Internet foi 'cupido' de casais que se formaram durante a pandemia Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
“Não botava muita fé em aplicativo, porque normalmente nenhum 'match' [quando se forma um par com outra pessoa no aplicativo de relacionamento] ia pra frente, isso antes da pandemia, e normalmente logo cansava e esquecia do app, preferia o ao vivo, mas estava a fim de conversar com pessoas novas e ver como anda a vida de outras pessoas, fora do meu círculo de amigos.”
“Tive medo, até porque moro com os meus pais, que são idosos, tinha que confiar em alguém que não conhecia e que falava que estava em isolamento e fazendo home office”, explicou.
“Além disso, tinha o medo de passar algo para ele, uma vez que, no meu caso, não estava de home office, devido a minha profissão, mas como moro com os meus pais estava tomando todos os cuidados possíveis. Foram três meses de conversa antes do primeiro encontro”, completou.
A pandemia mudou a forma de as pessoas se relacionarem. E não foi diferente com os namoros. A rotina do casal que está junto há nove meses ainda não é de balada, e as atividades são caseiras. “Como ele mora em uma casa com um casal de amigos, que fazem isolamento também, normalmente a gente passa o fim de semana lá, às vezes a gente sai para correr no parque, pedimos comida por delivery, assistimos séries e é só isso”.
Cupido virtual
“Após o primeiro encontro, nos afastamos e só nos reencontramos no final de janeiro de 2020, quando o Gabriel fez uma postagem no Facebook, e eu comentei. Após o meu comentário voltamos a conversar, mas nada de relacionamento.”
O medo com relação à doença e as dúvidas que ela trazia tomou conta de muitas pessoas, e não foi diferente com José Wilker. “Após os primeiros casos confirmados, a cantina e vários outros estabelecimentos foram fechados no primeiro lockdown, mas, mesmo assim, eu só reencontrei o Gabriel após 15 dias de isolamento em casa, com a condição de ele estar tomando todos os cuidados. Após esse período de quarentena, voltamos a nos encontrar. Quando ele chegava a minha casa, a primeira coisa era deixar o calçados na porta e ir para o banho e trocar de roupa, só após o banho que a gente namorava”, detalha José Wilker.
Foi nesse período de isolamento e incertezas que o relacionamento dos dois engrenou. Afastado do trabalho, Gabriel, que é analista de suporte de sistemas, passou por uma crise familiar séria por conta de sua orientação sexual. Os conflitos acabaram fazendo com que ele saísse de casa e fosse morar sozinho.
“Após uns dias de sua saída de casa, Gabriel foi demitido da cantina. Logo em seguida, surgiu uma vaga na empresa que eu trabalho, ele foi selecionado para fazer um teste e passou. Logo, ele me pediu em namoro, dias depois ele se mudou de vez para minha casa e passamos a morar juntos”, conta José Wilker.
“Mais de um ano se passou, e ainda estamos morando, namorando, malhando, nadando, trabalhando e se divertindo juntos, literalmente, 24 horas por dia juntos. Hoje estamos construindo nossa casa e planejando o futuro para que, em breve, possamos nos casar oficialmente.”
Romance ideal
Segundo pesquisa realizada pelo portal especializado Casamentos.com.br, quase 20% dos casais brasileiros com planos de casamento se conheceram pela internet e redes sociais. O levantamento foi feito com mais de 3,4 mil casais, entre 26 e 40 anos.
De acordo com a pesquisa, os apps de relacionamento são os cupidos digitais com mais pontaria, com destaque especial para o Tinder, Happn e Badoo: 36% das histórias de amor que começam online e terminam em casamento nascem de um swipe [escolher alguém para conversar].
Mas outras tecnologias ainda têm muito espaço entre todas as faixas etárias: logo atrás está o Facebook, que conecta quase 33% dos usuários da internet. Além disso, os matches de Instagram representam 15%, e grupos de WhatsApp, 7%.
Vínculos afetivos duradouros
“A pandemia interrompeu o convívio social das pessoas e, como consequência, muitos passaram a experimentar a solidão. A possibilidade de interagir socialmente, através de um perfil num aplicativo de relacionamento, fez muitos utilizarem essa ferramenta. Além de preencher o vazio, o isolamento social obrigatório, fez as pessoas repensarem seu modo de viver. O que fez muitos buscarem nos aplicativos a oportunidade de encontrarem parcerias para vínculos afetivos mais duradouros”.
A especialista alerta, porém, para alguns problemas de se entrar de cabeça num relacionamento com o intuito de suprir a carência causada pela pandemia. “O risco é entrar em um relacionamento apenas para preencher o vazio e a solidão sentidos em função do isolamento, o que foi muito comum durante esse período, a busca por companhia”, afirma.
“É fazer caber em sua vida uma pessoa que não tem nada a ver com você e, em alguns casos, assumir compromisso mais sério. Ou mesmo se relacionar com pessoas com comportamentos agressivos ou inadequados”, destaca a pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Sexualidade.
Ela não descarta, entretanto, a existência de histórias de amor surgidas a partir de um clique – ou um “match” – nas redes sociais.
“Quando o amor está presente, passamos a ver no outro as qualidades e os defeitos, porém, em geral, as qualidades se sobrepõem aos defeitos. Admiramos e respeitamos. Há o desejo de permanecer juntos independentemente das diferenças encontradas, porque elas existem. Entretanto são superadas em prol de um convívio harmonioso. Diante das dificuldades, há o interesse em resolver as divergências”, frisa a especialista.
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