A sós com os meus pensamentos, ainda tentei imaginar em que fase da vida eu teria decorado as letras do repertório de Roberto CarlosArte: Paulo Márcio

A bolsa laranja foi herança da minha mãe e sintonizou com a calça que eu usava no mesmo tom. A blusa e a echarpe, ambas na cor verde água, vieram do acervo da minha irmã. A sandália recém-comprada foi novidade no meu look, tão acostumado aos tênis de uns tempos para cá — justamente por isso escolhi um salto mais quadrado para não correr riscos ao tentar me equilibrar nele. Para a maquiagem, recorri a um lápis de olho que ganhei recentemente, além de uma base, pó compacto, blush e batom, alguns itens que suspeito não saber usar corretamente.
Assim, eu me vesti de saudade para assistir ao show de Roberto Carlos, no sábado à noite, em uma casa de espetáculos na Barra da Tijuca. Ao pensar no visual, eu também preparei a minha alma para ouvir as canções que ele interpreta para muitos de nós. Mesmo sem saber, o Rei cantava músicas para a minha mãe — que há cinco anos me vê de outro plano e sempre lembrava, orgulhosa e feliz, do dia em que havia recebido uma rosa dele em um show.
Naquele sábado à noite, minha cunhada foi a parceira de diversão: enquanto nós duas cantávamos emoções com o Rei, meu namorado e o marido dela estavam a poucos quilômetros dali, em outra casa de shows, assistindo à despedida do Sepultura. Inclusive, eu e meu namorado começamos o sábado alternando canções no aplicativo que ecoava músicas pela casa. Na brincadeira, eu escolhia uma canção do Roberto Carlos e, logo a seguir, ele pedia uma música da banda de heavy metal. Eu quis ouvir 'Café da Manhã', 'Lady Laura' e por aí foi... A primeira opção dele foi 'Roots Bloody Roots' ('Raízes, raízes sangrentas'). Aqueles momentos em casa eram o famoso pré-festa que a minha mãe tanto amava. Aliás, também tenho certeza de que ela adoraria essa nova família que ganhei através do namoro.
A sós com os meus pensamentos, ainda tentei imaginar em que fase da vida eu teria decorado as letras do repertório de Roberto Carlos. Tenho vaga lembrança de as músicas tocarem no frescão, bem cedinho, lá pelas 6h, quando eu deixava Caxias, na Baixada, para estudar no Catete, na capital fluminense. Eu tinha uns 15 anos naquela época. O fato é que, durante o show, bastava um acorde de uma canção para alguém na plateia identificá-la rapidamente e dizer: "Esta é um clássico!" Aconteceu quando 'Detalhes' começou a ser entoada: "Não adianta nem tentar me esquecer/ Durante muito tempo em sua vida/ Eu vou viver..." Afinal, amar é um dos exercícios mais tradicionais da vida, mesmo que o outro nos revele os erros do seu "português ruim", como diz a música.
Ao nosso lado na plateia, um senhor transbordava alegria. Inclusive, em algum momento do espetáculo, ele se levantou do lugar onde estava sentado e, minutos depois, retornou nos contando: "Fui ao banheiro e no caminho encontrei um senhor chorando. Ele estava muito emocionado com o show e me abraçou". Realmente, Roberto Carlos embala uma infinidade de histórias.
Assim, eu olhava as mesas em frente ao palco, especialmente quando a luz incidia sobre o público, e ficava admirando os cabelos grisalhos ali presentes. Também via muita gente cantando e balançando os ombros de um lado para o outro, como eu fazia. Inclusive, imaginava como a minha mãe havia sido feliz nos dois shows que ela viu do Rei. Eu também estava feliz naquele momento!
Enquanto Roberto emendava sucessos, eu segurava no meu colo a bolsa laranja que herdei dela e passava as mãos pelos pompons macios da echarpe da minha irmã. Juntas, todas essas memórias me abraçavam com a certeza de que ouvir o Rei nunca será algo trivial para mim. Eu cantei, dancei e entoei os versos para reforçar a existência da minha mãe. Para ela, aliás, eu poderia pegar um música que talvez seja direcionada a um par amoroso e cantar um trecho: “Você é a saudade que eu gosto de ter/ Só assim, sinto você bem perto de mim/ Outra vez”.