Seis mandados de prisão preventiva são cumpridos contra os líderes da organização criminosa e 41 mandados de busca e apreensão,Divulgação/PF

A Polícia Federal deflagrou, nesta quarta-feira, 19, a Operação “La Casa de Papel” para desarticular organização criminosa responsável por implementar um esquema de pirâmide financeira transnacional em mais de 80 países. Os criminosos praticavam, ainda, crimes contra o sistema financeiro nacional, evasão de divisas, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, usurpação de bens públicos, crime ambiental e estelionato. A ação foi conjunta com a Receita Federal e a Agência Nacional de Mineração (ANP).
Seis mandados de prisão preventiva são cumpridos contra os líderes da organização criminosa e 41 mandados de busca e apreensão, expedidos pela 3ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Santa Catarina. Os agentes cumprem ainda mandados de bloqueio no valor de 20 milhões de dólares e sequestros de dinheiro em contas bancárias, imóveis de altíssimo padrão, gado, veículos, ouro, joias, artigos de luxo, mina de esmeraldas, lanchas e criptoativos em posse das pessoas físicas e jurídicas investigadas.
A investigação teve início na cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul, em agosto de 2021, com a autuação em flagrante de dois dos investigados, quando se deslocavam em direção à fronteira com o Paraguai com escolta armada. Na abordagem, foram encontradas esmeraldas avaliadas em 100 mil dólares, que estavam ocultas e não tinham origem legal, pois estavam amparadas em nota fiscal cancelada.
Ao longo das investigações, a PF informou que foi apurada a existência de esquema de pirâmide financeira que captou recursos de mais de 1,3 milhão de pessoas, em mais de 80 países. O prejuízo aos investidores é estimado em R$ 4,1 bilhões, cujas operações teriam se iniciado em 2019, estando em curso e pleno desenvolvimento até o momento de deflagração da operação.
Os investigados, com utilização massiva de redes sociais, marketing, reuniões por diversos estados e países, centenas de "team leaders" agrupados, além da estrutura e apoio de entidade religiosa pertencente a um deles, atuavam para captar recursos e, assim, gerir uma empresa que oferecia pacotes de investimentos e aportes financeiros desde 15 dólares a 100 mil dólares, com promessa de ganhos diários em percentuais altíssimos.
"Embora divulgassem em redes sociais que estavam amplamente legalizados na Estônia e que seriam sócios de duas instituições financeiras, todas as empresas do grupo não existiam de fato", afirmou a PF.
Os investigados não tinham qualquer autorização para a captação e gestão dos recursos levantados no Brasil, na Estônia, ou em qualquer outro país, tendo ainda diversos alertas de órgãos financeiros em vários países, como Espanha, Panamá, dentre outros, no sentido da ausência de autorização e de que se tratava de esquema de pirâmide financeira.
Por meio de sites e aplicativos que mantinha nas redes sociais, a organização criminosa prometia que os investimentos seriam multiplicados em ganhos diários, que poderiam chegar a até 20% ao mês e mais de 300% ao ano, através de transações no mercado de criptoativos por supostos "traders" a serviço da empresa, os quais seriam utilizados para multiplicar o capital investido e, ainda, instando os que ingressavam no negócio a captar novos investidores, em mecanismo que chamavam de "binário", proporcionando ganhos percentuais sobre os valores investidos por novas pessoas que eram atraídas para o esquema.
A prática ilegal foi se tornando mais sofisticada no curso dos crimes, englobando supostos investimentos decorrentes de lucros que vinham de minas de diamantes e esmeraldas que a empresa teria no Brasil e no exterior, em mercado de vinhos, de viagens, em usina de energia solar e usina de reciclagem, entre outros.
Na sequência, criaram duas criptomoedas, lançadas pelo grupo criminoso no final de 2021, sem qualquer lastro financeiro. Foi identificada manipulação de mercado para valorizar uma das moedas artificialmente em 5.500% em apenas 15 horas, com pico de até 38.000%, dias depois. Tudo isso para manter a pirâmide financeira o mais tempo possível em atividade, pois as criptomoedas foram também utilizadas para pagar os investidores.
No entanto, as criptomoedas perderam todo o valor de mercado e a cotação passou a romper em diversas casas decimais abaixo do centavo de dólar, resultando em perda quase que completa da liquidez.
Os investigados também mostravam muita ostentação nas redes sociais, com milhões de seguidores em todo o mundo, demonstrando o sucesso pessoal e de investimentos, com demonstração de viagens internacionais para Dubai, Cancun e Europa.
Para movimentação do dinheiro, foram utilizadas as contas bancária dos investigados, empresas de fachada, parentes, além de terceiros ligados ao grupo, que, inclusive, contou com a auxílio de uma entidade religiosa que, sozinha, movimentou mais de R$ 15 milhões, sendo também utilizada para captar investidores, buscando a ocultação e lavagem de dinheiro dos recursos.
No decorrer da pirâmide financeira e com a prisão de um dos líderes em Cuba, os fundadores da organização pararam de realizar pagamentos dos valores aos cubanos sob a justificativa, divulgada nas redes sociais, de que o governo de Cuba teria impedido a empresa de ajudar o país. Na sequência, ante o volume de dinheiro subtraído pelo esquema criminoso, os investigados começaram a impor dificuldades para realização dos pagamentos aos investidores lesados e, como forma de garantir seus lucros, passaram a estabelecer prazos cada vez maiores para resgate, o que impedia os saques dos valores aportados pelos investidores.
A investigação demonstrou que os investigados combinaram um "ataque hacker", plano que foi efetivamente implementado no final de 2021, no qual os líderes da organização criminosa alegaram um imenso prejuízo financeiro com a ação e retiveram todo o dinheiro dos investidores a tal pretexto, propondo a suspensão de todos os pagamentos sob o argumento da necessidade de uma auditoria financeira.
Meses depois, os criminosos comunicaram a conclusão da auditoria e anunciaram uma reestruturação da empresa, mantendo o esquema e migração para uma nova rede, a fim de que os investidores efetuassem novos aportes e a continuação do negócio, com ameaças do "CEO" da empresa de que quem processasse ou realizasse registros de boletins de ocorrências seria identificado, processado e não receberia qualquer valor investido de volta.
As redes sociais passaram a ser inundadas por milhares de reclamações em inúmeros sites, dezenas de páginas sociais e grupos criados no Brasil e em outros países, buscando recuperar o dinheiro investido, tudo sem sucesso, com uma sequência infinita de discursos dos organizadores do esquema criando novas narrativas de problemas no mercado de criptomoedas, prejuízos financeiros, problemas nos sistemas e sites da empresa. Eles afirmavam que iriam pagar os valores com um novo sistema em desenvolvimento e informavam constantemente que alguns investidores estariam normalmente fazendo transações e recebendo valores junto à empresa, buscando manter a captação ilegal de recursos.
A polícia informou que o "objetivo da operação é desmobilizar completamente a organização criminosa, impedindo que continuem a efetivar golpes através da prisão preventiva de seus líderes, suspensão das atividades das empresas e ampla divulgação à sociedade a respeito do risco desse tipo de negócio nas redes sociais, bem como realizar a descapitalização e buscar o ressarcimento dos recursos subtraídos aos lesados".
Os investigados irão responder, de acordo com suas responsabilidades, pela prática dos crimes de organização, crimes contra o sistema financeiro por operar sem autorização, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, usurpação de bem mineral da União Federal, execução de pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, falsidade ideológica e estelionato por meio de fraude eletrônica. As penas máximas somadas podem chegar a 41 anos de prisão, sem prejuízo do perdimento dos bens e de multas ambientais e tributárias a serem apuradas.
O nome da operação, "La Casa de Papel", faz referência a série da Netflix e se dá em razão de que alguns dos investigados serem detentores também da nacionalidade espanhola e por terem, ardilosamente, realizado um plano para montar uma bilionária pirâmide financeira, com o seu próprio banco e a sua própria "casa da moeda", fabricando dinheiro através de criptoativos próprios sem qualquer lastro financeiro e se apropriando de dezenas de milhões de dólares em seu benefício, impondo prejuízo em mais de 1,3 milhão de pessoas em mais de 80 países.