A Organização Internacional do Trabalho estima que por ano no mundo são perdidos 12 bilhões de dias de trabalho, o que significa um trilhão de dólares de prejuízo na economia do mundo. Nos últimos dois anos, afastamentos por saúde mental no Brasil, o DNSS, se tornaram a terceira maior causa do não comparecimento ao trabalho. Tratam-se de evidências concretas de que existe muita coisa a ser trabalhada para a saúde mental das pessoas no seu ambiente de trabalho.
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Por conta disso o governo federal atualizou a NR-1, que serve como base para todas as Normas Regulamentadoras, estabelecendo diretrizes gerais para o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). A aplicação é tão séria que o governo está dando um ano para que todos as empresas cumpram as exigências a fim de que a saúde mental das pessoas não seja abalada e problemas não virem uma síndrome de burnout.
De acordo com Antônia Burke, diretora de educação da VOZ Futura, o desafio é garantir que a aplicação da NR-1 acompanhe as transformações do mundo do trabalho, seja em regime CLT ou como MEI, em escritórios ou no home office, o compromisso com a saúde mental e a segurança do trabalhador precisa ser compartilhado entre contratantes e profissionais. Para tal demanda são necessárias ações.
"Isso exige soluções concretas, como plataformas de ensino a distância voltadas para saúde e segurança no trabalho, trilhas formativas personalizadas, certificações digitais integradas aos sistemas das empresas e acompanhamento periódico mesmo em contextos remotos. É possível ter presença mesmo à distância. Não basta cumprir a norma no papel: é preciso garantir que ela chegue, de fato, à rotina de quem trabalha de forma autônoma, híbrida ou fora dos modelos tradicionais", diz Antonia.
Ela acrescenta que é mais inteligente cuidar do bem estar dos seus funcionários, uma vez que estamos realmente vivendo um cenário de muitos transtornos mentais, muita instabilidade, muito preconceito e pouca informação.
Proprietária da Amese (o nome da empresa é um trocadilho com Ame-se), Cyntia Freitas, afirma que já segue as diretrizes do NR-1. "Acredito que cuidar da saúde mental no ambiente de trabalho é mais do que uma obrigação legal, é um compromisso com o bem-estar das pessoas e com o desempenho sustentável das empresas", afirma.
De acordo com Cyntia, as organizações podem ter a tranquilidade de estar cumprindo com as exigências da Lei de Saúde Mental nas Empresas, ao mesmo tempo em que promovem um ambiente de trabalho mais saudável, acolhedor e produtivo. "É uma forma inteligente e humana de alinhar responsabilidade legal com valorização das pessoas".
Ela afirma que a orientação online também é importante. "Uma das grandes vantagens da Amese é que oferecemos o tratamento on-line, que torna todo o processo mais econômico para quem contrata e, ao mesmo tempo, muito mais prático para os colaboradores, que podem participar diretamente de casa, seja pelo computador ou pelo celular".
'Temos que tocar o coração das pessoas'
CEO da Alba Consultoria, Rosa Berhoeft, também fala da implementação da nova norma. "Quando falamos de riscos ocupacionais, especialmente agora com a nova NR-1 que inclui os fatores psicossociais, precisamos tocar o coração das pessoas, não apenas informar suas mentes. Nossa abordagem é muito orgânica. Criamos momentos de diálogo onde cada pessoa se sente à vontade para compartilhar suas percepções e preocupações".
Ela conta que se desenvolve um espaço acolhedor, onde há conversas sobre temas como pressão excessiva, conflitos no trabalho ou aquela sensação de estar sempre correndo atrás do tempo e sobre grupos minoritários. "Quando lidamos com corporações, incluímos a necessidade dar voz a grupos minoritários, como negros, mulheres, pessoas LGBTQIA+. É interessante como, quando criamos um ambiente seguro, as pessoas começam a perceber riscos que antes eram invisíveis. Gosto de ver como essa comunicação humanizada transforma não apenas a compreensão sobre segurança, mas as relações no trabalho como um todo. Quando alguém entende que cuidar da própria saúde mental é um ato de amor consigo mesmo e com a equipe, a mudança acontece naturalmente".
RH – peça-chave na construção da cultura de prevenção
Para a presidente da ABRH-RJ, Renata Filardi, o Recursos Humanos é peça-chave na construção da cultura de prevenção, ao integrar as diretrizes da norma às políticas de gestão de pessoas. Isso envolve promover treinamentos contínuos, reforçar comportamentos seguros no dia a dia, atuar na comunicação interna com foco em prevenção e capacitar as lideranças para que atuem como exemplo.
"Além disso, o RH pode alinhar os programas de bem-estar e saúde ocupacional ao mapeamento de riscos, contribuindo para um ambiente mais seguro e consciente. Para que esse processo seja efetivo, a escuta ativa — tanto de gestores quanto de colaboradores — é essencial, permitindo identificar possíveis distorções e promover melhorias constantes".
De acordo com Filardi, as empresas precisam estar preparadas para implementar ações efetivas no âmbito do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), tais como:
•Identificar e avaliar os riscos ocupacionais por meio de análises técnicas especializadas; •Conscientizar todos os níveis da organização de que a prevenção não é responsabilidade exclusiva do RH, mas sim um compromisso coletivo; •Comunicar claramente os riscos aos colaboradores, utilizando linguagem acessível, políticas bem definidas e procedimentos objetivos; •Capacitar e treinar os colaboradores continuamente sobre medidas preventivas e procedimentos de emergência; •Estimular a participação ativa dos funcionários, promovendo espaços para identificação de perigos e sugestões de melhorias; •Integrar o PGR aos processos de desenvolvimento de pessoas, reforçando a cultura de segurança desde o onboarding.
"Por fim, é fundamental promover uma cultura de segurança sólida, onde todos se sintam à vontade para relatar riscos, sugerir melhorias e atuar como parceiros na construção de um ambiente de trabalho mais seguro e sustentável", diz ela.
Falta de organização pode arruinar carreiras
Elias Marcelino, assistente de RH, fala sobre os principais erros dos líderes que podem arruinar a carreira dos funcionários. "A falta de organização é um dos piores erros. Cada funcionário tem habilidades diferentes. Talvez eu seja bom em uma coisa, outra pessoa seja boa em outra coisa. Então, o papel de quem está na liderança, ou na coordenação, é enxergar quais os melhores direcionamentos para cada perfil e remanejá-los conforme a necessidade", afirma.
Ele conta que o ponto principal está em dar liberdade para que os funcionários possam ser ouvidos. "Muitos gestores, devido à sua posição de liderança, escolhem não levar em consideração as observações dos seus colaboradores. Optam por receberem os méritos pelos resultados da equipe, mas não dão espaço para que conexões sejam geradas. Vejo que não deveríamos ser tratados de qualquer maneira, apenas por estarmos em posições abaixo das deles. Quando um funcionário se sente acolhido ou é consultado para expressar suas opiniões e ideias acerca do trabalho que está sendo executado, os gestores também são beneficiados por cumprirem o seu papel com maestria na liderança", avalia.
Importância de se capacitar as lideranças
Especialista em Ciência da Felicidade pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, Chrystina Barros, fala sobre o assunto, em voga nos dias atuais. "A grande conquista é que a NR-1, precursora de todas as legislações, normas para segurança, sempre falou dos riscos do ambiente de trabalho, dos riscos físicos, químicos, biológicos. Mas agora, como eu gosto sempre de dizer, legislações vêm a reboque da prática. O mundo está adoecendo, está adoecendo de transtornos da ansiedade e depressão. Então, é necessário que isso deixe de ser apenas um debate, mas passe a ser algo objetivo, com responsabilidades definidas".
Ela fala sobre a transformação. "A principal mudança dessa NR-1 é que amplia todos esses riscos e inclui os riscos psicossociais. A gente vive num mundo muito inflamado, redes sociais, fala de mimimi, que é a dor que vai no outro. Na hora que se traz isso para uma legislação, existe uma resistência, inclusive, das lideranças e das empresas, porque em se colocando isso numa regra, mais ainda a gente abre para discussões judiciais que podem doer no bolso", diz ela, acrescentando que cumprir uma norma tem um tom completamente diferente e isso é muito fundamental para que se consiga, apesar das dificuldades, trazer da maneira mais objetiva e assim melhorar as condições e não adoecer como já vem ocorrendo.
De acordo com a especialista, algumas ações práticas estão sendo ampliadas. "Temos iniciativas que aconteciam há algum tempo, mas começamos a trazer a mensuração das condições de ambiente de trabalho, como, por exemplo, as iniciativas do Great Place to Work, os questionários para avaliação de bem-estar das pessoas, A capacitação de lideranças, principalmente para a questão da comunicação não violenta. E aqui eu vou destacar a importância de se cuidar das lideranças, que representam às vezes de maneira cega a busca por uma produtividade sem fim. A abertura de canais de compliance, de ouvidoria, inclusive com a benesse do anonimato. Isso tudo também facilita com que se dê mais ouvidos e escuta legítima esses problemas, com o devido tratamento".
Para a profissional, o adiamento serviu para que haja mais discussão, inclusive com os trabalhadores, empregados e sociedade. "É o que vai garantir que ela entre em vigor e que essa postergação não seja uma forma de fuga das responsabilidades que as empresas têm sobre a saúde mental das pessoas que está sendo massacrada em nome de uma produtividade irresponsável que no final corrói, marca e destrói. O resultado traz prejuízo e mata pessoas", finaliza.
Una Empregabilidade de olho nas diretrizes
Um diferencial dessa edição do UNA Empregabilidade é que todas as aulas de preparo para o mercado de trabalho começaram com meditação e um bate-papo sobre saúde mental dos trabalhadores – um tema que, atualmente, está no centro das discussões corporativas.
A NR-1 está diretamente alinhada aos princípios do UNA Empregabilidade, que promove não apenas a capacitação profissional, mas preocupa-se com a saúde mental dos futuros profissionais. "Acreditamos que preparar os jovens para o mercado de trabalho vai além das habilidades técnicas. Em um ambiente saudável e inclusivo, estamos cultivando a autonomia, o empreendedorismo e a saúde mental, pilares essenciais para uma carreira bem-sucedida no futuro", comenta Lau Mollica, fundadora da Leoninna.
Com filosofia inclusiva, o UNA Empregabilidade também tem o orgulho de acolher jovens com suas particularidades. "A diversidade de experiências enriquece ainda mais o aprendizado coletivo", pontua Lau Mollica, que pretende abrir outra turma e está esperando patrocínio.
Israel Félix Figueiredo dos Santos, que possui Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), é um exemplo de superação e dedicação. Com o apoio do UNA, tem se desenvolvido tanto profissional quanto pessoalmente. "O projeto me ajudou nas situações do dia a dia, me ensinou a me socializar, e me preparou para saber lidar com desafios no futuro emprego. Antes, eu era mais fechado, e hoje consigo interagir melhor com as pessoas, me abrir e conversar, o que me ajudará bastante no ambiente de trabalho", afirma.
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