O estudo teve como foco denúncias, prisões e condenações em casos de crimes de drogasÉrica Martin/Agência O Dia

Rio - Um estudo feito pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) aponta que pessoas negras e moradoras de favela são os alvos mais recorrentes de denúncias, abordagens e prisões. Divulgada nesta segunda-feira (24), a pesquisa tem o objetivo de entender o perfil de acusados e condenados por crimes como tráfico de drogas e associação para o tráfico no território fluminense. No relatório "Engrenagem seletiva: o tratamento penal dos crimes de drogas no Rio de Janeiro", o CESeC faz uma análise de quase 3,4 mil casos com ênfase nos fatores raça, classe e território.   
Do total de ocorrências observadas, 911 foram por porte para consumo pessoal; 2.169 por tráfico; e 1.212 por associação. Em diversas ocasiões, os dois últimos entram no mesmo processo enquadrados nos artigos da Lei de Drogas.
Uma das estatísticas de maior destaque no relatório indica que pessoas brancas são enquadradas com mais regularidade nos artigos de porte para consumo pessoal e têm maior chance de acesso à transação penal, enquanto cerca de 75% dos condenados por tráfico e associação são negros.
"O perfil racial das vítimas vai escurecendo na medida em que avança a fase processual: 68,9% dos imputados pela polícia, 74,7% dos denunciados e 77,4% dos condenados são negros, que em geral são acusados em maior proporção dos crimes mais graves, como tráfico e associação para o tráfico", acrescenta Ignacio Cano, sociólogo, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e consultor da pesquisa.
Sobre punição, nos casos de associação especificamente, a proporção de condenados negros é de 64%, enquanto de brancos é de 36%. A discrepância racial fica ainda mais nítida quando se observada a composição racial do estado do Rio, em que 58% da população se autodeclara negra e 42%, branca. Além disso, o relatório aponta que pessoas negras recebem cerca de um ano a mais de pena do que de pessoas brancas. Enquanto brancos têm, em média, 810 dias de punição, negros têm 1.172.
"Entre os imputados por uso de drogas, brancos e pessoas mais favorecidas economicamente apresentam uma maior probabilidade de receber uma oferta de transação penal, se livrando do processo criminal. Ser negro reduz em 43% as chances de receber tal proposta, e ser pobre reduz em 53% essa mesma chance", complementa Ignacio Cano.
Local da ocorrência pesa
O fator territorial também reflete nos perfis de condenações. Isso porque o réu é condenado em mais de 75% das sentenças nas quais fica explícito como "favela" ou "comunidade" o local da ocorrência. "Se o juiz menciona que o fato aconteceu em favela, a probabilidade de ser condenado por tráfico é de 76,5%. Se menciona que foi em território dominado por facções, essa probabilidade sobe para 79,3%. E se menciona a Súmula 70, que indica que uma pessoa pode ser condenada apenas com o testemunho da polícia, a probabilidade de condenação é de 89,1%", conclui o sociólogo.