
Rio - A liberdade de expressão é um dos mais preciosos privilégios da democracia. Entretanto, em determinados casos, ele é vedado para uma classe de cidadãos: os magistrados. Segundo o professor de Sociologia de Direito do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (IESP), Fernando Fontainha, ao lado do princípio da imparcialidade, o dever de reserva é uma das mais importantes responsabilidades da magistratura ocidental.
Apesar disso, a Operação Lava Jato - e seus efeitos colaterais - tem revelado integrantes do Poder Judiciário não que não respeitam essa diretriz. “Durante anos, os magistrados tiveram medo de manifestação pública de natureza política”, afirma o professor de Direito Constitucional do Ibmec/MG, Alexandre Bahia. Para ele, o juiz é um cidadão como outro qualquer, tem direito à expressão, mas deve ser comedido: “Isso deveria fazer parte do cardápio. Afinal, o magistrado assume alguns ônus junto com a função”.
A divulgação de escutas telefônicas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidenta Dilma Rousseff, feitas pelo juiz Sérgio Moro (que depois se desculpou pela atitude), é um dos exemplos clássicos de transgressão. “Vazar escutas autorizadas para a imprensa, viola a Lei”, reclama o professor Bahia, alegando que a “quebra do sigilo só interessa à acusação. “A Lei não abre exceções sobre o resguardo do sigilo”, explica o professor.
“Moro fala sobre processos em curso e até solta notas oficiais à imprensa. A Lava Jato, como processo de grande repercussão, evidencia coisas que acontecem há muitos anos no Judiciário”, lamenta o sociólogo Fernando Fontainha.
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOAN),no seu artigo 36, diz que é vedado ao magistrado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”. A penalidade vai da advertência à demissão.
“O problema é que o Judiciário não consegue aplicar a Lei contra si próprio”, observa Bahia. Relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que o professor tem razão. Em 2016, em um universo de 6995 processos autuados, somente seis magistrados foram punidos por decisão plenária do CNJ.
A falta de discrição tem suscitado suspeitas sobre a parcialidade. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, tem sido alvo de pedidos de impedimento por conta de suas manifestações.
Numa delas, grupo de juristas faz esse requerimento com base nas “manifestações públicas sobre processos, inquéritos e investigações na alçada do Supremo, uso de linguagem impolida, desrespeitosa e indecorosa, pronunciamentos como julgador da causa em casos em que seja suspeito ou impedido, em evidente quebra de imparcialidade, injustificado protelamento na devolução para julgamento de autos judiciais com pedido de vista e atos que denotam envolvimento em atividades político-partidárias”.
Para Bahia, o comportamento de Mendes é motivo de preocupação. “Ministro do STF opina sobre decisões de instâncias inferiores, prejulgando o voto ou sentença quando o processo chegar a ele. Ministro tem peso. Não é qualquer um falando. É um juiz”.
Para o professor de Direito Constitucional, isso é péssimo para a democracia. “Pode ser com qualquer um de nós”, alerta. Afinal, como dizia um dos grandes filósofos do Iluminismo, o francês Montesquieu (1689-1755). "A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos".

Ajufe reclama de ministro
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), também não está nada satisfeita com o comportamento do ministro do STF e presidente do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. Em nota pública, a associação manifestou seu repúdio às declaração de Mendes ao jornal Folha de S.Paulo, quando afirmou que “a Lava Jato faz ‘reféns’ para tentar manter o apoio popular”.
Segundo o documento, as palavras usadas pelo ministro não estão à altura do cargo que ocupa. “Desqualificar, de maneira agressiva, decisões judiciais devidamente motivadas que foram proferidas pelo juízo federal de primeiro grau e, em sua imensa maioria, confirmadas, em grau de recurso, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pelo Superior Tribunal de Justiça e pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, é conduta inadequada para quem ocupa cargo na mais alta Corte do País e, por isso, deveria atuar com serenidade e como garantidor da estabilidade institucional, e não o contrário”.
Na manifestação, a Ajufe fez alusão ao caso Eike Batista. “Ao ver-se confrontado com a arguição de seu impedimento por ter proferido decisão em Habeas Corpus no qual o paciente é cliente de escritório de advocacia do qual sua esposa é sócia, o Ministro Gilmar Mendes, uma vez mais, excedeu-se nos seus termos, atacando desnecessariamente aqueles que pensam de modo contrário ao seu”. A nota conclui afirmando que a “crise político-econômica pela qual passa o Brasil é muito séria e o que se espera do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral e integrante da Suprema Corte é que aja como um verdadeiro Magistrado, não contribuindo para agravá-la com declarações”.

GILMAR MENDES É ALVO DE VÁRIOS PEDIDOS DE IMPEDIMENTO NO STF
Até o ator Alexandre Frota defende o afastamento de ministro do Supremo
Um dos últimos pedidos de deposição do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) foi protocolado na quinta-feira, 11, pelo ator e diretor Alexandre Frota. No dia anterior, o procurador Rodrigo Janot havia enviado pedido ao STF para que Mendes deixe a relatoria de um habeas corpus, no qual concedeu liberdade ao empresário Eike Batista, preso num dos desdobramento da Lava Jato. O procurador solicitou também a anulação de todas as decisões sobre o habeas corpus, incluindo a que determinou a soltura do empresário.
Janot alega que Gilmar Mendes não poderia atuar na causa porque sua esposa, Guiomar Mendes, trabalha no escritório de advocacia de Sérgio Bermudes, que defende Eike Batista. Mendes se defendeu, alegando que a mulher atua apenas em causas cíveis. Mas, não convenceu. Tanto que levou um tapa de pelica do seu colega Marco Aurélio de Mello, que se declarou impedido de ser o relator ou votar em processos que envolvam cliente do escritório de Bermudes porque tem uma sobrinha que trabalha naquela banca. Mello disse que não queria provocar, mas Mendes não gostou da atitude e debochou de Mello durante entrevista.”Juízes que podem ter problema na parcialidade não podem julgar determinados casos”, afirma o professor de Sociologia do Direito, Fernando Fontainha. Segundo ele, a endogamia leva ao limite a imparcialidade.
“A composição da elite jurídica tem ligação com as elites políticas e econômicas”, explica o professor, salientando que vários parentes e colegas juristas de ministros atuam no STF. O pedido de impeachment de Janot foi enviado à presidente da Corte, Cármen Lúcia, e deve ser decidido pelos 11 ministros do STF.
Juíza Anti-PT proibiu atos em Curitiba
“O juiz não pode o que todo cidadão pode. Parcialidade política é direito de qualquer um. Mas, ao magistrado é vedado”. A afirmação do professor de Sociologia do Direito do IESP, Fernando Fontainha, é respaldada pela Lei Orgânica da Magistratura. Entretanto, o que se tem verificado é um comportamento que beira o fanatismo por parte de alguns magistrados. A juíza paranaense Diele Denardin Zydek, que proibiu manifestações durante depoimento do ex-presidente Lula em Curitiba, usava sua página no Facebook para atacar o petista e também a ex-presidente Dilma Rousseff.
Autodeclarada antipetista, a magistrada publicou, em março, "E hoje a casa caiu para o Lula", no dia em que o ex-presidente foi conduzido coercitivamente à sede da Polícia Federal, para interrogatórios sobre a Operação Lava Jato.
Na rede social, a juíza também demonstrou apoio a Sérgio Moro e compartilhou convocações para o protesto de 13 de março que pedia o impeachment da ex-presidente Dilma. Em outra postagem, Zydek chamou a nomeação de Lula para ministro da Casa Civil de "manobra criminosa".
“A Lei proíbe que qualquer juiz fale sobre processos de outros”, lembra o professor de Direito Constitucional do Ibmec/MG, Alexandre Bahia. Bem como censura manifestações públicas de magistrados que tenham natureza política. A juíza, logo após a repercussão das declarações na rede, fechou a página do Facebook.