Lá mesmo na casa de praia, viajei por saudades. A travessia pelo passado começou assim que passei do portão e continuou quando abri o armário da sala de jantar e as taças de plástico personalizadas de Réveillons anteriores começaram a cair no chão Arte: Kiko

Recentemente, entrei de férias e viajei para alguns destinos. Muitos deles, no entanto, não estão em um mapa físico. Embarquei em coragens adormecidas, como a de dirigir em uma estrada. Fiz duas viagens assim, ambas no Estado do Rio, adotando cautela no percurso. Em uma delas, até brinquei que havia ultrapassado três carros, contando ida e volta. Ao saber da história, um senhor com quem faço aula de pilates disse, de forma muito bem-humorada, que os veículos que deixei para trás estavam todos parados.
A questão, na verdade, não é ser mais rápida do que os outros, mas sim não ir além do que tenho segurança para fazer ao volante. Aliás, na vida não precisamos ser mais velozes do que ninguém. Não deveria haver competição de jornadas, embora a gente cresça nutrindo comparações. Vivemos estipulando idades certas para determinadas conquistas ou fases da vida e nos esquecemos de que cada trajetória é única.
Ainda sobre as férias, rumei para o desconhecido em lugares que nunca estive antes e para locais que costumo frequentar. Por mais que pareça contraditório, acredito que possa haver ineditismo ao revisitarmos espaços rotineiros. Ainda na minha travessia de coragem, segui dirigindo por uma estrada de terra até encontrar uma cachoeira, passeio que fiz pouquíssimas vezes na vida e descobri ser revigorante.
Também desfiz as bagagens de saudades nos reencontros com amigas que não via há muito tempo. Na correria do dia a dia, aquele famoso papo de "vamos marcar" começa a ser repetido de forma automática. Até que o momento nunca chega e, um dia, a gente toma conhecimento de partidas repentinas e se arrepende dos adiamentos. Mas hoje ainda pode ser uma boa hora para rever ou falar com alguém.
Assim, aproveitei as férias para colocar os papos em dia presencialmente. Foi interessante perceber as diferentes conversas em diversos grupos. Com algumas pessoas, os papos são pausados e, com outras, as falas são sobrepostas. Parece que todos têm algo a dizer ao mesmo tempo, e a gente fica naquela expectativa de uma brecha para encaixar algum comentário. Em outros núcleos, há quem seja menos acelerado, pare e pergunte: "Fala de você! Como você está?" Mas nem posso criticar os tagarelas. Minha irmã, inclusive, disse que sou um deles: durante os encontros, leio posts de que gosto, cito psicólogos que admiro e, claro, falo minhas bobagens infinitas. Eu gosto de compartilhar o que vejo, leio e aprendo.
É até curioso notar como as conversas com amigas de infância mudaram. Novos assuntos são recorrentes, como os cuidados com a saúde e a necessidade de fazer exercícios físicos para um envelhecimento saudável. Também compartilhamos notícias das famílias e preocupações com (a rebeldia) dos nossos pais. Para quem tem criança na família, o papo é sobre como elas cresceram e o tempo voou. Até porque os pequenos nem são mais tão miúdos assim.
Também embarquei nas impressões que os outros têm de pessoas que amo. Foi o que aconteceu na casa de praia, quando recebi um rapaz que costuma fazer alguns serviços por lá. Ele me perguntou sobre o meu pai, que não tinha viajado daquela vez, e comentou: "Seu pai é muito gente boa. Só 'chora' pelo preço. Na verdade, ele só finge que 'chora'. Se duvidar, me dá até gorjeta".
Lá mesmo na casa de praia, viajei por saudades. A travessia pelo passado começou assim que passei do portão e continuou quando abri o armário da sala de jantar e as taças de plástico personalizadas de Réveillons anteriores começaram a cair no chão.
Já no finzinho do descanso, fui amadurecendo a ideia de voltar a fazer musculação. Durante um tempo, há alguns anos, fiz exercícios físicos em um local onde eu me perguntava por que não gostavam de mim ali. Até que me dei conta de que eu estava me questionando de forma errada e, enfim, entendi por que não fazia mais sentido eu ficar ali. Acredito que aquele obstáculo ainda estava dentro de mim, até que resolvi dar uma nova chance não para a academia, mas para mim mesma. Afinal de contas, o novo também pode ser uma grande viagem.
Assim, aproveitei as férias para fazer uma travessia por sentimentos, descanso e saudosismo. Sem pressa de chegar. Afinal, só eu conheço os meus pontos de partida, as paradas e as velocidades do meu próprio percurso.