Em um dos dias, no ir e vir de um passeio na van, ainda me encontrei nos sentimentos de quem cuida dos seus pais e lamenta a teimosia deles em tratamentos médicosArte: Paulo Márcio
Ponto de encontro
Segui ouvindo a conversa na van e achei lindo quando um jornalista disse que uma amiga o visitou em sua cidade e reparou em uma flor que ele até então não havia notado. O olhar e a perspectiva realmente mudam tudo
Logo no meu primeiro bate-papo com o chef francês Abdel El Baïz, eu perguntei a ele em inglês sobre o segredo de um bom chocolate. A resposta foi imediata: “Love!” Justamente o amor, uma palavra-chave para cancerianos como eu. Aliás, esta cena foi apenas um pequeno recorte da minha viagem recente a Ilhéus. Com um grupo de jornalistas convidados para cobrir o Chocolat Bahia, embarquei na experiência mágica de conhecer parte da essência do nosso país. Havia profissionais de diferentes cantos do Brasil: Pará, São Paulo, Brasília com origem em Goiânia, e da própria Bahia, além de Portugal.
O que senti nessa jornada foi uma mescla de diferentes universos. Depois, o mesmo Abdel me explicou em espanhol sobre o processo que envolve várias etapas e exige paciência para que o cacau saia da árvore e se transforme na iguaria que conquista tanta gente, inclusive eu. Exatamente por isso ele é feito de amor, que necessita de construção diária. E isso ficou evidente no chocolate em formato de coração, embrulhado com papel dourado e servido na Fazenda Santa Ana, em Itacaré.
Durante a viagem, foi incrível perceber como podemos nos encontrar e nos identificar em alguns aspectos. Foi a percepção que a jornalista portuguesa teve quando comentamos sobre as nossas diferenças regionais no Brasil. Acho curioso que em São Paulo o cachorro-quente venha com purê enquanto os paulistas estranham a opção no Rio pelo ovo de codorna no pão com salsicha. Além, é claro, da eterna polêmica entre biscoito e bolacha.
Em um dos dias, no ir e vir de um passeio na van, ainda me encontrei nos sentimentos de quem cuida dos seus pais e lamenta a teimosia deles em tratamentos médicos. Também fiquei ouvindo o papo em que diziam que devemos ser turistas em nossa própria terra. E me lembrei de quando aproveitei férias no Rio após a morte da minha mãe, redescobrindo caminhos externos e internos. Segui ouvindo a conversa na van e achei lindo quando um jornalista disse que uma amiga o visitou em sua cidade e reparou em uma flor que ele até então não havia notado. O olhar e a perspectiva realmente mudam tudo. No mesmo passeio, no balanço pelas ruas de terra em Ilhéus, ainda temi pela volta dos enjoos que me acompanhavam nas viagens de carro na infância. E descobri que outra jornalista sofre com o mesmo problema.
Longe de casa, a memória da minha avó, costureira das boas, renasceu quando conheci Dadá. Proprietária da Fazenda Irerê, ela nos mostrou sua máquina de costura e a casa feita de carinho e arte. As janelas e portas são azuis, cor preferida da minha irmã. Aliás, é incrível como a gente pode rumar para bem longe e, ao mesmo tempo, nunca se distanciar das origens.
Seguindo por essas semelhanças que nos aproximam, eu me reconheci no horóscopo das “férias ideais” trazido em uma revista portuguesa. Estava escrito que o caranguejo, símbolo de câncer, adora curtir seu descanso em família. E quando o papo entrou pelo mundo do cinema, pessoas tão diferentes gostaram dos mesmos filmes, com gêneros muito variados: de ‘Divertida Mente 2’, passando por passando por ‘Nasce uma Estrela’, com Lady Gaga e Bradley Cooper, até chegar a ‘Assassino da Lua das Flores’, com Robert De Niro, Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone. E tudo isso é prova de que sempre pode haver um ponto de encontro entre os nossos mundos tão diversos.
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