Arte coluna Nuno 04 fevereiro 2024Arte Paulo Márcio

O Carnaval está aí! Sendo assim, é hora de fazer projeções e pensar no que desejamos para o futuro! Como diz a lenda, o ano no Brasil só começa depois da Quarta-Feira de Cinzas e precisamos trabalhar para tirar o país da marcha lenta em que se encontra — e que tem permitido, no máximo, taxas de crescimento acanhadas demais para as nossas necessidades. E quando acontecem, por mais acanhadas que sejam, elas mais parecem obras do acaso ou de circunstâncias internacionais favoráveis do que resultados de uma política econômica bem articulada e capaz de estimular o desenvolvimento.
Será que tudo permanecerá igual ao que tem sido nos últimos anos? Ou será que, desta vez, o Brasil finalmente conseguirá romper com o marasmo e ingressar no período de crescimento sustentável que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem prometendo desde a campanha? O governo acredita numa mudança e, para promovê-la, tem anunciado medidas que prometem fazer o país andar para a frente. O Novo Programa de Aceleração do Crescimento, lançado no ano passado, e o Nova Indústria Brasil são os mais badalados. Mas será que tudo isso não passa de um filme já visto e de enredo previsível?
No papel, os programas são bons. Juntos, eles prometem para a economia, nos próximos três anos, investimentos da ordem de R$ 2 trilhões. A ideia, como se sabe, é retomar obras que foram paralisadas no passado e lançar novos empreendimentos que, dentro de uma nova estrutura de financiamento e contando com garantias que não foram dadas no passado, façam o Brasil voltar a andar. E, mais do que isso, abram uma nova era de crescimento sustentável com base numa economia verde e descarbonizada. A pergunta óbvia diante desses programas que, de certa forma, repetem as promessas não cumpridas no passado, é: será que desta vez vai dar certo?
ESFORÇO COMOVENTE — Para que a resposta a essa pergunta seja positiva, o Brasil precisa olhar para a frente, mas, também, olhar para trás e aprender com os próprios erros. Resultados de programas como esses, claro, não dependem apenas da intenção de quem os anuncia. O crescimento é essencial, mas não pode ser buscado às custas de decisões irresponsáveis e de impacto fiscal devastador como se tentou, por exemplo, no governo da presidente Dilma Rousseff. Os resultados das lambanças daquele momento foram inversos ao que se esperava.
Chegam a ser comoventes os esforços que os petistas têm feito na tentativa de salvar a reputação daquele governo desastroso. E, mais do que isso, de transformar Dilma em uma mártir, em uma vítima de um golpe da direita. Nada do que digam apagará o fato de que as trapalhadas daquele governo — que incluíram a omissão diante de cenas de corrupção explícita — empurraram o país para a recessão mais prolongada da história. Tudo o que o Brasil não precisa agora é permitir que a irresponsabilidade fiscal acabe com a euforia prometida no calor da folia e se transformar na ressaca da Quarta-Feira de Cinzas.
O que fazer, então, para que dê certo desta vez? Essa é a resposta que vale bilhões e bilhões de reais. Sem a pretensão de ensinar o governo a governar, convém lembrar uma frase sempre citada nos manuais de autoajuda: “quem faz as coisas do jeito que sempre fez chegará sempre aos mesmos resultados”. Em outras palavras, o Brasil só alcançará o crescimento se o governo puser a mão na consciência e se der conta de que a conduta do primeiro ano não o levará a lugar algum. O primeiro passo nesse sentido é reconhecer o equívoco de permitir que a ideologia retrógrada de muitos de seus integrantes contamine decisões que, a rigor, deveriam ser essencialmente técnicas.
Ainda que isso pareça impossível para um governo que fala em democracia, mas não demonstra o menor respeito pelos que pensam diferente, a mudança desse hábito é fundamental. Outra atitude aconselhável seria se inspirar no tratamento que outros países dão a setores importantes de sua economia e, ao invés de maltratá-los como o governo brasileiro costuma fazer, explorar todas as suas potencialidades.
“OGRONEGÓCIO” — Quem acompanha o noticiário com atenção com certeza reparou a reação cortês do governo da França diante das manifestações dos produtores rurais do país na semana passada. Na segunda-feira, os produtores utilizaram seus tratores e máquinas para bloquear as rodovias de acesso a Paris, em protesto contra os efeitos da inflação sobre sua renda. Ao invés de críticas, receberam afagos das autoridades. A começar pelo presidente, o arquiprotecionista Emmanuel Macron, o governo francês prometeu celeridade para resolver o problema de seus agricultores.
A promessa de Macron somou-se às declarações do primeiro-ministro Gabriel Attal. Segundo ele, Paris se recusa a assinar o tratado entre a União Europeia e o Mercosul que, em última instância, facilitaria a entrada de alimentos produzidos no Brasil e na Argentina ao trilionário mercado do Velho Continente. Com o acordo, os preços dos alimentos cairiam na Europa, o que beneficiaria a população de toda a Europa.
O que está em discussão, aqui, não são os efeitos do cancelamento do acordo sobre os preços dos alimentos na Europa, mas a atitude do governo francês em defesa de sua economia. Seja como for, e ignorando as atitudes protecionistas de Macron e sua trupe, o que interessa é comparar o tratamento dado aos agricultores franceses com aquele que os produtores rurais brasileiros recebem do governo a cada vez que abrem a boca para reclamar de alguma coisa.
A despeito da falta de apoio, o agronegócio é o setor mais eficiente da economia. Ele continua batendo recordes atrás de recordes e respondendo praticamente sozinho pelo pouco que a economia tem crescido. Puxadas pelas cadeias da soja e da proteína animal, as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 166,5 bilhões em 2023 — número 4,8% maior do que os US$ 158,9 bilhões de 2022. O índice é altamente expressivo, sobretudo quando se sabe que as importações de alimentos têm oscilado entre US$ 13 bilhões e US$ 17 bilhões e se limitam, basicamente, ao trigo. A despeito desses resultados, Lula não perde uma oportunidade de criticar o setor.
Na campanha de 2022, Lula se referiu aos agricultores brasileiros como “fascistas” e como “capiaus”. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva que, a despeito de sua visão retrógrada continua sendo uma voz respeitada no exterior, não perde uma oportunidade de falar mal da agricultura. Numa reunião no Congresso no ano passado, só para recordar, se referiu ao agronegócio como “ogronegócio”. Num ambiente em que os que deveriam apoiar jogam contra os interesses do setor, os franceses sentem-se à vontade para tomar medidas prejudiciais às exportações de produtos agrícolas brasileiros.
MOVIMENTO DE AFASTAMENTO — A opção do governo por ideologizar suas decisões e conduzir suas alianças econômicas com base em suas simpatias políticas, não nos interesses do país, tem causado prejuízos que, no futuro, poderão gerar danos irreversíveis para o país. De acordo com fontes diplomáticas europeias, as pressões francesas contra o acordo acabaram proporcionando à União Europeia uma oportunidade de ouro para desistir do tratado sem causar embaraços para todo o bloco.
Segundo tais fontes, dificilmente, os países que, no princípio, eram favoráveis ao acordo, como é o caso da Alemanha, moverão uma palha para fazer Paris voltar atrás em sua decisão. Isso porque os líderes continentais não desejam levar adiante um acordo que, no final das contas, beneficiaria um país que tem se posicionado de forma ostensiva contra os interesses do bloco.
Em outras palavras, a postura que o Brasil vem assumindo diante de conflitos internacionais que envolvem inimigos da OTAN tende cada vez mais a dificultar o relacionamento comercial com os antigos aliados ocidentais. Conforme essas fontes, cada declaração de Lula contra as grandes democracias e cada manifestação que ele faz, por exemplo, em defesa de ditaduras como a do Irã ou a da Rússia, se transforma em um obstáculo a mais em seu relacionamento comercial com as democracias europeias. Isso vale, também, para o mercado dos Estados Unidos.
O preço dessas posições pode não ser cobrado agora — mas certamente dificultará o processo de retomada do desenvolvimento do Brasil. Nos últimos anos, na medida em que o contencioso comercial com a China se expandiu, empresas americanas têm transferido para o México algumas unidades industriais que mantinham no país asiático. Algumas dessas fábricas, capazes de gerar milhares e milhares de empregos, poderiam muito bem se instalar no Brasil. Infelizmente, porém, os movimentos das empresas americanas em relação ao país têm sido de afastamento, não de aproximação.
Empresas que se instalaram no Brasil décadas atrás já foram ou estão indo embora. É o caso da Ford, que encerrou suas operações no país em 2021, depois de mais de 100 anos de operação no país. Ou, ainda, o caso da GE que, mesmo sem um anúncio formal, vem encolhendo cada vez mais sua presença industrial no país.
Em tempo: ninguém está dizendo que a decisão dessas e de outras empresas de se afastar do país esteja diretamente relacionada com as posições e as alianças celebradas pelo atual governo petista. Tanto a Ford quanto a GE já tinham decidido colocar o pé no freio em relação ao Brasil muito antes de Lula ser eleito para mais quatro anos na presidência e de o chefe de fato da diplomacia brasileira, Celso Amorim, hostilizar os velhos aliados e abrir os braços para as ditaduras mais abjetas do mundo. Se não foi esse tipo de postura que fez com que empresas desse porte fossem embora, o certo é que a política de alianças internacionais do país em nada contribui para trazê-las de volta.
EFEITO ESTUFA — O Brasil vive um momento em que o governo reconhece a necessidade e discute a retomada do processo de industrialização. Uma das bases desse processo, se tudo sair como está no papel, será a inclusão do país entre os líderes globais da transição energética. Para que isso aconteça, uma dúvida a ser esclarecida.
A dúvida é a seguinte: por seu potencial energético, o Brasil é apontado como um dos que reúnem as condições mais favoráveis do mundo para o crescimento. Nesse caso, o certo seria ter empresas multinacionais interessadas em se instalar no país com novas fábricas. Ao invés disso, o que se vê são companhias que estiveram por aqui ao longo de anos fazer as malas e se mandar. Por quê?
Ao invés de alardear, como sempre fez, as vantagens que o país tem a oferecer a quem quiser vir para cá, o governo deveria identificar os problemas que levam as grandes corporações a procurar outros mercados. Uma crítica cada vez mais frequente ao mercado brasileiro atual, por exemplo, diz respeito à qualidade da mão de obra. Com um sistema educacional ideologizado e relapso em relação ao ensino profissionalizante (ao contrário do que acontece, por exemplo, nos países mais industrializados da Europa e da Ásia), o Brasil não capacita seus jovens a disputar postos de trabalho em indústrias modernas — e isso, com certeza, desestimula a chegada de novas fábricas ao país.
Outro fator de desestímulo é a taxa de juros exorbitante que se cobra num mercado que se entrega como poucos à especulação financeira. Nenhuma indústria que precisa comprar matéria prima, pagar salários, cobrir suas despesas com água, eletricidade e manutenção das instalações, além de se manter em dia com uma carga fiscal pesada e irracional como é a brasileira, consegue sobreviver com as taxas de juros cobradas no Brasil. Nos países desenvolvidos, as empresas normalmente recorrem aos bancos para financiar suas operações do dia a dia. Já no Brasil, quem depender dos bancos para financiar seu capital de giro está condenado à falência.
Na semana passada, o Comitê de Política Monetária do Banco Central decidiu cortar 0,5 ponto percentual nos juros básicos do país e reduziu a Taxa Selic para 11,25%. Trata-se de uma ótima notícia, sem dúvida — mas não é suficiente para produzir uma mudança substancial na vida das empresas. Em primeiro lugar porque raríssimas empresas do país conseguem se financiar com a Taxa Básica. Levantamentos feitos pela Confederação Nacional da Indústria — CNI — nos últimos anos mostra que o spread praticado pelos bancos brasileiros é o terceiro maior do mundo.
TAXAS INDECENTES — O spread é a diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar dinheiro no mercado e a que eles cobram pelos recursos que emprestam às empresas. De acordo com a CNI, o spread médio praticado pelos bancos do país em 2022 foi de 27,4%%, atrás apenas de Madagascar e Zimbabwe. Enquanto isso, nos Estados Unidos, ele fica entre 1,5% e 2% e na Coreia, pouco acima de 1%.
Ou seja, num mercado global cada vez mais competitivo, em que as empresas lutam palmo a palmo por seu espaço, as empresas brasileiras, com ou sem os incentivos que o governo vem prometendo no bojo do programa Nova Indústria Brasil, dificilmente terão condições de competir no mercado global.
As taxas de juros indecentes cobradas pelos bancos brasileiros estão, sem dúvida, entre os obstáculos que impedem o crescimento da economia e a construção de uma sociedade mais justa. Elas são fruto, é evidente, da gastança desenfreada de dinheiro público, que tornou o Estado uma espécie de dependente químico dos recursos que o mercado financeiro empresta ao Erário em quantidades cada vez maiores em troca de juros que, mesmo em queda, continuam entre os mais altos do mundo.
Ter um sistema financeiro menos predatório e mais parceiro do desenvolvimento do país seria importante para que o Brasil voltasse a ser atraente para os investidores. Outra providência importante, sem dúvida, seria repensar a política de alianças e procurar se cercar de aliados menos problemáticos do que Rússia, Irã, Venezuela, Cuba e Nicarágua. Por mais difícil que seja mostrar ao politiburo petista que esse tipo de companhia pode acabar deixando o Brasil de frente para os problemas e de costas para o desenvolvimento, é sempre necessário insistir nessa tecla. Quem sabe as críticas frequentes não convençam o governo a se cercar de novos aliados?
Outra providência urgente é conter as manobras da anacrônica ala sindical do governo —outra tarefa que, por mais difícil que pareça, é imprescindível. Alguém precisa, por exemplo, avisar ao equivocado ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que o passivo trabalhista que cresce às custas dos conceitos anacrônicos que ele defende foi a principal causa da saída da Ford do Brasil.
É difícil que um ministro que se mostra obcecado pela ideia de abastecer os cofres da companheirada com o dinheiro extorquido do trabalhador na forma do tal imposto sindical, como é o caso de Marinho, seja capaz de enxergar essa obviedade. Para ele, o mercado de trabalho brasileiro ainda é aquele em que o candidato a uma vaga de emprego em um escritório tinha que fazer prova de datilografia ou que um operário não precisava ir além do ensino fundamental para ser admitido numa linha de montagem.
Num mundo que se moderniza a passos acelerados, onde a automação e a tecnologia avançada eliminaram funções que, até outro dia, dependiam da mão humana, manter uma agenda que enxerga o trabalhador como a eterna vítima de empresários desalmados é, sem dúvida, uma boa maneira de manter as empresas afastadas do Brasil. Se o governo não se convencer disso, PAC nenhum será capaz de promover o crescimento.