A novela em torno dos aeroportos do Rio precisa de um desfecho para que o estado possa voltar a se beneficiar de uma de suas principais vocações econômicas: o turismo
Um tema sempre mencionado ao longo dos três anos de existência desta coluna — completados sem festa no último dia 15 de março — tem sido o dos aeroportos do Rio de Janeiro, em especial do Tom Jobim, o Galeão, e do estado lamentável em que se encontra aquela que já foi a principal porta de entrada no Brasil. A despeito de sua importância, fundamental para o incremento do turismo no Rio de Janeiro e no Brasil, o terminal perdeu a nobreza e tem sofrido nas últimas décadas com as indefinições de rota por parte do governo. Ninguém é capaz de prever como essa história terminará e toda vez que ela parece próxima de um final feliz, tudo volta à estaca zero.
A cada ano, a questão assume uma feição diferente e quem mais perde com a falta de definição desse enredo é a economia fluminense — e, por consequência, os trabalhadores e os empresários que atuam no setor de turismo. Enquanto essa questão não for resolvida, o estado e o município enfrentarão dificuldades para atrair mais visitantes e o Rio não conseguirá tirar todo o proveito que poderia obter com uma atividade que é uma de suas vocações econômicas mais evidentes.
Isso mesmo! O vai-e-vem em torno do futuro do Galeão e do outro aeroporto carioca, o Santos Dumont, pode ser apontado, ao lado da falta de segurança no estado, como o principal obstáculo no caminho do desenvolvimento do turismo, uma atividade que tem tudo para florescer no Rio. É bom insistir nesse ponto para que fique bem claro: as sucessivas mudanças de planos do governo federal em relação ao destino que será dado aos dois aeroportos só têm servido para tornar cada vez mais incerto o futuro de uma atividade que tem para a economia fluminense uma importância superior à que tem para a maioria dos outros estados do país.
Cada governo que entra tem uma solução diferente para os aeroportos — e, no final da história, nenhum consegue apresentar uma solução satisfatória para o problema. É hora, portanto, de todos nós que nos preocupamos com o futuro do Rio nos unirmos para levar ao governo federal a solução que nos interessa para os aeroportos fluminenses. Essa solução precisa, para começo de conversa, ignorar as ciumeiras que marcam as decisões políticas no Brasil. Ela tem, para ser mais claro, que passar por cima das divergências de visão entre o governo que se foi e o que está chegando agora. O que deve nortear qualquer decisão em relação aos dois aeroportos são os interesses do Rio. São eles que devem nortear as providências a serem tomadas em relação ao Galeão e ao Santos Dumont.
OPERAÇÃO COORDENADA
A prefeitura do Rio elaborou em janeiro deste ano um estudo que demonstra por A mais B que a forma mais racional, eficiente e promissora de lidar com os aeroportos é, como estava previsto no ano passado, considerar o Galeão e o Santos Dumont como partes de um mesmo sistema. Isso permitiria a exploração das sinergias existentes entre eles e acabaria com o clima de competição que parece existir entre os dois terminais — que fazem tudo o que está a seu alcance para tentar tirar clientes um do outro, ao invés de somar forças para, juntos, oferecerem mais pontualidade, comodidade, segurança e alternativas de destinos nacionais e internacionais ao turista que visita o Rio a lazer ou a negócios.
Uma das ideias mais sem pé nem cabeça que andaram circulando nos últimos dias foi a de transformar o Santos Dumont em destino de alguns voos internacionais! Sem querer discutir a falta de condições da pista e do terminal do aeroporto para esse tipo de operação, é importante deixar claro que essa não é a vocação de um terminal central como ele. Adaptar o Santos Dumont para voos internacionais elevaria os custos da operação e acabaria prejudicando os usuários dos voos domésticos de curta e média distância — que são sua principal clientela. Por razões semelhantes, operações que exigem celeridade no embarque e desembarque dos passageiros, como as da ponte aérea para outras capitais do país, não são adequadas ao Galeão.
A ideia de tratar os dois aeroportos do Rio como partes de um mesmo sistema não chega a ser original. Conhecido como Sistema Multiaeroportos (SMA), o modelo já funciona em Nova York, em Londres e em outros pontos do mundo. Um exemplo bem sucedido de SMA no Brasil pode ser encontrado na região metropolitana de Belo Horizonte.
Ali, a coordenação das atividades do aeroporto internacional Tancredo Neves, em Confins, com as do aeroporto da Pampulha, que explora voos regionais a partir de Belo Horizonte, foi um dos fatores que elevaram o tráfego aéreo na capital mineira. Em 2019, como mostra o estudo elaborado pela prefeitura, esse tráfego foi 275% ao de 2005. No Rio, onde não existe qualquer tipo de coordenação, o aumento foi de 198% e diz respeito, basicamente, ao movimento do Santos Dumont e à expansão da aviação comercial em todo o país nesse período.
Embora seja possível coordenar as atividades de aeroportos que estejam nas mãos de concessionários diferentes, o modelo se mostra mais eficiente quando os terminais envolvidos estão sob o mesmo comando. No caso da capital mineira, tanto o aeroporto de Confins quanto o da Pampulha são administrados por uma mesma concessionária — a CCR. Isso facilita o processo de tomada de decisões, reduz a burocracia e concentra as responsabilidades pela operação e pelo sucesso do modelo.
VOCAÇÃO NATURAL
É claro que a coordenação das atividades entre os dois aeroportos não é a única explicação para o fato de Belo Horizonte ter hoje números mais vistosos do que os do Rio em matéria de atividade aeroportuária. É preciso levar em conta que a expansão da oferta de voos a partir da capital mineira se deve em grande parte ao fato de a companha aérea Gol ter instalado seu centro de manutenção no aeroporto de Confins e feito daquele aeroporto em seu hub para as atividades do país.
A LATAM, por sua vez, tem suas operações concentradas em Guarulhos e em Brasília. A Azul, que em 2008 fez várias tentativas de instalar seu hub no Rio de Janeiro, não aceitou as exigências feitas pelo governo do estado e foi procurar abrigo na cidade paulista de Campinas.
A propósito, a decisão da Azul de trocar um Rio por um aeroporto que não oferecia os mesmos atrativos é uma lição a ser levada em conta. Por maiores que sejam as vantagens naturais e os atrativos históricos e culturais do Rio, eles não são suficientes para garantir a preferência numa disputa cada vez mais pesada pela atração de investimentos. Dentro, porém, de um modelo de turismo administrado de forma profissional, organizada e transparente, os atrativos naturais dão ao Rio vantagens superiores às de qualquer outro lugar. Esse é o ponto!
O secretário estadual de Turismo do Estado, Gustavo Tutuca, sabe disso. Ele tem claro que uma solução para os aeroportos é importante não só para a capital, mas para todo estado. Pelo menos metade dos 92 municípios fluminenses — estejam no litoral ou na belíssima região serrana — têm a ganhar com a modernização dos aeroportos do Rio. O aumento do número de visitantes, possibilitaria a implantação de uma rede logística eficaz e espalharia benefícios pelo estado inteiro. Para que isso aconteça, o Rio precisa se unir e mostrar ao governo o tratamento que gostaria que fosse dado a seus aeroportos.
294% DE ÁGIO
Como diz a letra do velho samba, recordar é viver. Portanto, é bom recordar as idas e vindas do tratamento dado aos aeroportos para mostrar que nada do que foi feito até agora levou em conta os interesses fluminenses. Vamos tomar como ponto de partida o leilão que transferiu o Galeão para a iniciativa privada, em 2013.
Concedido a tempo de receber uma guaribada que lhe desse condições mínimas de conforto aos passageiros que visitariam o Rio na Copa do Mundo de 2014, o aeroporto foi arrematado pela empreiteira Odebrecht — que ofereceu inacreditáveis R$ 19 bilhões pelo direito de explorar o terminal por 25 anos. Como o lance mínimo previsto no edital era de R$ 4,8 bilhões, o valor significou um ágio de quase 294%!
Mencionar os valores envolvidos na transação feita quase dez anos atrás só faz sentido para tentar explicar o estado em que o aeroporto de encontra hoje. Com a economia andando para trás a partir do final de 2014, era impossível para quem quer que fosse cumprir os termos de um contrato mal feito que, para dar certo, exigia que a economia do país andasse de vento em popa por um longo período. E, mais do que isso, precisava que o Rio crescesse mais do que os outros estados. Como nem uma coisa nem a outra aconteceu, o resultado não poderia ter sido pior.
Para encurtar a história, a Odebrecht, atingida pela antiga Operação Lava-Jato, saiu do negócio e, no final de 2017, transferiu o controle do Galeão para a chinesa Changi — operadora do movimentadíssimo aeroporto de Singapura. A situação do terminal começou a melhorar nas mãos do novo controlador, mas diante do impacto causado pela redução a quase zero da aviação comercial durante a pandemia da Covid-19, a Changi anunciou, em fevereiro de 2022, a intenção de desistir do negócio e devolver o Galeão à Infraero. Por essa razão, o Santos Dumont foi tirado da lista dos terminais leiloados na 7ª Rodada de Concessões Aeroportuárias, realizada em agosto do ano passado, justamente para que fosse transferido para a inciativa privada juntamente com o Galeão.
A ideia do governo anterior era reassumir o Galeão e leiloá-lo num bloco com o Santos Dumont ainda no primeiro semestre deste ano. A ideia fazia todo sentido. O problema é que, agora — e com apoio do novo governo — a Changi desistiu de desistir do Galeão. Diante de mais uma mudança, a solução parece ter ficado mais distante. Se a sociedade não se mobilizar, o Rio corre o risco de ficar ainda mais para trás nessa corrida.
Na semana passada, circulou a ideia de que o governo federal pretende, agora, leiloar o Galeão junto com o aeroporto de Resende, no Sul do estado e, o que é pior, manter o Santos Dumont em poder da Infraero. A ideia não é boa — não por razões de natureza ideológica, mas por um raciocínio pragmático. O governo federal, isso não é segredo, vive com o caixa apertado. Sob controle do poder público, o aeroporto carioca dificilmente disporia de recursos para modernizar seu terminal, conservar a pista, investir em equipamentos avançados de segurança e de controle do tráfego aéreo e para outros investimentos capazes de torná-lo mais atrativo.
Ou seja, ficaria para trás numa corrida em que seus concorrentes, por força dos contratos de concessão que assinaram, serão obrigados a investir e a se tornar mais modernos. Num cenário como esse, manter o Santos Dumont como único aeroporto estatal num ambiente em que todos os demais foram concedidos à inciativa privada não parece ser o melhor modelo para o Rio. Pelo menos, até prova em contrário.
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