Por marlos.mendes

Goiás - O trabalho realizado de forma intensiva por voluntários e a força-tarefa de brigadistas, bombeiros, policiais e agentes públicos na região tem conseguido controlar o avanço do fogo que consome a Chapada dos Veadeiros. O fim efetivo das chamas na área atingida, porém, só deve vir mesmo com o aguardado início das chuvas na região, diz o chefe do Parque Nacional da Chapada, Fernando Tatagiba.

Se há dúvidas sobre quando as chuvas chegarão, já não existem muitas sobre as causas do acidente. É consenso entre os que atuam no combate ao fogo que se trata de um incêndio intencional e, portanto, criminoso. Por ser um parque nacional, a Polícia Federal já foi acionada para investigar o caso.

Incêndio na Chapada dos Veadeiros Divulgação/ICMBio/FernandoTatagiba

À reportagem, o diretor Tatagiba já havia dito que as suspeitas apontam para uma atuação criminosa. "O fato de o incêndio ter surgido no interior do aceiro (barreira para contenção do fogo) me leva a crer que alguém adentrou no parque e botou fogo. Não temos elementos para dizer quem é o responsável, mas podemos dizer, com certeza, que é criminoso", enfatizou.

Na quarta-feira o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, esteve na região do parque e sobrevoou a área. Ele pediu ao Ministério da Justiça que a PF dê prioridade às investigações, o que só deverá ocorrer depois de concluído o controle total do incêndio, que agora avança em áreas mais isoladas e de difícil acesso.

As suspeitas da comunidade e de ambientalistas são de que os incêndios teriam origem na ampliação da área do parque, em junho, saltando de 65 mil para 240 mil hectares. A decisão incomodou produtores que já estavam no entorno. Parte deles foi multada pelo Ibama por estarem produzindo em áreas do parque. Criado em 1961, a unidade tinha originalmente 625 mil hectares mas teve suas dimensões reduzidas nas últimas décadas.

Perícias serão realizadas para identificar como as chamas começaram e quais são as causas do incêndio. Acidental ou dolosamente, por fogo em mata é enquadrado na lei de crimes ambientais e tem punição prevista de dois a quatro de prisão. A situação na Chapada ajuda a puxar o número de incêndios, que é recorde em áreas de florestas nacionais neste ano.

Angústia de gente e dos bichos


Um cheiro de mato queimado se espalha pelas ruas de terra da pequena Vila de São Jorge, reduto ambiental e porta de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. A fuligem da mata - que desde o dia 17 tem sido engolida pelo fogo - dificulta a respiração. À noite, os moradores têm espalhado toalhas molhadas pela casa para aliviar a situação.

A cinco quilômetros da vila, o Vale da Lua, conhecido pelas formações rochosas criadas pelo Rio São Miguel, foi tomado pelas chamas. "Só sobrou pedra e a água do rio", conta José Francisco da Silva Pereira, o Zezinho, responsável por cuidar do local. "Levantamos desesperados pra tentar controlar o fogo, mas não deu tempo de fazer muita coisa."

Tem sido assim há mais de uma semana, quando um dos principais patrimônios do Cerrado passou a ser destruído pelo fogo, no pior incêndio de que se tem notícia na região. Queimadas já atingiram mais de 62 mil hectares do parque (25,8% da área total), que em junho foi ampliado de 65 mil para 240 mil hectares e recebe cerca de 60 mil visitantes por ano.

Por onde se anda na região, se veem nuvens de fumaça. O pequeno aeroporto de Alto Paraíso, município conhecido por sua vocação para supostos pousos de óvnis, foi transformado em centro de gerenciamento das queimadas. Um sobe e desce constante de aviões e helicópteros desloca água, moradores, parafernálias contra incêndio e brigadistas.

O alvo das operações tem sido as regiões mais sensíveis, onde há moradores por perto. Nas contas dos agentes do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão do parque, cerca de 80% da área original do parque, aquela que ele tinha até junho, antes da ampliação, foi dragada pelo fogo. As trilhas do parque também foram atingidas. O local está fechado, sem data para reabrir. O aumento da área atendeu a uma demanda de ambientalistas e cientistas.

"Para nós, isso é uma tragédia não só ambiental, mas também de nosso meio de vida. O turismo já fugiu daqui. Algumas pessoas cancelaram reservas", diz Leonilton Francisco Ferreira, gerente da pousada Trilha Violeta, em São Jorge. "Se Deus quiser, a chuva virá e vai amenizar esse drama."

Fauna. Não há estimativas precisas sobre a mortandade de animais e aves na área afetada pelas chamas. Mas nada calou mais fundo a população do entorno que os cantos desesperados de milhares de araras azuis, ao verem as chamas se aproximarem de seus filhotes e ninhos.

Foto de uma das áreas queimadas na Chapada do Veadeiros Agência Brasil

 "As araras voavam doidas, desesperadas, e faziam um barulho muito alto", diz Leonilton. "Triste demais. É uma dessas coisas que a gente nunca vai esquecer na vida." A região abriga ao menos 34 espécies da fauna e 17 da flora ameaçadas de extinção. Ali, também vivem o pato-mergulhão, a onça-pintada e o lobo-guará.

Há uma semana à frente de uma das brigadas que enfrentam o avanço do fogo, Valdeci Ceravalo afirma que boa parte das chamas já está controlada no parque, mas é preciso permanecer atento às cinzas. Isso porque muitas chamas têm ressurgido da terra, após avançarem pelas raízes, chão adentro.

Ao ver as equipes de combate ao fogo correrem até o helicóptero para acessar um novo foco de incêndio nas imediações, o agricultor orgânico Zizo Simion não resiste e bate palmas. Dos seus quase dois metros de altura, chora feito menino, em meio à poeira que sobe. "Parabéns! Vocês são guerreiros", grita ele, sem ser ouvido.

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