Nuno18junARTE KIKO

Como acontece a cada quatro anos, o eleitor foi às urnas em 2022 com a esperança de que seu voto ajudaria a construir um país melhor. Um país em que o governo não apostasse na divisão entre esquerda e direita na hora de distribuir benefícios e se mostrasse capaz de promover mudanças econômicas e de estimular o desenvolvimento. Um país que evoluísse para uma nova era de crescimento do emprego e da renda e permitisse aos trabalhadores e aos empresários deixar para trás as aflições que os perseguem desde 2014. De todos os candidatos que participaram da disputa, Luiz Inácio Lula da Silva foi o que mais prometeu dias melhores à população.
A menos de duas semanas de completar os primeiros seis meses, no entanto, o governo que foi eleito para cumprir essa missão parece empacado, sem saber exatamente o rumo a seguir para cumprir os compromissos de campanha. Ainda que os economistas prevejam algum crescimento para este ano, ele será discreto a ponto de não fazer diferença na vida das pessoas — e estará longe de abrir as portas para a prosperidade imaginada. E se não houver uma mudança importante no ambiente institucional, que depende da aprovação do Congresso, a Economia continuará parada nos próximos anos. A pergunta é: será que Lula está mesmo perdido, a ponto de não saber em que direção avançar para entregar à população tudo o que prometeu?
Os mais apressados dirão que sim. Desde que tomou posse para o terceiro mandato na Presidência, Lula ainda não conseguiu implementar uma única medida que indicasse uma mudança significativa em relação ao caminho que o país vinha trilhando nas mãos de Bolsonaro. É claro que houve mudanças importantes no discurso e na postura. Mas, na prática nada de importante aconteceu e isso às vezes dá a impressão de que seu governo é refém nas mãos do Congresso.
A batalha pública em torno da pasta do Turismo, da qual falaremos mais adiante, que esteve próxima do desfecho na semana passada passou a impressão de que o presidente não manda no próprio ministério e que age ao sabor das pressões que recebe do parlamento. E que, para conseguir a fidelidade de um grupo de deputados, ele é capaz de esquecer os compromissos assumidos. Ou seja: o governo que chegou para mudar parece condenado a deixar tudo exatamente como estava! Será que é isso mesmo?
Calma! Embora a vontade de ver os problemas removidos o mais depressa possível justifique as cobranças por agilidade, há muita água para descer esse morro antes de alguém afirmar, como já tem gente fazendo, que o governo deu errado e que o presidente não entregará nada do que prometeu. E para o país obter sucesso daqui por diante, o melhor que as forças que não apoiaram Lula neste momento têm a fazer é não fazer o mesmo que o PT fazia quando era oposição.

OPOSIÇÃO SISTEMÁTICA — Em resumo, por mais que seja legítimo exigir resultados e cobrar pressa, é preciso dar a Lula o tempo que seus correligionários no Congresso sempre negaram aos presidentes que não se guiavam pela cartilha petista. Isso mesmo! Sempre que esteve na oposição, o PT fez tudo que estava a seu alcance para infernizar o ambiente e dificultar a vida do governo da ocasião. Pior: sempre esteve do lado oposto a tudo o que pudesse trazer qualquer evolução institucional ao país desde a redemocratização.
Nunca é demais lembrar que os parlamentares da legenda, inclusive o próprio Lula, se recusaram a assinar a Constituição de 1988. Depois, foram contrários ao Plano Real. O partido também se opôs à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) do governo Fernando Henrique Cardoso, à Reforma Trabalhista do governo Temer e à Reforma da Previdência do governo Bolsonaro. Todas essas e várias outras medidas importantes aprovadas no país sempre tiveram que enfrentar a oposição ferrenha do PT.
Um momento! Ninguém está dizendo que as mudanças introduzidas por essas reformas foram perfeitas nem que elas não continham pontos que precisavam ser aperfeiçoados. O problema não está em divergir do que está sendo proposto. Está, sim, em se recusar a discutir e a negar os benefícios que algumas delas podem trazer. Ao insistir em ver o mundo com um olhar preso no Século 19, como sempre fez no parlamento, a bancada do PT em nada contribuiu para tirar o país das crises que enfrentou. Este é o ponto.
O clima atual no Congresso, por mais acentuada que pareça a divisão entre a esquerda e a direita, é bem diferente do que era no tempo em que o PT estava na oposição. Por mais que os grupos contrários ao governo batam o pé em relação a determinadas ideias e até imponham algumas derrotas ao governo nas votações de matérias rumorosas, é inegável que o país conta neste momento com uma oposição mais flexível e aberta ao diálogo do que aquela que havia, por exemplo, no tempo do governo Bolsonaro.
Ainda que muitos políticos ponham um preço elevado em sua disposição para dialogar com o governo, é inegável que a intenção de debater pode gerar resultados mais adiante. Ela pode, por exemplo, favorecer à aprovação de medidas importantes que finalmente apontem para as mudanças de que o país necessita.
Será que essa afirmação não é otimista ou ingênua demais? Mais uma vez, é preciso pedir calma e não confundir o que foi dito acima com um elogio à política do toma-lá-dá-cá — que tem dominado o cenário político brasileiro nas últimas décadas sem que nenhum presidente consiga resistir a ela. O parlamento brasileiro sabe o poder que tem nas mãos e, por ter mais instrumentos de pressão do que o Executivo, sempre joga pesado para obter vantagens nesse jogo. O presidente que não souber lidar com isso e pensar em agir com intransigência diante de um parlamento sedento por vantagens com certeza estará abreviando seus dias no Palácio do Planalto.

DESENVOLTURA DE QUEM FAZ O “L” — Quanto mais vantagens os políticos conseguem nesse jogo, mais eles se sentem à vontade para continuar pressionando pela ampliação de seu espaço. A exposição mais recente dessa prática vem se dando com a guerra pública que políticos do partido União Brasil travam por um cargo que, à primeira vista, não dá ao ocupante visibilidade suficiente para justificar tamanha agitação em torno dele. Trata-se do Ministério do Turismo, que está longe de figurar no primeiro time entre as 37 pastas que compõem o governo Lula.
Formado por políticos egressos de dois partidos que, no passado recente, eram inimigos declarados do PT — o DEM e o PSL — o partido passou a integrar a base de apoio do governo Lula com a desenvoltura de quem faz o “L” desde as eleições de 1989. Com uma bancada de 59 deputados, ganhou três cadeiras na Esplanada.
A primeira foi destinada ao problemático Juscelino Filho, como ministro das Comunicações. A outra, da Integração e Desenvolvimento Regional, foi para o ex-governador do Amapá, Waldez Góes, que mesmo não sendo filiado à legenda dança conforme a música tocada pelo senador David Alcolumbre, um dos principais mandachuvas da legenda. A terceira coube a Daniela Carneiro, casada com Waguinho Carneiro, prefeito do município de Belfort Roxo, na Baixada Fluminense.
Por menos importante que tenha no organograma do governo, o Ministério do Turismo é importante para Rio de Janeiro. Com belezas naturais evidentes e uma variedade de opções que atrai visitantes de todos os gostos e de todas as partes do mundo, o turismo poderia gerar muito mais empregos e renda do que gera para os fluminenses. Para que isso acontecesse, seria necessário que se implantassem políticas públicas voltadas para o estímulo da atividade — como, a melhoria dos aeroportos e de toda a infraestrutura nos pontos mais visitados e algumas medidas capazes de assegurar a segurança para os turistas e para os trabalhadores do sistema.
O impacto positivo gerado por uma indústria do turismo administrada da forma correta, no entanto, parece ter importância secundária neste momento. O que está em discussão é a quantidade de votos que o ocupante do cargo é capaz de garantir ao governo nas sessões do Congresso.

VÍNCULO DIRETO — Como ficou claro desde que seu nome foi confirmado para o posto, em dezembro do ano passado, a ministra Daniela Carneiro não chegou ao Ministério do Turismo por ter afinidade ou experiência na área. Sua credencial foi o apoio que ela e seu marido conquistaram depois do apoio que deram a Lula na corrida presidencial do ano passado. O trabalho do casal foi importante para reduzir a forte rejeição a Lula no principal estado da base Bolsonarista — e os votos conquistados ali foram fundamentais para assegurar a vitória do petista no segundo turno das eleições.
A questão é que a presença de alguém com um vínculo tão direto ao presidente nunca foi bem digerida pelo União Brasil — que nunca viu em Daniela uma representante do partido no governo. Acontece, porém, que a proximidade do casal com Lula desaconselhava qualquer ato de hostilidade à ministra. Isso durou até que a transferência de Waguinho para o Republicanos servisse de senha para que a bancada do partido se alvoroçasse e passasse a exigir o cargo para o deputado paraense Celso Sabino.
A substituição não foi consumada na semana passada. Mas parece não haver segredo de que Daniela não ficará no posto e que ela e Waguinho devem receber alguma compensação que justifique a saída do ministério. Na terça-feira, o casal se reuniu com Lula e a permanência no cargo foi dada como certa. Dois dias depois, na quinta-feira, ela compareceu à reunião do ministério no Palácio do Planalto. Se ela sairá agora ou daqui a pouco são outros quinhentos. O certo é que o turismo brasileiro nada ganhará com a substituição da ministra por Sabino.
Assim como a ministra era criticada pela falta de conhecimento específico na área do turismo, Sabino não traz no currículo qualquer especialização que o credencie para o posto. Entre os cerca de 60 projetos que apresentou desde que assumiu o primeiro mandato como deputado federal, em 2019, apenas três tangenciam o tema. Um deles concede o título de Capital do Dendê ao município do Moju, no Pará. Outro, o de Capital do Açaí para Igarapé-Mirim, também em seu estado natal. O terceiro cria uma rota turística entre a capital Belém e o município histórico de Bragança.
Sem qualquer intenção de menosprezar nem de fazer qualquer juízo de valor sobre a relevância dessas matérias, elas lançam dúvidas sobre a capacidade de Sabino ter uma visão nacional e o mais abrangente possível sobre uma pasta de interesse vital para uma série de estados. Entre esses, sempre é bom insistir, o Rio é um dos que mais têm a ganhar ou a perder com a linha política que for imprimida à pasta. Mas, dentro da lógica que orienta o preenchimento dos cargos na máquina pública brasileira, isso parece ter uma importância secundária.

AMBIENTE INSTITUCIONAL — O Brasil tem problemas importantes demais e seria muito bom se os temas de interesse nacional não precisassem ser resolvidos com base na política do toma-lá-dá-cá que tem marcado a relação do parlamento com o Executivo nas últimas décadas. Mas esta é a realidade. É com ela que o país precisa lidar caso queira superar seus problemas mais graves e ganhar fôlego para, daqui a pouco, investir na construção de um ambiente institucional mais moderno e eficaz.
Isso mesmo. Não foi Lula quem inventou o toma-lá-dá-cá que garante a base de apoio ao governo no Congresso — mas sabe jogar esse jogo melhor do que qualquer outro. Caso consiga, neste momento, dançar conforme a música, fazer uma concessão aqui e outra ali para, em seguida, assegurar os 59 votos do União Brasil e outros tantos de outras legendas e, no final das contas, para aprovar as pautas essenciais e garantir o crescimento da Economia, talvez consiga tirar o país do atoleiro em que se encontra.
O que dá estabilidade permanente a um governo não é troca de ministros — é a geração de empregos, a ativação dos negócios e as políticas públicas bem sucedidas. Se as condições para que isso aconteça forem dadas agora, como aconteceu nos primeiros mandatos de Lula, logo o presidente não mais precisará se preocupar em ter que negociar algum cargo na Esplanada a cada pauta importante que estiver para ser votada pelo Congresso.
O governo tem batalhas importantes pela frente — e quanto mais adiá-las, menos tempo terá para entregar à população aquilo que prometeu na campanha. Lula sabe que as batalhas decisivas, que lhe darão fôlego para chegar a 2026 com as velas enfunadas, estão para ser lutadas nos próximos meses. O governo precisa concluir a tramitação do arcabouço fiscal. Precisa eliminar as resistências setoriais e regionais que surgem em relação à Reforma Tributária e votar as emendas constitucionais que reordenarão os impostos sobre consumo. E conseguir, num ambiente de responsabilidade fiscal, recursos para investir nos projetos essenciais para destravar a Economia.
Se o preço a ser pago por isso for uma vaga no mistério ou a nomeação de aliados dos políticos para postos no governo, é do jogo. Uma administração guiada pelas boas práticas da gestão pública é imprescindível. Se ela for capaz de assegurar eficiência e, ao mesmo tempo, dar tranquilidade ao governo, ótimo. Se não for, que se troque novamente. O que não pode mais é adiar a aprovação das matérias que darão ao governo as condições para cumprir as promessas pelas quais a sociedade tanto espera.
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