Quiosques da orla do Rio terão que respeitar novas normas a partir de junhoArquivo / Agência O Dia

Rio - O decreto que estabelece novas regras para quiosques e barracas da orla do Rio, publicado na última sexta-feira (16) pela prefeitura, vem sendo alvo de polêmicas. O principal ponto contestado pelos comerciantes do setor é a proibição de música nos estabelecimentos. Para o professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Victor dos Santos, ouvido pelo DIA, o texto é ilegal, pois contraria uma Lei Complementar em vigor.
Na última semana, Eduardo Paes publicou o Decreto nº 56072, que estabelece 16 proibições para combater práticas irregulares em estabelecimentos licenciados pela própria prefeitura. O descumprimento das normas, válidas a partir de 1º de junho, poderá resultar em multas, apreensões e até cassação dos alvarás.
O texto proíbe a "utilização de caixas de som, instrumentos musicais, grupos musicais, apresentações com som amplificado, música ao vivo ou qualquer equipamento que produza emissão sonora, independentemente de horário, salvo eventos especiais expressamente autorizados pelo Poder Público Municipal."
Para a concessionária Orla Rio, responsável pela operação e manutenção de 309 quiosques localizados nas praias da cidade, a ausência de música, especialmente na baixa temporada, representa queda nas receitas desses negócios, desemprego entre brigadas e músicos, e menor atratividade para turistas e marcas. De acordo com a empresa, 154 das 179 marcas que operam os quiosques na orla mantêm programação musical.
"Alguns quiosques não apenas tocam música: são referência cultural da cidade. A presença de música ao vivo aumenta o ticket médio em mais de 10%, estende o tempo de permanência e impulsiona o consumo - benefícios que vão diretamente para os operadores e suas equipes. São pequenos empreendedores que empregam, treinam, compram de produtores locais e fazem a economia girar - e são eles os mais impactados por essa perda", alega a Orla Rio.
Fernando Blower, presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), destaca a importância da música para os estabelecimentos. De acordo com ele, as medidas precisam ser debatidas com mais profundidade.
"A música, além de ser uma manifestação cultural fundamental do nosso DNA carioca, é também uma engrenagem econômica importante: movimenta a economia criativa, gera empregos, atrai turistas e prolonga a permanência dos frequentadores. O SindRio defende, com firmeza, o fortalecimento do ordenamento e da fiscalização, sobretudo em relação à minoria que insiste em operar à margem da lei. Mas reforça que medidas que comprometam o modelo de sucesso construído ao longo da última década – com diálogo, investimento e responsabilidade – precisam ser debatidas com mais profundidade", diz.
Controvérsia
A Lei Complementar (172/2017) autoriza a apresentação de música ao vivo nos quiosques localizados na orla do Rio das 12h às 22h, em qualquer dia da semana. Ao DIA, o professor Carlos Victor dos Santos explica que o decreto da prefeitura não pode revogar o que já foi determinado pela lei. Logo, o tópico referente ao som e a música, o torna ilegal.
"Nitidamente, o objetivo ali é proibir em toda a extensão da orla marítima a realização de atividades que ferem o ordenamento urbano. O ponto é o seguinte: o decreto é utilizado na regra para complementar uma lei. De outro modo, ele não pode inovar na ordem jurídica, não pode criar nem extinguir situações. Ele pode regulamentar. Quem cumpre esse papel de criar e inovar é a lei, que estabeleceu a possibilidade de ocorrer, de poder ter a música na orla da praia. O decreto não poderia revogar isso. Por uma questão de hierarquia entre as normas, o decreto está abaixo da lei e não deve contrariá-la. Em outras palavras, o decreto é ilegal. Esse é um ponto chave. Ele não deveria gerar efeitos jurídicos porque é ilegal. Ele está inovando e criando uma situação diferente do que a lei já estabeleceu, não poderia fazer isso", conta.
Para o professor, o certo a ser feito é revogar ou corrigir o trecho que proíbe a música nos quiosques. Isso colocaria o decreto na legalidade, complementando a lei. 
Garrafas de vidro
Outra proibição contestada pelas categorias é a "comercialização ou disponibilização de bebidas em garrafas de vidro por quiosques, barracas ou quaisquer outros pontos de venda instalados na areia ou no calçadão." Para a Orla Rio, proibir o uso das garrafas nos estabelecimentos é desfigurar a proposta gastronômica da orla.
"Os principais incidentes com vidro na areia não vêm dos quiosques, mas do consumo informal - como coolers particulares ou bebidas adquiridas por aplicativos de delivery, sem controle de descarte. Em muitos quiosques, não se serve apenas cerveja. Há adegas climatizadas com vinhos e espumantes, cartas assinadas por sommeliers, drinques elaborados com garrafas e copos de vidro e apresentações diferenciadas - todas seguras, treinadas e fiscalizadas. [Proibir] É empobrecer a experiência e transformar a pluralidade gastronômica em algo padronizado e sem alma. É comprometer o faturamento e afastar parte do público", destaca.
A Lei Ordinária (3.456/2002) estabelece que é permitida a venda de bebidas em embalagens de vidro pelos quiosques licenciados, desde que cumpram critérios de segurança e responsabilidade.
Questionada, a prefeitura informou que publicou o decreto com o objetivo de preservar a ordem urbana, a segurança pública e o meio ambiente. Além disso, afirmou que, nos próximos dias, seguirá dialogando com todas as partes envolvidas para entender as demandas de todos os setores e estudar possíveis ajustes.