Flores e mensagens homenagearam vítimas de incêndio do Ninho do Urubu em 2019Severino Silva / Arquivo O Dia

Rio - A justificativa de falta de provas, que levou à absolvição dos réus no processo sobre a responsabilidade do incêndio no Ninho do Urubu, que matou 10 adolescentes atletas do Flamengo em 2019, é contestada pelo Ministério Público do Rio (MPRJ). Segundo o órgão, as alegações finais da Promotoria, apresentadas em 106 páginas, demonstraram que a tragédia foi consequência de falhas estruturais e administrativas conhecidas e ignoradas pelos responsáveis do centro de treinamento, localizado em Vargem Grande, na Zona Sudoeste.
Na última terça-feira (21), o juiz Tiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal da Capital, do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), absolveu sete acusados, entre ex-diretores do Rubro-Negro e funcionários da empresa dos contêineres usados como alojamento, que respondiam pelo crime de incêndio culposo.
Para o magistrado, não houve provas suficientes que evidenciem a contribuição direta dos réus com o incêndio. Por isso, não se pode responsabilizar criminalmente alguém apenas em razão do cargo que ocupava, sem ter comprovação efetiva da sua ação, ou omissão, determinante para o resultado. 
"Para que se preenchesse a tipicidade do incêndio culposo, seria necessário estabelecer uma cadeia causal sucessiva entre uma conduta descuidada, a criação de um mecanismo efetivamente apto a produzir a ignição e a ignição propriamente dita", escreveu Barros.
Contudo, o MPRJ contesta a versão. O órgão afirma que mostrou, com laudos técnicos, documentos oficiais e depoimentos de testemunhas, que o incêndio aconteceu com conhecimento dos responsáveis em relação aos problemas do alojamento.
Nas alegações, a Promotoria de Justiça descreveu que a instalação era irregular, construída sem autorização e em desacordo com as normas de segurança e prevenção de incêndio. Com isso, o MPRJ alega que havia "clara previsibilidade do risco", configurando o elemento central da culpa.

"O Ministério Público não se limitou a apontar irregularidades formais, mas comprovou o nexo causal entre as omissões dos gestores e o resultado fatal. As provas periciais e testemunhais revelaram um padrão de conduta negligente, violando o dever legal de cuidado", ressaltou o órgão, que irá recorrer da decisão.
Foram absolvidos: Antônio Márcio Mongelli Garotti, ex-diretor de Meios do Flamengo; Marcelo Maia de Sá, ex-diretor adjunto de Patrimônio (Obras); Edson Colman da Silva, sócio proprietário da empresa que fazia a manutenção dos ares-condicionados do alojamento; Fábio Hilário da Silva, engenheiro elétrico da NHJ, companhia responsável pelos contêineres; Cláudia Pereira Rodrigues, diretora Administrativa e Comercial da NHJ; Weslley Gimenes, engenheiro civil da NHJ; e Danilo da Silva Duarte, engenheiro de produção da NHJ.
Parte dos demais denunciados já havia sido excluída do processo em fases anteriores. Em fevereiro, a punibilidade de Eduardo Carvalho Bandeira de Mello, então presidente do clube, foi extinta em razão do tempo transcorrido. A Justiça do Rio já tinha retirado da ação o ex-diretor de base do Flamengo, Carlos Noval, e o engenheiro Luiz Felipe Pondés, pois julgou que as provas contra eles não eram suficientes, e absolvido o monitor Marcus Vinicius Medeiros.
"Sentimento de impotência"
Ao O DIA nesta quarta-feira (22), Darlei Pisetta, pai do goleiro Bernardo Pisetta, lamentou a falta de responsabilização. De acordo com ele, a decisão pode contribuir para que outras tragédias ocorram. Bernardo foi um dos adolescentes mortos, aos 14 anos.
"O sentimento é de que a justiça não está sendo feita. Sensação de impunidade, de não ter valor às nossas vidas. Acho que as coisas não deveriam acontecer dessa forma. Alguém teria que ser responsabilizado. Vai demorar mais um ano, meses, sei lá, mas não deixem dessa forma. Outras tragédias vão acontecer. Nós queremos que sirva para alguma coisa, de exemplo para outras entidades e clubes que não podem agir dessa forma, para que exista um planejamento de como os atletas vão ter seu dia a dia. Queremos a responsabilização e a cobrança dos órgãos públicos", demandou.
Natural de Santa Catarina, Bernardo se mudou para o Rio de Janeiro para viver o sonho de ser jogador de futebol profissional. O jovem encontrou o caminho no Flamengo como goleiro da base.
"Quando entregamos os nossos filhos ao Flamengo, sob a responsabilidade deles de cuidar e formar atletas, fomos muito seguros. Aí acontece a tragédia e ninguém é responsável. Não sou advogado, nem jurista. Sou pai de uma vítima, de uma criança. Um pai de uma família fragilizada pela perda do filho de 14 anos, que seguia um sonho encaminhado. Como podemos deixar isso assim? Temos que ter a responsabilização de alguém. Não podemos deixar isso como normal", questionou Darlei.
Em nota enviada ao O DIA, Alba Valéria e Wanderlei Dias, pais do volante Jorge Eduardo Santos, de 15 anos, disseram que receberam com dor e indignação a notícia sobre a decisão de absolvição dos réus.
"Há mais de seis anos, vivemos o vazio e o silêncio deixados pela morte do nosso filho — um menino cheio de vida, sonhos e esperança. Ele acreditava no futebol, acreditava no Flamengo, acreditava que seu talento e o esforço o levariam longe. Hoje, nós sentimos que a justiça falhou com os nossos filhos mais uma vez. Cada absolvição é uma ferida reaberta, uma lembrança cruel de que, para muitos, eles já foram esquecidos. Mas para nós, pais e mães, o tempo não cura, e a luta não acaba", lamentou a família.
O incêndio aconteceu em 8 de fevereiro de 2019. Todas as vítimas tinham entre 14 e 16 anos. Ao todo, 26 atletas estavam no alojamento e 16 sobreviveram.