Penso que não cresci com o costume de refletir sobre a finitude da vida, provavelmente porque não tive lutos na infância que me levassem a isso. Mas, de uns tempos para cá, esse assunto me instigaArte: Kiko
Velhice
É claro que haverá incógnitas no caminho, e a incerteza do amanhã é mesmo angustiante. Mas, felizmente, é sempre um alívio ouvir a sensatez da atriz Fernanda Montenegro, de 95 anos. "A angústia é sinal de vida", disse ela. Eu pensei: "Ufa, estou viva!"
Certo dia, estava em uma ligação telefônica com um querido amigo, daqueles que unem amor e implicância ao mesmo tempo. Após ver uma imagem minha no Instagram, ele comentou: "Tenho que admitir: você vai ficar uma velha bonita". O primeiro impacto foi achar que o "velha" tinha sido uma provocação, mas eu sorri e aceitei o elogio. Isso me fez pensar como ainda sentimos que "velho" é usado como algo pejorativo quando, na verdade, essa palavra expressa uma nova fase da nossa existência.
Penso que não cresci com o costume de refletir sobre a finitude da vida, provavelmente porque não tive lutos na infância que me levassem a isso. Mas, de uns tempos para cá, esse assunto me instiga. Na semana passada, inclusive, me deparei com um vídeo que uma querida amiga, a Márcia, havia me enviado. Nele, a antropóloga Mirian Goldenberg perguntava justamente se temos medo de envelhecer. Logo lembrei que a jornalista Renata Ceribelli havia feito um post com um tema parecido e resolvi resgatá-lo. Renata contava ter recebido uma mensagem de uma mulher de 36 anos dizendo estar assustada com a idade. E completava: "Proponho aqui uma reflexão para iniciar a semana: você tem mais medo de morrer ou de envelhecer?".
Sinto que não é o momento da morte que me assusta — embora ninguém tenha a comprovação do que acontece depois daqui. O receio está no caminho até ir embora deste plano. Adoecer e não ter autonomia para desempenhar atividades são medos naturais. Afinal, virar a pessoa a ser cuidada e não mais a que cuida é um desafio e tanto, embora a gente sempre precise acarinhar a si mesmo enquanto zela por alguém.
Não é à toa que estou na travessia da leitura do livro 'A morte é um dia que vale a pena viver', da médica Ana Claudia Quintana Arantes, especializada em cuidados paliativos. Percorrer as palavras dela tem sido uma jornada com algumas pausas para mim. Tenho pensado, inclusive, por que recriminamos os mais velhos quando falam sobre a morte. Há até quem bata na madeira! A gente recorre à superstição para afastar o azar de não estar mais aqui — de um modo geral, sinto que reclamamos, mas gostamos da vida.
O fato é que estou atraída pela forma como a médica lida com esse destino inevitável: a morte. Ela costuma comparar o processo de envelhecimento a uma viagem: "A única maneira de não comparecer é morrer antes". Assim, nos instiga a pensar com que bagagem estamos caminhando para esse destino. É claro que haverá incógnitas no caminho, e a incerteza do amanhã é mesmo angustiante. Mas, felizmente, é sempre um alívio ouvir a sensatez da atriz Fernanda Montenegro, de 95 anos. "A angústia é sinal de vida", disse ela. Eu pensei: "Ufa, estou viva!".
Mas será que há algo a ser feito por uma velhice mais saudável? Aos 47 anos, entrei no time da minha irmã e de amigas que têm recorrido à musculação. Juntas, fazemos coro ao dizer que queremos autonomia para agachar na hora de amarrar o tênis, pegar algo no chão, empurrar o carrinho de compras no supermercado ou esticar o braço para alcançar alguma coisa na prateleira mais alta do armário... Pode ser que um acontecimento no meio do caminho torne as coisas mais difíceis, mas os médicos também dizem que ter uma vida saudável pode nos ajudar na reabilitação de alguns males.
Sei que parece triste pensar em tudo isso, escrever sobre a morte e reconhecer a velhice. Mas é ilusão lutarmos contra a nossa natureza. Também sei que não é nada fácil lidar com a mudança de aparência que o passar dos anos nos impõe. Olho para fotos e vejo que as marcas de expressão estão mais nítidas ao redor dos meus olhos. Desejo disfarçá-las com algum filtro, mas aí vejo mulheres lindas no Instagram que não escondem os sinais do tempo e me estimulam a mostrar os meus. Envelhecer também é um baita desafio para a nossa saúde mental.
Assim, pulando de post em post, cheguei a uma outra postagem, esta da jornalista Patricia Parenza, que fala sobre os desafios da menopausa. "Eu tenho 54 e estou na infância da velhice", escreveu ela, ao responder o comentário de uma seguidora. Achei linda essa ideia de que ainda há aprendizado na vida, não importa a idade!
Realmente, acredito que a travessia do envelhecimento fique melhor com ideias compartilhadas, como faço agora, inspirada por tantas mulheres, famosas e anônimas. O que importa é a humanidade que nos constitui, além da maneira como aproveitamos os momentos. Afinal, como diz a médica Ana Claudia, há "gente viva que vive de um jeito morto". Eu só desejo que possamos envelhecer e viver de um jeito vivo!
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