Ex-comandante da Marinha no governo Bolsonaro, Almir GarnierReprodução/redes sociais/TV Justiça

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta terça-feira (10), mais uma etapa dos interrogatórios dos réus do "núcleo crucial" por participação na trama golpista para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após as eleições de 2022. O primeiro a ser ouvido neste segundo dia de depoimentos será o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier.
As investigações da Procuradoria-Geral da República (PGR) apontam que o militar aderiu ao plano de golpe.
 
 
Da lista de 8 réus, ele é o segundo a prestar esclarecimentos ao relator Alexandre de Moraes e ao PGR  Paulo Gonet. As oitivas são feitas em ordem alfabética.
Como não há previsão de horário para acabar, a expectativa é que os interrogatórios avancem para a maior parte dos seis réus que ainda não falaram. 
Na segunda-feira (9), foram realizados os interrogatórios do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, primeiro a falar por ser delator do caso, e o deputado federal Alexandre Ramagem. 
Os réus estão sendo chamados por ordem alfabética: Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil).

Braga Netto será ouvido por videoconferência do Comando da 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro, onde está preso desde dezembro de 2024.

Moraes espera concluir os interrogatórios até a próxima sexta-feira (13).
Veja o cronograma de depoimentos:

- Segunda-feira (9 de junho): 14h;

- Terça-feira (10 de junho): 9h;

- Quarta-feira (11 de junho): 8h;

- Quinta-feira (12 de junho): 9h;

- Sexta-feira (13 de junho): 9h.

Os réus estão sentados lado a lado e devem permanecer na sala de sessões. Eles só podem pedir para ser dispensados das audiências quando chegar a vez de prestar depoimento. Todos têm o direito de ficar em silêncio.

A defesa de Braga Netto chegou a pedir o sigilo do depoimento alegando que "não é razoável que o ato mais importante de autodefesa seja realizado sob a mira de câmeras". Moraes negou o pedido por considerar que os advogados não demonstraram "efetivo prejuízo" no interrogatório público.
Primeiro dia de depoimentos
O interrogatório começou com Mauro Cid, que fechou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal. Ele confirmou a veracidade da denúncia da PGR e declarou: "Presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles".
Jair Bolsonaro cogitou e editou um plano para implementar um estado de sítio e realizar novas eleições em 2022, após sua derrota eleitoral para Lula, confirmou seu ex-braço direito e coacusado no julgamento contra o ex-presidente.

"Estou com a consciência tranquila", disse o ex-chefe do Executivo, que se declara inocente.

Em fevereiro, a PGR acusou Bolsonaro, 70 anos, de liderar uma "organização criminosa" para não reconhecer o resultado das eleições de outubro de 2022 e impedir a posse de Lula.

A suposta trama golpista teria fracassado por falta de apoio dos comandantes militares, mas Bolsonaro e outros sete ex-colaboradores podem receber sentenças de 40 anos de prisão se forem condenados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Vestido com um terno escuro e sem seu traje informal habitual, o ex-presidente sentou-se ao lado de outros réus e de seus advogados em uma fileira em frente ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, a quem já chamou de "ditador".

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, confirmou a existência de um documento para ativar o "estado de sítio" e "refazer as eleições" em 2022.

Bolsonaro "recebeu e leu" o documento apresentado por seus assessores, que previa a "prisão de autoridades" e a criação de um "conselho eleitoral" para realizar novamente as eleições vencidas por Lula, afirmou Cid, que firmou um acordo de delação premiada com a Justiça.

O ex-presidente "enxugou o conteúdo" do documento e "somente o senhor [Moraes] ficaria como preso", disse Cid a Moraes, o que provocou uma risada de Bolsonaro na sala e uma piada do ministro, que comentou que as demais autoridades teriam sido beneficiadas por "um habeas corpus".

'Não me lembro' 

O ex-braço direito também confirmou que o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice de Bolsonaro, entregou a ele dinheiro em uma caixa de vinho.

Segundo o inquérito policial, essa quantia seria usada para financiar uma operação de "kids pretos", militares de elite do Exército, para assassinar Lula, Moraes e o vice-presidente Geraldo Alckmin.

Cid foi interrogado ao longo de quatro horas e, em alguns momentos, mostrou-se hesitante. Respondeu "não me lembro" a várias perguntas feitas por ministros do STF, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e os advogados de defesa.

Na sequência, foi a vez do segundo e último coacusado a ser interrogado na segunda, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal, Alexandre Ramagem (PL/RJ).

Ramagem negou ter disseminado desinformação sobre o processo eleitoral e garantiu que nunca compartilhou com Bolsonaro suas "anotações privadas" sobre uma suposta fraude nas urnas, que, segundo a PGR, serviriam para fomentar o golpe.
Ele também negou ter usado o órgão para monitorar ilegalmente a rotina de ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o governo de Jair Bolsonaro.
Por sua vez, o ministro Alexandre de Moraes, considerado um inimigo pelo bolsonarismo, mostrou-se descontraído e fez alguns comentários jocosos aos advogados.

Um deles pediu para iniciar a audiência desta terça-feira "um pouco mais tarde", ao que Moraes respondeu: "Vamos ver se terminamos amanhã. O senhor ainda tem quarta-feira para tomar um belo brunch, quinta é o jantar do Dia dos Namorados, e sexta é dia de Santo Antônio — quem sabe o senhor comemora também numa quermesse?"

'Não tem por que me condenar' 

"Não tem por que me condenar. Estou com a consciência tranquila", disse Bolsonaro a jornalistas durante um intervalo na audiência, e menosprezou a acusação por ter "só um colaborador" contra ele.

Embora tenha o direito de permanecer em silêncio, o ex-presidente havia dito na semana passada à imprensa que responderia sem problemas aos questionamentos da corte.

Os interrogatórios acontecem na sede do STF, um dos prédios depredados por apoiadores de Bolsonaro em Brasília em janeiro de 2023 para pedir aos militares que derrubassem Lula, uma ação à qual a PGR também vincula o ex-presidente.

*Com informações da AFP