Nuno10setARTE O DIA
Na terça-feira passada, por pressão do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, cinco dos mais importantes ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniram no Palácio do Planalto, em Brasília, para tratar do assunto. A pauta do encontro girou em torno das providências imediatas que podem ser tomadas para conter a voracidade de uma máquina estatal que parece perder eficiência na medida em que se torna mais onerosa e pesadona.
É bom deixar claro que essa questão nunca fez parte das preocupações de Lira. Pelo que já se viu ao longo de sua trajetória política, o deputado nunca mostrou muito interesse pelos fundamentos da boa gestão pública. Acontece, porém, que ele não chegaria aonde chegou nem seria capaz de consolidar a liderança sólida que consolidou se não tivesse sensibilidade para captar os humores da Casa que preside. E, mais do que isso, de reagir a esses humores com atitudes que ampliam sua autoridade sobre seus pares. Goste-se ou não de seu estilo, Lira é um articulador habilidoso e seus movimentos são determinantes na formulação da pauta política do país.
É muito mais do que uma simples coincidência, portanto, que Lira tenha feito pressão para o primeiríssimo escalão do Poder Executivo federal se reunir em torno da discussão da Reforma Administrativa menos de uma semana depois de receber um manifesto assinado por nada menos do que 15 frentes parlamentares propondo que o tema seja incluído imediatamente entre as prioridades do governo. O manifesto, como foi mostrado aqui no domingo passado, foi liderado pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo, em sintonia com o Instituto Unidos Brasil — IUB —, entidade com mais de 400 apoiadores na Sociedade Civil. Há alguns anos, o IUB vem se empenhando na luta pela redução da máquina pública e da burocracia federal — que dificultam a vida do empreendedor brasileiro ao mantê-lo sempre refém do Estado voraz e gastador.
Ao final, esse grupo de pesos-pesados entendeu que é melhor não mexer no vespeiro neste momento. Em primeiro lugar, porque sequer existe entre eles um consenso em relação à melhor maneira de tratar um assunto que, a bem da verdade, nunca esteve entre as preocupações das administrações petistas. Elas sempre acharam melhor inchar e engordar a máquina pública ao invés de enxugá-la. Além disso, 2024 será ano de eleição e qualquer movimento nessa direção agora pode gerar uma repercussão negativa para os candidatos apoiados pelo governo.
Mas, para dar uma satisfação a Lira e para que ninguém dissesse que eles saíram da reunião sem tomar qualquer atitude em relação ao gigantismo do Estado brasileiro — problema que se tornou grande demais para continuar sendo tratado com desdém pelo governo —, os ministros declararam apoio a algumas medidas voltadas para esse objetivo que já tramitam no Congresso. Se elas serão aprovadas ou não, são outros quinhentos. Ou seja, devolveram a bola para Lira.
O inciso XI do artigo 37 da Carta Magna é claro ao estabelecer o limite máximo para o salário dos funcionários públicos. Ele diz que "a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (...)".
Mais claro do que isso impossível. Nenhum funcionário de nenhum dos três poderes poderia, por determinação constitucional, receber um centavo a mais do que um ministro do STF. Para que não restassem dúvidas a esse respeito, o inciso XII do mesmo artigo esclarece que "os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo". Ninguém pode alegar ignorância diante de tanta clareza.
Só que, no Brasil, quando se trata de aumentar os privilégios das corporações mais poderosas, que tratam o Estado como se ele existisse apenas para servi-las, a lei é apenas um detalhe a ser contornado. E não demorou muito para que as instâncias administrativas das corporações poderosas presentes no Executivo, no Legislativo e no Judiciário se achassem no direito de passar por cima do que diz a Constituição.
Elas, então, se puseram a conceder a seus integrantes uma série de auxílios, benefícios, gratificações e "verbas indenizatórias" que rechearam os contracheques dessa turma com valores que fazem os salários dos ministros do STF parecerem um troco diante do que a turma recebe. Isso mesmo: no Brasil dominado pelas corporações mais poderosas do funcionalismo, as portarias que concedem benefícios generosos aos servidores têm mais força do que a Carta Magna...
Pois é justamente esse pessoal que tem poder suficiente para interpretar a Constituição em benefício próprio que, caso o projeto de lei que regulamenta essa questão seja aprovado, verá — teórica, hipotética e supostamente — seus vencimentos retroagirem ao limite fixado pela Constituição. Alguém acredita que, por mais que os ministros de Lula tenham manifestado apoio a um projeto que existe com essa intenção, alguém no Congresso moverá uma palha para reduzir os salários estratosféricos recebidos pela elite do funcionalismo público?
Pelo que se vê, embora as considere necessárias, Haddad tem tido dificuldades para colocar em prática ideias capazes de imprimir um pouco mais de racionalidade aos gastos públicos — e o mais curioso (mas, de forma alguma, surpreendente) é que a principal fonte dessas dificuldades está justamente naqueles que mais deveriam se empenhar pelo sucesso das medidas do governo. Isso mesmo. Na medida em que o tempo vai passando, fica cada vez mais claro que as forças do PT no Congresso são as principais inimigas da ideia de imprimir um mínimo de racionalidade e de controle da máquina pública.
Isso mesmo! Quem acompanha os trabalhos no Congresso Nacional já se deu conta de que os parlamentares do PT (e até mesmo a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann) têm sido os primeiros a torcer o nariz para qualquer medida de reorganização do Estado apresentada pelo governo que ajudaram a eleger. Isso aconteceu, por exemplo, com a meta de déficit fiscal zero embutida na proposta de orçamento que Haddad entregou ao Parlamento na semana retrasada — que certamente será desfigurada com o apoio dos deputados que deveriam defender sua integridade.
Diante do boicote de seus próprios companheiros ao esforço que vem fazendo para fechar no azul a conta de 2024, o governo acabou obrigado a buscar o apoio do Centrão. E o Centrão, como se sabe desde os tempos em que o ex-deputado Roberto Cardoso Alves citava a oração de São Francisco de Assis no plenário da Câmara, age na base do "é dando que se recebe". E, como é do seu feitio, e na medida em que as dificuldades criadas pelo PT dificultaram a vida do governo, o Centrão elevou o preço de seu apoio ao governo.
Na semana passada, para tornar sua vida mais fácil num Congresso em que seu próprio partido cria mais dificuldades do que a oposição, Lula pôs a ex-jogadora Ana Moser para fora da Esplanada sem sequer agradecê-la e entregou o Ministério dos Esportes ao adesista André Fufuca (PP-MA).
Fufuca, que em 2016 votou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (algo que os petistas sempre consideraram um "golpe" impedoável), apoiou Jair Bolsonaro nas eleições passadas. Se o deputado, ao longo de sua carreira, já teve alguma aptidão ou interesse especial para as políticas públicas relacionadas ao esporte, guardou para ele. Mas isso não importa. O que importa é que, agora, ele terá um ministério. Ponto final.
Sem querer, neste momento, descer a detalhes sobre a falta de compromisso de Fufuca e Costa Filho com os cidadãos que os elegeram para que fizessem oposição ao governo que a partir de agora servirão, é obrigatório reconhecer que Lula tinha um problema. E lidou com ele da forma mais pragmática e cirúrgica possível. Se a dupla estava à venda ao preço de um ministério para cada um, o negócio foi fechado e o problema, resolvido. O prazo de validade de seus cargos é o mesmo da fidelidade de suas legendas ao governo. No momento em que as bancadas do PP e do Republicanos falharem no apoio prometido a Lula, os dois serão defenestrados ainda que façam o L de joelhos em frente ao Palácio do Planalto.
Além da oposição dos parlamentares de seu partido no Congresso, o ministro Fernando Haddad teve que vencer resistências poderosas dentro do próprio grupo palaciano para conseguir emplacar o conceito de déficit zero no orçamento de 2024. O chefe da Casa Civil, Rui Costa, foi um dos que se empenharam para impedir que Haddad fosse em frente com essa ideia. Para ele, melhor seria uma previsão de déficit de 0,5% a 0,75%.
Na visão de Costa, será praticamente impossível zerar o déficit público num ano eleitoral — como será 2024, quando acontecerão eleições para prefeitos e vereadores em todo país. Lula e Haddad, por sua vez, têm os olhos postos em 2026 e seus movimentos indicam que, para eles, as dificuldades que o PT terá nas disputas municipais do ano que vem talvez sejam o preço a se pagar para que ele chegue às próximas eleições presidenciais com mais chances de vitória. Aliás, e no que diz respeito ao ambiente de hostilidade que vem se percebendo no governo, a disputa entre Haddad e Costa é apenas uma entre as várias que se vê na equipe do presidente Lula.
Marina Silva, do Meio Ambiente, e Alexandre Silveira, das Minas e Energia, se digladiam em público em torno da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas. Silveira quer autorizar os trabalhos de prospecção e exploração do óleo, enquanto Marina não quer nem ouvir falar nesse assunto. E como não se acanham em lavar a roupa suja em público, criam incômodos para o governo a cada vez que expõem suas divergências.
Flávio Dino, da Justiça, e José Múcio, da Defesa, também não se entendem em torno do tratamento a ser dado aos arruaceiros que promoveram as badernas do dia 8 de janeiro, em Brasília. Dino construiu sua carreira política no PCdoB, sob inspiração de Josef Stalin, o mais sanguinário dos ditadores soviéticos, e do albanês Enver Hoxha — chefe de uma ditadura tão fechada e tirânica que, comparada a ela, a Venezuela, sob o regime despótico de Nicolas Maduro, chega a lembrar uma colônia de férias.
Pelo que dá a entender sempre que abre a boca para falar do assunto, Dino gostaria que todos os prisioneiros do 8 de janeiro recebessem o mesmo tratamento que a Sigurini, a truculenta polícia política de Hoxha, dava ao povo da Albânia durante o regime comunista, que durou de 1946 a 1991. Já Múcio, que tem fama de conciliador, entende que é necessário aliviar a pressão sobre as Forças Armadas e que é preciso separar as pessoas que estavam ali só para expressar sua opinião daqueles que se mostraram dispostos a quebrar tudo.
Como se vê, a efervescência do ambiente político promete fortes emoções para as próximas rodadas — ainda mais quando se percebe que Lula, como se já não bastassem as dificuldades que precisa remover, às vezes abusa do direito de criar problemas para seu próprio governo. Na semana passada, e sem que ninguém o perguntasse sobre isso, o presidente declarou na live semanal que vem distribuindo na internet que as sentenças do STF deveriam ser secretas.
Não importa se o presidente fez isso para defender seu amigo e ex-advogado Cristiano Zanin — que vem recebendo críticas do próprio PT pelos votos que tem proferido depois que assumiu sua cadeira no STF. Não importa se o presidente agiu para agradar o Judiciário. O que interessa é que o presidente já tem problemas demais para resolver e tudo o que ele não precisa fazer agora é dar palpite em área que não é da sua competência.
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