Neste dezembro, eu me sinto questionadora e reflexiva. Para onde vamos com tanta correria? Por que temos que satisfazer todos os desejos que plantamos dentro de nós com a quase certeza de que o amanhã não vai existir?Arte: Kiko

Veio da escritora Viviane Lucas, que conheci no mundo virtual e admiro há alguns anos, a definição para um sentimento que permeia o meu coração neste fim de ano. "Os exageros de dezembro me incomodam", escreveu, resumindo minha sensação neste encerramento de 2025. Ela ainda prosseguiu: "Há ruídos demais, carros demais, gente demais. Compras demais, nonsense demais, tempo perdido demais."
Eu me identifiquei com as palavras de Viviane — e é tão bom quando alguém diz ou escreve algo que faz morada positivamente dentro de nós. O encontro com o sentimento do outro nos faz perceber que não estamos sozinhos no modo de perceber a vida. E o pertencimento a algum espaço, especialmente o das sensações, é belo demais.
Neste dezembro, eu me sinto questionadora e reflexiva. Para onde vamos com tanta correria? Por que temos que satisfazer todos os desejos que plantamos dentro de nós com a quase certeza de que o amanhã não vai existir? Olho para o retrovisor da vida e admito que já enfrentei shopping lotado, tarde da noite, nesta época do ano, atrás do presente que não poderia faltar. E acho legítimo que a gente queira agradar a quem amamos. É bonito ver os olhinhos dos pequenos brilharem. Também acho linda a celebração em torno da família, um ritual que minha mãe nos deixou de herança e que fazemos questão de manter na noite do dia 24. Inclusive, seria impossível não gostar do mês em que minha mãe nasceu. Mas a vida mostra que o mais urgente é exatamente isso: o encontro e não a ostentação.
Dezembro realmente parece ser feito de urgências: as vagas no salão de beleza ficam disputadas, assim como as de estacionamento nas ruas e nos estabelecimentos comerciais. A lista de compras parece interminável. Mas será que já não podemos ter completude ao lado de quem amamos, mesmo que falte um item da ceia? Acredito que exista uma linha tênue entre gostar do clima natalino e entrar em um pensamento eterno de que há sempre algo pendente. Além disso, imagino que nem todo Natal é feliz. Há quem sinta a falta de alguém querido que não está mais aqui. E há quem esteja em uma realidade bem distante da fartura que a propaganda nos impõe. Inclusive, dezembro tem essa beleza da mão estendida em projetos sociais que levam um dia melhor para quem precisa.
No mesmo texto do Instagram que me encantou, Viviane segue dizendo que tenta fazer as pazes com dezembro. Também aposto que esta é uma época do ano em que certas singelezas podem ser manifestadas, como uma mensagem sincera e personalizada, bem diferente das listas de transmissões que proliferam recados padronizados. Enquanto engarrafamentos se multiplicam na cidade, podemos nos lembrar ainda dos abraços que transitam dentro de nós. Afinal, há lembranças que são colos e nos afagam. Há um "me lembrei de você" que não se apaga. Um "eu te amo" que não se mede. Há tempo para se descansar na leitura de um livro, na feitura de um texto, nos traços de um desenho, na pincelada de uma pintura, na produção de um artesanato... Na correria desenfreada, dezembro também pode ser aquele mês que reforça a sensação de que o ano passou voando e a melhor vida é a de hoje. Dá para ser feliz em dezembro sem a armadilha de ter que dar conta de tudo.