Também recordaram a Adriana Calcanhoto e a linda canção ‘Inverno’: "No dia em que fui mais feliz/ Eu vi um avião..." No burburinho da pizzaria, eu perguntei: "É aquela letra dos cariocas não gostam de dias nublados?" Não era. É outra música, mas também cantada pela voz suave e acolhedora da mesma artistaArte: Paulo Márcio

Talvez poucos diálogos se entendam tão bem, com tanta conexão e caos, quanto aqueles travados à mesa de um rodízio de pizzaria, com o restaurante lotado, em um sábado à noite. É o lugar onde alguém leva um lindo bolo de aniversário, e a gente fica de olho na guloseima, só imaginando: “Deve ser delicioso!”. Em algum momento, os organizadores do espaço interrompem aquele barulho de pratos pra lá e pra cá e colocam para tocar uma das músicas de parabéns mais famosas, pelo menos para quem já foi uma baixinha da Xuxa, como eu: “Hoje vai ser uma festa/ Bolo e guaraná/ Muito doce pra você...”
Quando a música acaba, o papo volta ao frenesi de quem tenta se fazer ouvir no meio do salão lotado e cheio de burburinho. À mesa, eu e minhas companhias trazíamos à tona memórias de filmes e séries marcantes. Felizmente, eu me identifiquei com a pessoa que descrevia uma obra da mesma forma que costumo fazer: “Sabe aquela série que debate questões éticas? Tem aquela atriz...” É nessa hora que eu cito um artista e posso jurar que ele faz parte do elenco, mas na verdade não faz. Isso me lembra uma vez em que confundi duas atrizes americanas achando que eram a mesma pessoa e só me convenci do contrário depois que o meu namorado me mostrou as fotos das duas. Outro dia, em casa, até cheguei a pular do assento apontando para a televisão enquanto assistia a uma cena: “’Psiquiatra ao lado’! É o ator da série ‘Psiquiatra ao lado!’” Adivinha? Não era!
Assim também se passou o bate-papo na pizzaria. Não optamos pelo rodízio. Preferimos o cardápio à la carte, com as clássicas pizzas com metade de um sabor e metade de outro. Fizemos mesmo um revezamento de opiniões e histórias. Até que nós chegamos ao papo sobre vozes que marcaram época. Não sei em que momento enveredamos para este assunto. E o legal desse ambiente é justamente o desencontro de informações que se reúnem e despertam lembranças.
Ao meu lado, meu namorado disse que parecia que estávamos brincando de “Imagem e ação”. Ou seja, fazendo mímica para descobrir a lembrança que o outro trazia à tona mas não sabia descrever muito bem. “Aquela cantora morena, dos anos 80 e 90, muito boa...” E não é que alguém acertou de primeira? Era a Zélia Duncan! Assim, passamos por vários artistas. Houve quem tentasse acionar o Spotify para ouvir novamente aqueles timbres tão conhecidos, mas o burburinho do restaurante nos obrigava a colocar o celular bem pertinho do ouvido para tentar escutar algum acorde. Curiosamente, acho que eu também apertava os olhos nessa tentativa, além de balançar a cabeça para bem perto do aparelho, como se isso pudesse ajudar de alguma forma.
Também recordaram a Adriana Calcanhoto e a linda canção ‘Inverno’: “No dia em que fui mais feliz/ Eu vi um avião...” No burburinho da pizzaria, eu perguntei: “É aquela letra dos cariocas não gostam de dias nublados?” Não era. É outra música, mas também cantada pela voz suave e acolhedora da mesma artista. Nesse vaivém de memórias, Xuxa e seu “hoje vai ser uma festa” devem ter tocado mais umas duas vezes. Teve também as duas pizzas chegando à mesa e não deixando espaço nenhum para os pratos. Será que falamos de boca cheia? Acho que não. Como éramos quatro, imagino que fizemos uma sincronia quase perfeita: enquanto um comia, o outro gesticulava, mais um comentava algo e o quarto tentava adivinhar a charada.
No fim, já com a conta paga, saímos da pizzaria e alguém do grupo, que trabalha com educação infantil, fazia uma pesquisa no celular sobre papel celofane. Devia ser umas 23h de sábado, mas a nossa mente é assim mesmo, totalmente aleatória. Quando ouvi o comentário dando conta da tal busca no Google sobre um tipo de papel, os ruídos do restaurante pareciam ainda me acompanhar e eu não titubeei: “Gente, ela deve estar ouvindo aquela música no Spotify...” E saí cantarolando de um jeito que ninguém entendeu — sim, eu tenho um ritmo incompreendido. Sabe qual era a canção que me veio à memória? “Brinquedo de papel marché...