contação das histórias em libras e distribuídas em escolas e bibliotecas públicas, comunidades originárias e em situação de vulnerabilidade socioeconômica, além de estarem disponíveis on-line para que o conteúdo trabalhe na palma da mão de qualquer criança, em todo o país e no mundo".
Projeto Literatura Acessível
Na série de livros que compõem o projeto Literatura Acessível, os protagonistas são crianças com e sem deficiência ou vítimas de preconceitos sociais, que encontram no esporte, na educação e na cultura caminhos na busca por sua completa emancipação. Os títulos são  A sociedade que temos e a sociedade que queremos ”, que conta a história do Joãozinho que é uma criança negra e cega. E tem como sua amiga a Jurema, que é uma menina que usa cadeira de rodas; A menina Potiguara ”, que apresenta as aventuras de Anamã, menina potiguara que vive numa aldeia na Paraíba, usa cadeira de rodas e adora surfar, entre outros.
Por meio de códigos QR ou no site e aplicativo, é possível acessar os recursos de audiodescrição e de contato das histórias em libras, que expandem o alcance de seu conteúdo ao público mais diverso possível. Também disponíveis como e-books, os títulos já somam milhões de estudantes impactados. Para mais informações, acesse https://literaturaacessivel.com.br/ .
O Dia Nacional do Livro Infantil é comemorado em 18 de abril porque foi o dia de nascimento de Monteiro Lobato, considerado o pai da literatura infantil brasileira. A data foi oficializada em 2002, por meio da Lei nº 10.402.

Em entrevista ao jornal O DIA, a escritora Carina Alves fala sobre a importância da leitura na vida de todos.
O DIA: Houve o crescimento de 7% na venda de livros. É uma vitória, mas a senhora acredita que se não fosse o uso dos celulares por muitas crianças e adolescentes, esse número poderia ser ainda maior?

Carina Alves: Sem dúvida, o crescimento é um sinal positivo — um sopro de esperança em tempos de dispersão digital. No entanto, vivemos uma realidade em que o excesso de tempo diante das telas, muitas vezes sem curadoria de conteúdo, pode competir com o encantamento pela leitura. Se houvesse um uso mais consciente dos celulares e uma política pública robusta de estímulo à leitura nas escolas e comunidades, especialmente entre crianças e adolescentes, esse número certamente poderia ser maior. O desafio não é o celular em si, mas o quanto conseguimos torná-lo um aliado da leitura, e não um substituto dela.

O DIA: Dizem que ler é viajar sem sair do lugar e que a leitura é muito importante para abrir horizontes. Como a senhora avalia essas máximas?
Carina Alves: Essas frases são verdadeiras — mas são só o começo. Ler é também se reconhecer, sonhar, resistir, acordar, reconstruir o mundo por outras perspectivas. Um livro pode oferecer abrigo a quem nunca teve casa, dar voz a quem nunca foi ouvido. A leitura é um gesto político, poético e profundamente humano. É ferramenta de liberdade e ponte para a empatia. No meu trabalho com o Literatura Acessível, vejo diariamente como a leitura pode mudar trajetórias e oferecer asas e dar voz onde antes só havia silêncio.

O DIA : Seu projeto, Literatura Acessível, é muito importante e necessário. A senhora tem algum outro projeto?
Carina Alves: Sim, o Literatura Acessível é um dos projetos que mais me mobiliza, pois une inclusão, literatura e justiça social — pilares que sustentam minha caminhada. Além dele, coordeno iniciativas como o Crescer com Cuidado, que oferece suporte em saúde mental a mulheres e crianças em territórios de vulnerabilidade. Acredito em uma educação integral, em que a arte, a ciência e o cuidado caminham juntos. A cada projeto, brota uma nova história.

A leitura tem um papel essencial também no campo da saúde mental. Ler — especialmente poesia — é um exercício de escuta interna. Os versos abrem frestas no cotidiano, convidam à pausa, acolhem emoções e ajudam a ressignificar experiências. Em contextos de sofrimento psíquico, a literatura pode ser um território de expressão, de empatia e de cura simbólica. Por isso, a poesia está presente não só nos meus livros, mas também nas minhas práticas como psicóloga.

Também escrevo poesias. Lançar meu primeiro livro, Brinco de ser UMA, foi um mergulho corajoso na literatura para adultos, após anos dedicados à produção infantojuvenil. A obra nasceu do desejo de dar voz às delicadezas e às insurgências do feminino — e tem sido uma ponte bonita entre minhas vivências pessoais, minha atuação social e o olhar poético sobre o mundo. E agora, um novo livro já está a caminho, prestes a chegar às livrarias, trazendo outras camadas, outras coragens, outras possibilidades de dizer e sentir. Escrever também é um gesto de cuidado — e sigo brincando de ser, em cada verso.

O DIA:  Quando a senhora percebeu que tinha gosto pela leitura?

Carina Alves: Desde muito nova, ainda na infância, quando fui estudar teatro e música. Lembro das primeiras palavras como quem recorda uma descoberta mágica. Livros foram minha forma de entender o mundo — e, muitas vezes, de me proteger dele. Mais tarde, como psicóloga e educadora, entendi que o amor pela leitura não nasce apenas: ele precisa ser cultivado, incentivado, acessibilizado. Por isso, luto para que todas as crianças, em todas as realidades, possam viver esse encontro com as palavras.

O DIA: O que a senhora diria para quem está entrando no mundo da leitura agora?

Carina Alves: Digo a todas as pessoas: sejam bem-vindas ao início de uma bela jornada. Não tenham pressa. Leiam o que emociona, o que intriga, o que desafia. Um livro não precisa ser terminado; precisa ser sentido. A leitura não é uma obrigação — é um convite ao encantamento. E lembrem-se: não importa se se lê com os olhos, com os ouvidos ou com as mãos. O essencial é que a leitura alcance, transforme e desperte o desejo de continuar descobrindo o mundo — e a si mesmo — a cada página.
Dia mundial do livro é comemorado junto com São Jorge
Vale lembrar que outra data de abril também é dedicada a leitura. No dia 23 de abril, é comemorado o Dia Mundial do Livro. Além de homenagear várias obras literárias e seus autores, a data também busca conscientizar as pessoas sobre os prazeres da leitura.
Nos dias atuais, onde vivemos numa era cada vez mais digital, a leitura em telas tem conquistado o interesse de crianças e adolescentes, devido ao consumo rápido de informações e aos conteúdos mais curtos. Nesse contexto, a psicopedagoga e escritora infantil Paula Furtado destaca que comemorar este dia é uma forma de incentivar as pessoas a ter acesso aos livros, além de adquirir a prática de ler.
Pais e educadores precisam criar estratégias inovadoras que aproximam os jovens das obras literárias e que estimulem o prazer pela leitura de modo adaptado às suas novas formas de aprender. Diante dessa perspectiva, é essencial cativar os pequenos pelo ato de ler desde cedo, para que possam compreender todas as vantagens que a leitura irá proporcionar ao longo da vida.
Paula orienta que as medidas adotadas devem ser tão atraentes quanto às tecnologias, e que o ambiente seja estimulante e repleto de opções narrativas. "O primeiro passo é ser um exemplo inspirador, demonstrar entusiasmo e criar momentos compartilhados em família. A paciência é essencial nesse processo, pois cada indivíduo tem seu próprio ritmo de adaptação, e o segredo está em apresentar os livros como portais mágicos para descobertas e aventuras, e não como obrigação, conectando-os aos interesses das crianças de forma leve e prazerosa".