O ex-ministro da Saúde Luis Henrique Mandetta
O ex-ministro da Saúde Luis Henrique MandettaReprodução/Tv Senado
Por ESTADÃO CONTEÚDO
O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), participou de uma sabatina nesta terça-feira na CPI da Covid, que investiga ações e possíveis omissões do governo na pandemia. Primeiro a falar na abertura da fase de depoimentos, o ex-ministro falou durante 8 horas na comissão como testemunha. 
Em suas primeiras palavras na CPI da Covid, o ex-ministro aproveitou para fazer uma retrospectiva da chegada do novo coronavírus ao Brasil e as respectivas ações do ministério sob sua gestão para enfrentar a covid-19. Na fala inicial, Mandetta buscou enfatizar uma atuação integrada entre os Poderes e os entes federativos quando a pasta da Saúde estava sob seu comando. "Defesa intransigente da vida, SUS como meio para atingir, e a ciência como elemento de decisão Esses foram os três pilares", disse.
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Mandetta ainda afirmou que o Brasil foi um dos primeiros países a questionar, ainda em janeiro do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre os rumores em torno do novo coronavírus, e que o ministério se preocupou em fazer um plano de comunicação sobre a nova doença para informar a sociedade.
"O princípio básico de gestão de pandemia são as informações, ter plano de transparência para termos credibilidade, evitar fake news, organizar um plano de comunicação direto com sociedade", disse Mandetta.
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"SUS é um grande pacto federativo, a partir do momento que a convoquei de forma permanente (a comissão com gestores dos entes subnacionais), talvez tenha sido momento que SUS estava mais uno", afirmou o ex-ministro nesta terça.
Mandetta foi demitido do cargo no dia 16 de abril de 2020, no início da crise da pandemia no Brasil. Naquela data o país registrava 1.924 mortes. Atualmente, o país tem mais de 400 mil óbitos por complicações da covid-19. Seu substituto, Nelson Teich, permaneceu menos de um mês no cargo. Para Randolfe Rodrigues, a constante troca de ministros da Saúde em meio à pandemia é, por si só, um enorme problema para a gestão do ministério e “pior ainda são os motivos para essas trocas”.

“O senhor Luiz Henrique Mandetta foi exonerado do cargo de ministro da Saúde justamente por defender as medidas de combate à doença recomendadas pela ciência. O presidente defendia mudanças nos protocolos de uso da hidroxicloroquina no tratamento do novo coronavírus, mas o Nelson Teich era contra. Infelizmente, sabemos o rumo que a gestão da pandemia tomou no país”, apontou o senador.
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Carta 
Durante o depoimento à CPI da Covid, Mandetta leu um trecho da carta que entregou ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em março com as previsões de mortes que seriam provocadas pela covid-19 no Brasil. Nela, Mandetta "recomendou expressamente" que a Presidência da República revisasse seu posicionamento, acompanhando as orientações do Ministério da Saúde.

"Uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população brasileira", dizia a carta entregue a Bolsonaro, segundo Mandetta.

O ex-ministro da Saúde voltou a dizer que alertou o presidente sistematicamente sobre os riscos da doença. "Tudo o que eu poderia fazer de orientar, 'não vai por esse caminho', foi feito, mas ele tinha provavelmente outras pessoas que apontaram que eu estaria errado", relatou Mandetta.

Na avaliação do ex-ministro, entre as teorias que tiveram mais influência sobre o presidente está a de que o Brasil atingiria uma "imunidade de rebanho". "É muito difícil entender sobre qual teoria (influenciou o presidente), impressão que tenho que tinham algumas teorias com mais simpatia dele, como a que brasileiro iria se contaminar, atingir o quociente de proteção de rebanho. Um entendimento de que as pessoas vão contrair isso 'porque moram em favela', 'não têm esgoto', 'vai morrer só quem tem que morrer', 'só está morrendo idoso', embarcaram nessa teoria, impressão que eu tenho é essa", disse Mandetta.

O ex-ministro ainda afirmou que o fato de ele ser um "mensageiro da má notícia" para o presidente acabou por gerar mais distanciamento entre ele e Bolsonaro. Mandetta citou o episódio em que o presidente achou "muito mórbido" que houve alguma regra sobre sepultamento de vítimas da covid. "E no dia da reunião falei (na reunião em que entregou a carta ao presidente): 'o senhor tem que estar preparado para todos os cenários, inclusive de colapso funerário'. Foi nesse sentido, logicamente que ele escutou, mas não foi suficiente", afirmou Mandetta.
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Demissão do posto 
Em depoimento à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde afirmou que jamais pediria demissão do posto. "Cargo de ministro em situação de pandemia, eu tinha um paciente doente", afirmou Mandetta, que foi demitido pelo presidente Bolsonaro em abril do ano passado.

Ele e o presidente se desentenderam publicamente sobre a estratégia de combate à doença. A opção do ex-ministro de manter as orientações da pasta a favor do isolamento social, enquanto o Bolsonaro já se colocava contrário a essas medidas, estremeceu a relação, afetada ainda pela defesa do presidente ao uso da cloroquina em pacientes da covid-19.

Ao ser questionado sobre a ordem pelo aumento da produção da cloroquina para tratamento de pessoas com covid-19, Mandetta afirmou que essa determinação não saiu do Ministério da Saúde, ao menos durante sua gestão.
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"A única orientação sobre cloroquina que partiu do Ministério foi sobre o uso compassivo, quando não há outro recurso, para pacientes graves em ambiente hospitalar. A cloroquina tem margem de segurança estreita. Ela tem uma série de reações adversas e cuidados que devem ser feitos", disse Mandetta, segundo quem a determinação de incentivo à produção e uso de cloroquina foi feita à margem da pasta.
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Testagem em massa
Mandetta afirmou também nesta terça-feira que a estratégia de testagem em massa planejada durante sua gestão não foi levada à frente pelos sucessores. "Em março, iniciamos todo o processo, fizemos pool de laboratórios, uma série de parceiros, para construirmos toda a lógica de testagem, disparamos processo de aquisição. E depois soube que essa estratégia não foi utilizada. Era maneira muito clara nossa estratégia, testar, testar", afirmou Mandetta, em depoimento na CPI da Covid.

"Em março de 2020, iniciamos o processo de compra de 24 milhões de testes. Vimos pararem muitas coisas e não colocarem nada no lugar. A testagem é uma delas", citou o ex-ministro.

Um pouco antes, Mandetta refutou a alegação de que, sob sua gestão, o Ministério da Saúde orientou a população a não procurar hospitais quando houvesse sintomas leves de covid-19. O questionamento foi feito pelo relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL). Mandetta classificou a informação como parte de uma "guerra de narrativas".

O ex-ministro da Saúde disse que o contexto era de início da pandemia, quando não havia muito casos registrados de covid-19 no Brasil, muito menos a transmissão comunitária. "O que havia eram pessoas em situação de insegurança, pânico", disse Mandetta, citando ainda que a estratégia em epidemias por viroses é evitar aglomerações.

"Tenho visto essa máxima ser repetida, e tenho percebido que é mais guerra de narrativa, todas as orientações são para dar entrada pelo sistema de saúde", respondeu Mandetta.