Janaina Affonso criou o Movimento de Cegonhas Juntas Somos Rosas em 2022Reprodução/Arquivo Pessoal

Rio - Artesãs cariocas celebraram a criação do Dia da Cegonha Reborn na cidade do Rio. O Projeto de Lei foi aprovado na Câmara de Vereadores, na última quarta-feira (7), e homenageia mulheres que confeccionam bonecas que se parecem com recém-nascidos reais. Além de um brinquedo, os bebês reborn têm sido usados por pais e avós que sofrem com a perda de filhos e netos, bem como de pessoas com Alzheimer e em projetos sociais com crianças.

A proposta, do vereador Vitor Hugo (MDB), afirma que a arte tem sido usada em diversos países e que está ganhando cada vez mais espaço. "Surpreende ainda o fato de que no mundo dos bebês reborn, existe até maternidade e parto". O texto afirma que há casos em que servem como terapia para o restabelecimento de luto e outros traumas. "O bebê reborn é utilizado por um curto período, sempre sob orientação profissional, auxiliando no processo de recomposição da mãe ou o pai enlutado". 

O projeto seguiu para o prefeito Eduardo Paes e, caso seja sancionado, o Dia da Cegonha Reborn passará a ser celebrado em 4 de setembro. A data marca a primeira reunião do Movimento de Cegonhas Juntas Somos Rosas, criado pela artesã Janaina Affonso, de 47 anos, na quadra da Portelinha, em Oswaldo Cruz, na Zona Norte, em 2022.
O evento foi realizado pela artesã, que estava determinada a conseguir criar a celebração, após ouvir de uma professora da filha mais velha que o trabalho que desenvolvia com a confecção das bonecas não era uma profissão de verdade. A expectativa era reunir cerca de 15 mulheres, mas o evento atraiu mais de 100 pessoas. Atualmente, o movimento conta com 76 membros.

"Essa busca minha pelo Dia da Cegonha Reborn começou por um trabalho da minha filha de escola, na época da pandemia, em que a professora perguntou qual era profissão da mãe e ela disse: 'Minha mãe é cegonha' e a professora disse que isso não era profissão. Aquilo me feriu, porque eu tenho formação e sou artesã por escolha", lembrou Janaina. 

A cegonha conta que era protética e começou na arte reborn em 2019, a partir de um pedido de sua filha mais velha, à época com 4 anos, por uma boneca realista, que ela não pôde comprar. O pai da artesã então pagou um curso para que ela aprendesse a fazer, já que sabia sobre sua paixão por artesanato. Desde então, além de produzir e vender, passou a dar aulas à distância ensinando as técnicas para outras pessoas. Segundo ela, hoje mais de 50% do orçamento mensal familiar vem do artesanato com as confecções.

Ainda de acordo com Janaina, os bebês reborn têm preços que variam dos R$ 500 a R$ 1,8 mil, de acordo com material da fabricação, que pode ser importado ou a partir de bonecas comuns encontradas em lojas, que são transformadas. No entanto, ressalta que as peças vão além de produtos de consumo e podem ser usados em trabalhos terapêuticos e sociais com adultos, crianças e idosos. Um dos impactados é o próprio pai dela, que sofre da doença de Alzheimer, e ganhou o José, que estimula a parte cognitiva e afetiva do idoso.

A mulher relata que também presenteou uma avó que sofria o luto da perda do neto, aos 21 anos, com um bebê reborn com a aparência de quando ele era recém-nascido, bem como uma mãe que passava pela chamada "síndrome do ninho vazio", quando os filhos deixaram de morar com ela. Até homens são agraciados com as peças, como um jovem negro que se sentiu representado ao ganhar uma reprodução dele quando era neném. 
Cegonha defende que bebês reborn podem ser usados em trabalhos terapêuticos e sociais com adultos, crianças e idosos - Reprodução/Arquivo Pessoal
Cegonha defende que bebês reborn podem ser usados em trabalhos terapêuticos e sociais com adultos, crianças e idososReprodução/Arquivo Pessoal
O movimento criado por Janaina ainda restaura bonecas velhas e as entrega para crianças em vulnerabilidade social, em orfanatos e escolas. "É algo transformador ver o brilho nos olhos das crianças. Eu pego bonecas velhas, do lixo e reformo, coloco uma chupeta, uma roupinha nova, um cheirinho e é um bebê reborn. Essa arte transforma, faz sonhos acontecerem, por isso eu consigo transparecer a minha felicidade, a minha gratidão a Deus, que é poder fazer uma criança feliz". 
Comoção nacional

A demanda das cegonhas chegou ao vereador Vitor Hugo a partir de um funcionário do gabinete dele, que presenciou uma exposição de bebês reborn promovida por Janaina em um shopping de Madureira, também na Zona Norte, há dois anos. Desde então, ela segue com o trabalho de confecção, restauração e aulas, destacando a importância da comemoração para as artesãs do setor.

"Precisamos ter nosso dia reconhecido, somos mulheres do lar que separamos parte do tempo para renascer bebês reborn. Tudo isso para trazer alegria para crianças, acalento a quem perde um filho ou até mesmo não pode gerar uma criança. Nossos bebês são utilizados para terapias com idosos, crianças autistas, pessoas que sofrem de depressão. Muitas como eu vivem inteiramente da arte reborn como fonte de renda. Assim crio minhas filhas, dando dignidade e mostrando que estudando mudaremos a história, principalmente valorizando a arte reborn, porque esse trabalho salva vidas". 

Nas redes sociais, diversos perfis passaram a chamar atenção por mostrarem a confecção, coleções e até rotinas de "mamães" de bebês reborn. Há vídeos das bonecas sendo levadas para consultas médicas, passeando e interagindo com outros membros da família. Recentemente, o vídeo de um perfil viralizou ao mostrar o "parto" de uma peça. 
Apesar do projeto criar a celebração somente na cidade do Rio, cegonhas de outras cidades fluminenses e estados comemoraram a medida. "Com duas crianças pequenas e sem rede de apoio tive um recomeço com arte reborn, onde pude estar em casa ao lado dos meus filhos e ao mesmo tempo ter um trabalho e uma renda para ajudar nas despesas de casa, hoje não me imagino exercendo outra função, amo ser cegonha, me encontrei nessa arte linda", disse uma artesã. 
"Espero que através da lei, nosso trabalho possa ser reconhecido e respeitado", comentou outra. "Muitas de nós cegonhas nos apegamos a arte para sair da depressão, levar sustento para nossa família", apontou mais uma. "Esse trabalho é lindo e muito gratificante em todos os sentidos. É um dom que Deus deu a cada cegonha!".