Interpretação deturpada do artigo 142 da Constituição tem sido citado para embasar atos golpistas e contestar o resultado das urnas AFP

Brasília - Os ex-desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Ivan Sartori e Sebastião Coelho, respectivamente, pregaram um golpe militar para impedir que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assuma o Palácio do Planalto. Os dois magistrados participaram de audiência no Senado organizada por parlamentares que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Perder a eleição, sim, faz parte do jogo. Agora, da forma como tudo ocorreu, sem paridade de armas, sem que respondam às questões levantadas pelos técnicos, sem que se permitam as investigações, isso não podemos aceitar porque temos efetivamente uma eleição que traz muitas dúvidas para todos nós e aí não podemos nos conformar com esse resultado", declarou Sartori, que é próximo do presidente Bolsonaro e já foi cotado para cargos no governo.

"A solução seria realmente a aplicação do artigo 142 combinado com a lei complementar 97/99 que permite ação imediata para que cessem essas arbitrariedades que nós estamos presenciando, que infelizmente vem sangrando e fazendo sangrar o nosso País", declarou o ex-desembargador paulista.

Como argumento para a "intervenção federal", bolsonaristas radicais têm usado uma interpretação deturpada do artigo 142 da Constituição que tem sido citado para embasar ações antidemocráticas e contestar o resultado das urnas. Especialistas afirmam que não há respaldo legal para tal interpretação. O trecho da Carta apenas versa sobre a função das Forças Armadas no País.

As falas golpistas foram feitas em audiência realizada pela Comissão de Fiscalização e Controle do Senado nesta quarta-feira, 30, que discute a fiscalização das inserções de propagandas politicas eleitorais. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, divulgou a reunião nas redes sociais, que conta com a audiência de 120 mil pessoas. A audiêcia foi pedida pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que rejeita o rótulo de bolsonarista, mas encampa muitas teses do governo, como as críticas ao STF.

Desde o fim do período eleitoral, bolsonaristas estão acampados em frente a quartéis pedindo, entre outras coisas, a anulação da eleição do petista e intervenção militar. Em outra frente, mais de mil protestos com bloqueios de estradas foram desfeitos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Sebastião Coelho reclamou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem feito interferências em prerrogativas do Poder Legislativo e Executivo e, assim como Sartori, apelou para que Bolsonaro acione os militares para uma intervenção. O ex-desembargador do TJDF também usou a interpretação deturpada da Constituição para justificar seu pedido golpista.

"Qual a solução constitucional? O presidente da República invocar o artigo 142 da Constituição para dar legitimidade às Forças Armadas para agirem", disse. "No momento em que nós estamos, com fragmentos da Constituição ainda em vigor, se as Forças Armadas agirem de ofício vai ser colocado como um golpe, embora seja um contragolpe, mas se o presidente da República convocar, não, porque ele está exercendo seu poder constitucional para garantir a ordem pública", declarou Coelho.

Ele ainda insinuou que, se Bolsonaro não pedir a intervenção dos militares, em janeiro, "as ruas" irão impedir a posse de Lula e fechar o Congresso Nacional. "A rua vai dizer que o poder que o povo delegou para que o Parlamento exercesse, o Parlamento não está exercendo. Então o povo, eu acho, que do estágio que nós estamos, poderá exercer diretamente. Nós não sabemos onde o nosso País vai parar. Falo isso com muita dor no coração", declarou.

Coelho ainda disse que há a possibilidade de uma "convulsão social" no Brasil e que somente o Senado poderia evitar isso, agindo contra o STF. "Nós não temos a quem recorrer. Por isso que eu digo, que a ordem constitucional está rompida e a ordem pública está abalada, a ordem pública foi jogada no lixo. Nós podemos ter uma convulsão social nesse País, infelizmente. Podemos evitar? Poderíamos pelo Senado, mas não vai".