Crise sanitária matou 570 crianças Yanomami de 2019 a 2022Paulo Zero

Na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, cenário de uma tragédia humanitária. A maior terra indígena do Brasil chegou a uma situação de emergência sanitária, com crianças, adultos e idosos em condições dramáticas de saúde — com doenças como malária, pneumonia, desnutrição, e contaminação por mercúrio —, vítimas de descaso do governo Bolsonaro e da cobiça do garimpo ilegal. O programa "Fantástico", da TV Globo, exibido no último domingo, 29, detalhou a situação vivida pela tribo, e acompanhou a distribuição de remédios e alimentos, além do resgate de mulheres e crianças doentes.

A equipe entrou na Terra Yanomami com o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena, Junior Hekurari, e o novo secretário da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Weibe Tapeba. A visita deles é para organizar o programa de socorro.
A situação mais grave está na parte Norte, onde estão os Pelotões de Fronteira Especial (PFE) do Exército — e a maior concentração de garimpo no Território Yanomami. No pelotão de Surucucu, feito para atender 30 crianças, a reportagem mostrou um cenário desolador, com mais de 100 pacientes. Próximo dali, a Sesai também resgata indígenas na região do chamado Homoxi, um lugar emblemático para entender essa crise.
A partir de 2017, o garimpo avançou por dezenas de quilômetros na região do Homoxi. Os garimpeiros tomaram a pista da Sesai, expulsaram a equipe de saúde e usaram o posto como depósito de combustível. Em 2022, equipes da Polícia Federal (PF) estiveram lá e destruíram máquinas do garimpo. Em represália, os garimpeiros botaram fogo no posto de saúde.
"A gente vivia, a gente tinha a vida, a gente tinha trabalho, pescava. A gente não tem hoje. Não tem, porque o povo Yanomami está doente. Então, a situação é muito grave", desabafou Junior Hekurari.
Crianças Yanomami com doenças como como malária, pneumonia, desnutrição, e contaminação por mercúrio  - Reprodução
Crianças Yanomami com doenças como como malária, pneumonia, desnutrição, e contaminação por mercúrio Reprodução
Casos de malária subnotificados
Ainda sem segurança na região, crianças, adultos e idosos precisam ser resgatados rapidamente, a maioria deles acometidos pela malária. Apenas no ano passado, foram registrados 22 mil casos de malária — em uma população de 30 mil Yanomamis. No entanto, no Homoxi, onde o posto foi tomado e queimado pelo garimpo, houve apenas sete casos notificados. O que mostra que os números oficiais não refletem a realidade.
Uma grande operação do Governo Federal realizada nos anos de 1990 e retirou os garimpeiros que haviam invadido a região. Dois anos depois, a Terra Yanomami foi demarcada. O garimpo quase desapareceu, mas voltou em 2016.
Os números mostram que o aumento dos casos de malária acompanha o do garimpo. Em dezembro de 2022, a área atingida pelo garimpo chegava a 5 mil hectares. Um aumento de mais de 300% em relação ao final de 2018.
A crise sanitária já matou 570 crianças Yanomami de 2019 a 2022, 29% a mais que nos quatro anos anteriores. Os dados do Ministério da Saúde foram compilados pela agência Sumaúma. "Durante esses quatro anos, piorou muito as situações graves. Chegou malária, desnutrição do povo Yanomami", relata o líder indígena Junior Hekari.
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi a Boa Vista, acompanhado de sete ministros, no dia 21 deste mês, ele encontrou cerca de 700 pessoas internadas na Casa do Indígena. O local, no entanto, tem capacidade para 300. "A gente não pode entender um país com as condições que tem o Brasil deixar nossos indígenas abandonados como eles estão aqui", lamentou o presidente.
Bolsonaro
No último sábado, 28, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se manifestou nas redes sociais divulgando um relatório da CPI que, em 2008, investigou a morte de crianças indígenas por subnutrição. Motivada pela crise entre os guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul, a CPI cita avanço da malária entre os Yanomami, em Roraima. Na publicação de Bolsonaro, a foto usada é de uma criança de outra etnia, do Maranhão.
O ex-presidente afirma "que nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas" como o dele”. No entanto, os dados mostram que, no período Bolsonaro, as mortes de crianças Yanomami por desnutrição quase quadruplicaram. Com dados do Ministério da Saúde, o Fantástico separou só as mortes por desnutrição de crianças de zero a 5 anos. Foram 152 nos últimos quatro anos, contra 33 no período anterior. Um aumento de 360%.
"Esse é um dado que está no Ministério da Saúde e nada foi feito. E ainda há o risco de que esse dado seja subnotificado", criticou a ministra do Povos Indígenas, Sônia Guajajara.
"É uma combinação de crimes ligados ao garimpo que provocou essa crise", também observa o ministro da Justiça, Flávio Dino. "Temos também lavagem de dinheiro, temos a atuação de organizações criminosas e, nesta questão específica da saúde, não há dúvida que nós temos indícios do crime de genocídio", acrescentou.
A situação chegou a este ponto, mas não foi por falta de aviso. Ao todo, foram 21 ofícios com pedidos de socorro em 4 anos. Sem resposta. "Eu mandei várias vezes ofício para o governo para o Governo Federal, avisando que os Yanomami estavam doentes e desnutrição grave, para fazer uma ação na Terra Indígena Yanomami, com fotos. Mas nunca responderam para nós", relembra Junior Hekurari.
Além disso, nos últimos anos, o Governo Federal não cumpriu uma decisão do Supremo Tribunal Federal que ordenava a retirada de todos os garimpeiros daqui da Terra Indígena Yanomami. A decisão, também de 2020, em plena pandemia, alertava para o risco de uma crise como esta.
Garimpo
No ano passado, três operações conjuntas de combate ao garimpo foram planejadas. Duas foram canceladas porque o Ministério da Defesa não disponibilizou helicópteros de grande porte, necessários para operar na terra indígena.
Na terceira, agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Polícia Federal destruíram ou apreenderam uma centena de aeronaves e inutilizaram boa parte da infraestrutura do garimpo.
O ex-presidente Bolsonaro esteve em Roraima e visitou um garimpo ilegal. Ainda quando deputado, ele propôs acabar com a Terra Indígena Yanomami porque é "riquíssima em madeiras nobres e metais raros". No dia 21 de janeiro deste ano, o Bolsonaro afirmou que a fome Yanomami é uma farsa da esquerda — e que o governo dele executou 20 operações de saúde em terras indígenas.
Garimpo cerca aldeias da região - Paulo Zero
Garimpo cerca aldeias da regiãoPaulo Zero
Na última quinta-feira, 26, o Supremo Tribunal Federal (STF), disse que identificou indícios de que o governo Bolsonaro teria fornecido informações falsas à Justiça sobre assistência e proteção à comunidade Yanomami.
Vale constar que ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier, nem o ex-Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira comentaram sobre as acusações de genocídio.
A Polícia Federal, Ibama, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Ministério da Defesa estão planejando operações para expulsar de vez o garimpo. A tarefa é imensa e, para o povo Yanomami, pode levar anos para recuperar as roças e os rios voltarem a ter vida.
Para o secretário da Secretaria Especial de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, o trabalho de retirada dos garimpeiros é essencial para a recupareção da tribo. "O que eu presenciei aqui foi uma operação de guerra. aeronaves descendo, trazendo e levando pacientes em estado grave. Presenciar garimpeiros ali coagindo, inclusive, a nossa equipe. (…) Então, a remoção desses garimpeiros seria a estratégia mais adequada para assegurar primeiro a soberania do território nacional e também a sobrevivência do povo yanomami nesse território."