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Lembrei-me desse fato recentemente, no dia 2 de janeiro, quando recebi, em meu restaurante Fuego, o Prêmio Nobel da Paz e atual presidente do Timor Leste, José Ramos-Horta. Ele estava em Brasília para a posse do Lula e eu o recepcionei com um jantar no qual estavam ministros do Judiciário, ministros de Estado, governadores, a presidente do PT e outros amigos. Uma ótima carne, bons vinhos, cachaça - ele prefere - e jornalistas amigáveis. Uma noite em que era possível sentir no ar a mudança de ares em Brasília e no Brasil, devido a posse do novo presidente e a derrota do fascista.
O Ramos-Horta confidenciou-me que iria procurar o Lula e propor a ele que fizesse uma campanha pela paz entre Rússia e Ucrânia. Na visão dele, Lula teria estatura para levar essa questão e ser ouvido no mundo inteiro. Eu disse que essa guerra envolvia tantos interesses e que muitos líderes mundiais não estavam preocupados com o desastre humanitário.
Agora, no dia 24 de fevereiro, o conflito completa um ano. Os dados são desencontrados, mas há quem fale em 180 mil soldados russos e 100 mil ucranianos mortos em combate. E a tragédia do assassinato de, pelo menos, 40 mil civis. A guerra vulgarizou, virou banal e não ocupa mais os noticiários. Depois de tantas imagens cruéis exibidas com o natural espanto, o dia a dia da dor deixou de comover.
Dificilmente a intervenção do presidente Lula pode realmente surtir o efeito desejado. Essa guerra é muito maior, infelizmente, que a tragédia humanitária que ela representa. Os interesses não estão postos, com clareza, numa mesa de negociação e superam os protocolos humanistas. Mas uma coisa chama a atenção: o papel do presidente Lula no mundo. Depois de convivermos com um pária insensível e desprezível como presidente do Brasil, que nos relegou ao ostracismo e que envergonhava o país, Lula volta à cena como um estadista.
No mundo da diplomacia, mesmo com a manipulação econômica dando as cartas, ainda tem lugar o valor simbólico dos atos. E Lula sabe, como ninguém, posicionar-se com dignidade e impor o respeito que o país precisa voltar a ter no cenário internacional. Pode não mudar a triste realidade de uma guerra cruenta e covarde, mas ver o Brasil de volta às questões humanistas que interessam nos faz bem e nos conforta.
Numa semana de uma catástrofe no litoral paulista com, pelo menos, 47 mortos, 40 desaparecidos e 1.500 desabrigados, tragados pela enchente em São Sebastião, e pela incompetência dos governantes, a presença do presidente Lula no local interrompendo imediatamente seu descanso nos leva, inexoravelmente, à comparação com o desastre ocasionado pelas chuvas na Bahia em 2021, quando o ex-presidente Bolsonaro, insensível e debochado, brincava com a dor dos outros enquanto andava de jet-ski em Santa Catarina.
Na vida, os gestos valem muito, mesmo quando, às vezes, eles não conseguem mudar a realidade. São atitudes que marcam a diferença entre a empatia e o desprezo, a arrogância e a solidariedade, a civilização e a barbárie. Seja em São Sebastião, ou em Kiev, a humanidade tem lado. E o lado do Lula nos acolhe. Merece anotar o bruxo Machado de Assis, “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco.”
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