No show de quarta-feira no Qualistage, na Barra, Arnaldo Antunes falou da falta que o guitarrista faz, mas preferiu celebrar a sua presença. E esse é um dos maiores desafios de quem já perdeu alguém: manter a vivacidade apesar da ausênciaArte: Paulo Márcio

Já faz um tempinho que venho fazendo um balanço pessoal do que vivi em 2023. E a minha grande lição foi entender que nós temos múltiplos sentidos, assim como a jornada se compõe de ambiguidades. Não nos cabe um só rótulo, da mesma maneira que a travessia de um ano não aceita somente um adjetivo.
Revirando os meus pensamentos, rumei na quarta-feira para conferir o show dos Titãs, em um casa de shows na Barra da Tijuca. E vi ali uma dualidade constante naquela apresentação. No palco, o telão atrás dos integrantes da banda os tornava gigantes e amplificados, como de fato são. Ao mesmo tempo, a poucos metros de onde eu estava, eles eram incrivelmente humanos, como também são. É mesmo mágica a maneira como a genialidade e a simplicidade podem caminhar juntas.
Pensei também em como os Titãs são veteranos e joviais, experientes e atuais. Suas letras, que já faziam muito sentido há décadas, ainda seguem contemporâneas. E isso pode parecer contraditório para quem só sabe escolher um rótulo para definir a vida: velho ou novo; ultrapassado ou atual. Pertinho deles, prestei ainda mais atenção à cada palavra, escancarando contradições bem reais: "Eu não sabia/ Que o homem criava e também destruía".
Na pista, de frente para o palco, também reparei em como cada integrante é único, na forma de se vestir e de fazer sua performance no show. E justamente pelas diferenças, eles formam um conjunto.
As possibilidades da vida se afloraram ainda mais no momento acústico do show. Os músicos sentaram no palco e se tornaram ainda maiores do que já são. Arnaldo Antunes chamou Alice Fromer para cantar. Ela é filha de Marcelo Fromer, morto em 2001. Arnaldo falou da falta que o guitarrista faz, mas preferiu celebrar a sua presença. E esse é um dos maiores desafios de quem já perdeu alguém: manter a vivacidade apesar da ausência.
Da mesma maneira, Paulo Miklos reverenciou Erasmo Carlos, exatamente no dia em que fazia um ano da morte do Tremendão. E assim os Titãs cantaram: "Quem espera que a vida/ Seja feita de ilusão..." Novamente, estava ali a presença marcante na falta física.
Para celebrar a vida, a presença de Paulinho da Viola na plateia foi festejada. Afinal, quem disse que sambista não gosta de rock e roqueiro não curte samba?
E ainda desafiando a nossa mania de dar diagnósticos fechados para a vida, Branco Mello subiu ao palco. Não acompanhou seus companheiros em todo o show, por ter se submetido recentemente a uma cirurgia para a retirada de um tumor na língua. Mas apareceu em diversos momentos, cumprimentou a plateia, cantou e performou... Muito! Há mesmo uma linha tênue entre a dor e a esperança, e achar esse equilíbrio é também uma arte.
Voltei para casa, já depois da meia-noite, entendendo por que a minha irmã e uma querida amiga, que já haviam assistido ao show, disseram que eu iria amar a apresentação. Eu amei mesmo! E amanheci na quinta-feira certa de que ainda quero amar mais — família, amigos e experiências — e ver mais o sol se pôr. Afinal, como cantaram os Titãs ao entoarem a canção de Erasmo e Roberto Carlos: "É preciso saber viver".