Arte para a coluna 'Um olhar sobre o Rio'Paulo Márcio

As eleições municipais estão chegando e, ainda que a disputa eleitoral não tenha sido trazida para o centro do debate, já é possível antecipar o tema que mobilizará as atenções e gerará as discussões mais acaloradas não apenas no Rio de Janeiro, mas em todas as grandes cidades do país. Trata-se, claro, da Segurança Pública. O candidato que se apresentar sem uma proposta clara sobre a melhor forma de lidar com a criminalidade pode, desde já, desistir da disputa. O eleitor brasileiro começa a dar sinais cada vez mais claros de que já está cansado de sair de casa com medo de ser assaltado, agredido ou acabar atingido por um tiro disparado sabe-se lá por quem. Ele quer mudanças.
Não é raro que um tema se imponha ao debate e tenha muito mais importância do que outros assuntos importantes. Em pleitos anteriores, os preços dos alimentos, a saúde, a educação, a limpeza urbana ou a falta de conservação das vias e espaços públicos mobilizavam a atenção do eleitor e eram o principal critério de definição de voto. Neste ano, a discussão deve se concentrar em torno do tema da segurança e da forma de lidar com a criminalidade. Isso vale para as eleições que acontecerão daqui a cinco meses e, diante da situação que a população está vivendo, também valerá para as escolhas de governador e deputado que acontecerão apenas em 2026.
Ninguém pode mais evitar esse assunto e nenhum candidato será eleito se não tiver o que dizer a respeito. Depois de passarem os últimos anos empurrando o problema com a barriga e muitas vezes até defendendo que a questão da criminalidade nas grandes cidades brasileiras deve ser enfrentada com conversinhas carinhosas e dinâmicas de grupo nas prisões, os políticos finalmente se darão conta de que a paciência da população se esgotou. E que seus próximos mandatos dependem, acima de qualquer outro fator, da defesa de medidas mais enérgicas para lidar com essa questão.
Pelo menos é o que indicam as pesquisas de opinião encomendadas pelos principais partidos políticos e que começam a ser apresentadas aos marqueteiros já contratados para criar as campanhas que buscarão o voto do eleitor. Embora ainda sejam tratadas com reserva — mesmo porque a legislação eleitoral estabelece prazos que, se forem descumpridos, podem causar dissabores ao candidato — elas são claríssimas nesse sentido. Assim como nos anos 1990 ninguém era eleito para qualquer cargo importante caso não tivesse nenhuma proposta a fazer para acabar com a inflação ou pelo menos reduzir seus impactos sobre a vida dos brasileiros, ninguém será eleito agora se não tiver uma proposta clara a respeito da segurança.
VIDAS DE VOLTA — Antes de prosseguir, convém fazer um alerta! É bom ter cuidado diante das propostas que forem feitas. Logo começarão a surgir planos mirabolantes, com nomes impactantes, que prometerão mundos e fundos ao cidadão acuado. É justamente aí que está o problema: não existem propostas mágicas para o enfrentamento dessa questão. Para começo de conversa, segurança pública não está sob a responsabilidade dos prefeitos. Conforme a distribuição de responsabilidades estabelecida pela Constituição de 1988, a Segurança Pública é uma política pública sob responsabilidade dos governos estaduais.
Portanto, nada do que for prometido por qualquer postulante a qualquer prefeitura, por mais sincera que seja a sensibilidade do candidato diante da gravidade do problema, terá o poder de livrar a população da ameaça constante, que a mantém refém da criminalidade. Este é um dos lados da questão. O outro, mais importante, é que ninguém pode se omitir diante da magnitude que esse problema tomou. Se os prefeitos dos principais municípios brasileiros não fizerem sua parte, o problema jamais terá uma solução que beneficie a população.
A situação da segurança pública chegou a um ponto tão extremo no Brasil que nenhuma autoridade, em nenhum nível de governo — seja federal, estadual ou municipal —, dará conta de resolver a situação apenas com seus próprios recursos. Por outro lado, também não será possível, como já aconteceu tantas vezes em relação a esse tema, que o candidato lave suas mãos diante do problema e diga que, sozinho, ela nada poderá fazer para aliviar o sofrimento da população.
A verdade é que o problema cresceu, cresceu e chegou a um tamanho que já não pode mais ser varrido para debaixo do tapete. A cidadã e o cidadão não querem saber se as ações governamentais que lhes devolverão o direito de sair para trabalhar, estudar ou se divertir e, depois, ter a tranquilidade de voltar para casa de posse de seu telefone celular, de sua carteira, de sua aliança e sem sofrer qualquer dano ou constrangimento físico, será de competência municipal, estadual ou federal. O que as pessoas querem é que o problema seja enfrentado e resolvido. Querem, enfim, ter suas vidas e sua liberdade de volta!
Sempre que essa discussão é proposta e alguma autoridade é cobrada de suas responsabilidades pela situação, a resposta costuma vir em forma de estatística. E sempre apresentam números que mostram o esforço das forças de segurança no enfrentamento do problema. O problema é que, nos últimos tempos, nem isso vem ajudando.
Na estatística mais importante de todas — aquela que diz respeito ao número de mortes violentas no estado —, o estado do Rio de Janeiro havia registrado quatro anos seguidos de redução. Até que, no ano passado, a situação voltou a se inverter. De acordo com os números oficiais, houve ao longo de 2023 um total de 3388 assassinatos no estado — 233 a mais do que as 3155 registradas em 2022.
Além dessas estatísticas, que mostram o tamanho da brutalidade que tomou conta do Rio de Janeiro, há outras menos importantes — mas que também chamam atenção para a gravidade da situação e ajudam a explicar por que a segurança se tornou o tema principal de qualquer agenda política do Brasil de hoje. Uma delas é a que diz respeito aos roubos e furtos de telefones celulares.
O Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP) publicou na sexta-feira passada um dado alarmante sobre esse tipo de ocorrência. Entre janeiro e abril deste ano, houve em todo o estado o registro de 6.576 casos dessa natureza — o que significa um aumento de impressionantes 40% em relação aos primeiros quatro meses de 2023.
A ARMA DO VOTO — O problema ao se dar à questão da criminalidade um tratamento meramente estatístico é que a frieza dos números não consegue mostrar a dor daqueles que perderam pessoas queridas, que tombaram vítimas de um tiroteio. Da mesma forma, os números não expõem a indignação de quem, para preservar a própria vida, se viu obrigado a entregar para um assaltante um aparelho celular que ainda nem terminou de pagar.
É esse tipo de situação, que parece aumentar sem que o estado se mostre disposto a colocar a segurança pública no topo de suas prioridades, que fará com que as pessoas, nas eleições que vierem daqui por diante, cobrem dos candidatos medidas efetivas de combate à criminalidade. Seja como for, os dados da criminalidade no Rio e no Brasil são apenas o retrato possível de um problema que cresceu sem que nenhuma autoridade parecesse disposta a combatê-lo de frente.
Um problema que só será resolvido no dia em que o governo federal, todos os governos estaduais e as prefeituras de todos os 5569 municípios brasileiros se convencerem de que o cidadão brasileiro não aceita mais ficar à mercê da bandidagem. Enquanto a sociedade não utilizar a arma mais eficaz de que ela dispõe numa democracia — o voto — para demonstrar sua indignação diante do problema, a questão da segurança pública não será elevada à condição de prioridade absoluta. E, a se confiar no que indicam os institutos de pesquisa, o momento dessa arma ser utilizada começa agora.
A verdade é que, se não houver essa união de todos em torno do problema e se a segurança não for reconhecida como o principal problema que o país tem a resolver, os bandidos continuarão agindo como se fossem senhores de tudo e a sociedade permanecerá acuada e com medo. Nos últimos anos, o Comando Vermelho, de origem fluminense, e o paulista PCC se transformaram em estruturas poderosíssimas e verticalizadas, com centros de comando que controlam tudo com mão de ferro, presença em todos os estados da federação, sucursais em outros países.
Quem imagina que os roubos de celulares é obra de ladrõezinhos pé de chinelo e que isso nada tem a ver com as megaorganizações criminosas está redondamente enganado. Elas se tornaram tão onipresentes que, de acordo com quem acompanha suas ações, a prática desses delitos secundários é vista no mundo do crime como uma espécie de teste de seleção para as operações mais arriscadas e lucrativas.
As corporações criminosas do Brasil são monitoradas de perto e ganharam aos olhos das autoridades internacionais de segurança o status de uma ameaça tão grande quanto a dos cartéis colombianos, dos cartéis mexicanos, da Máfia italiana, da Máfia albanesa, da Tríade chinesa, da Yacuza, do Japão e do grupo narcoterrorista Hezbollah. E como o Estado brasileiro não utilizou as ferramentas que tem a sua disposição para agir contra os bandidos quando ainda eram fracos, acabou permitindo que a fera se formasse poderosa demais para ser abatida com dois ou três golpes.
Agora, para acabar com as organizações, será preciso que se mobilizem recursos materiais e humanos muito superiores aos que estão disponíveis atualmente. Que se invista em segurança e em inteligência e que, livres dos preconceitos que têm marcado a atuação do governo federal nesse campo, se fechem acordos de cooperação com países como os Estados Unidos, Israel e Alemanha — que têm muito a contribuir com equipamentos, softwares, armas e, acima disso tudo, informações.
A tarefa, qualquer pessoa minimamente informada sabe, não será fácil e, no ponto a que a situação chegou, nenhuma mudança significativa virá da noite para o dia. Para qualquer mudança expressiva que vier a ser notada no Rio de Janeiro, por exemplo, as ações devem começar em localidades situadas a milhares e milhares de quilômetros daqui.
Muito já se falou que os traficantes que transformaram as comunidades dos morros cariocas em cidadelas do crime organizado utilizam armas que não são fabricadas no Rio de Janeiro. Elas entram no Brasil pela fronteira terrestre, viajam por milhares de quilômetros e chegam a seu destino depois de passar por rodovias que deveriam ser fiscalizadas por uma série de órgãos federais e de outros estados.
Muitas dessas armas chegam ao Brasil depois de atravessar o rio Paraná na região da tríplice fronteira com a Argentina e o Paraguai, na região de Foz do Iguaçu. As autoridades do Brasil estão cansadas de saber que todas as noites mais de cem viagens de barco entre as duas margens trazem para o Brasil armas, drogas, produtos eletrônicos, cigarros, bebidas alcoólicas, roupas e calçados e uma série de outros produtos contrabandeados que, além de ajudarem a alimentar o crime, causam um estrago enorme na indústria e no comércio do Brasil.
A pergunta é: se as autoridades sabem que isso acontece, por que tudo continua a acontecer noite após noite sem que ninguém tome uma providência? A primeira tentação é considerar tudo isso como culpa de agentes que fazem vista grossa para um crime que acontece bem debaixo de seus narizes. E, no momento seguinte, considerar tudo como parte de um sistema corrupto que permite a ação dos criminosos em troca de algum benefício. Será que é assim tão simples?
Vamos aos fatos: pode até ser que entre os agentes da Polícia Federal encarregados da guarda da fronteira brasileira exista quem feche os olhos para a ação dos criminosos. Pode ser. Mas, atribuir as falhas do sistema a esse tipo de situação é, no mínimo, um ato de irresponsabilidade. Nas atuais condições de trabalho, os responsáveis pela guarda das fronteiras terrestres do Brasil não conseguiriam conter a ação dos criminosos nem se fossem dotados dos superpoderes dos heróis dos desenhos animados.
O Brasil tem quase 16 mil quilômetros de fronteiras terrestres e mais de sete mil quilômetros de costas. Todos eles, no que diz respeito à fiscalização do que entra e do que sai do país, são de responsabilidade da Polícia Federal — que conta com um efetivo total, entre pessoal de campo e a equipe de retaguarda, de pouco menos de 12 mil profissionais. Esses números falam por si e são suficientes para demonstrar a necessidade de um efetivo muito maior do que temos atualmente.
Outro ponto: é verdade que os agentes da força de segurança contam hoje com armamentos de melhor qualidade e equipamentos muito superiores aos de alguns anos atrás. Mas a cada dia fica mais evidente que os bandidos contam com armas mais modernas e dispõem de um efetivo muito superior ao das forças de segurança. Portanto, acima de pessoas e de armamentos, é preciso mudar a mentalidade: todos precisam estar atentos ao problema e se unir para resolvê-los. E mais: se a Constituição tiver que ser mudada para que o Sistema Nacional de Segurança Pública seja adequado às necessidades do momento, que se mude. O Brasil quer segurança e já passou da hora de enfrentar a bandidagem. E derrotá-la.