Agro é pop, agro é tech. Parte do agro é fogo!Arte: Paulo Márcio
A fumaça que dominou o céu de boa parte do Brasil não impediu, apenas, que víssemos o horizonte. Foi muito além. Deixou no ar uma nuvem de perplexidade que fez com que não conseguíssemos distinguir e entender o porquê dessa ação orquestrada e criminosa. Foi como se tivessem sido erguidos muros que turvassem nossa visão e, ainda mais agoniante, juntamente com uma fuligem que, de alguma forma, nos tirasse o ar. Sem ar, sem enxergar e sem conseguir entender o motivo dessa trama sinistra.
Cresci na roça e me acostumei a ver incêndios em fazendas. Certa vez, menino de 8 anos, resolvi, irresponsavelmente, tentar ajudar a apagar um incêndio em um pasto. Nunca vou me esquecer da força e do poder do fogo. As chamas subiam perigosamente e o barulho do braquiária sendo queimado era algo que hipnotizava. Entre o medo e certo incontrolável e inexplicável prazer, fui tragado para o meio do incêndio e me vi cercado. Fui salvo pela ação corajosa e destemida do capataz da fazenda, que me enrolou em um saco de linhagem umedecido e furou a barreira do fogo comigo nos braços. Ainda dá para sentir o cheiro do capim queimado e o calor assustador e lembrar do fascínio perigoso das chamas.
Tantos anos depois, não é possível romancear os episódios criminosos que desestabilizam o país. Fora os apregoados bilionários prejuízos à economia, é necessário nos atentarmos para a gravidade e para a consequência de incêndios dessa dimensão e capilaridade. Os estragos vão muito além do que se pode aferir com a simples constatação dos prejuízos imediatos.
Para além desse levantamento e de medidas reparadoras, é imprescindível investigar a quem interessa essa ação criminosa. É importante ressaltar a pronta ação do Presidente Lula e de boa parte dos seus ministros e assessores. Um comitê de crise se empenhou para minimizar os danos. No meio do caos, foi sentida a ausência do ministro da Agricultura e houve quem, talvez injustamente, dissesse que o agro é pop, o agro é fogo.
Há dados que não podemos ignorar. Segundo o INPE, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, dos 645 municípios do estado de São Paulo, 200 registraram queimadas entre os dias 22, quinta-feira, e 24, sábado. E impressiona constatar que foram 2.621 focos nesses três dias contra 1.666 em todo o ano de 2023. Da mesma maneira, foi assustador o que ocorreu em Mato Grosso, onde houve um aumento de 236%. Se formos verificar as referências em todo o país, comparando de 19 a 25 de agosto de 2023 com agora, os focos mais que dobraram, saindo de 9.428 para 19.767. É impossível não nos remetermos ao “Dia do Fogo”, no fatídico 10 de agosto de 2019, quando uma ação coordenada de fazendeiros, garimpeiros e grileiros ateou fogo em vários pontos da Amazônia.
E devemos ter um olhar cuidadoso para as hipóteses criminais. Além do óbvio, que é a queima das matas e florestas, os incêndios levaram a bloqueios de estradas - só em Ribeirão Preto foram 17 estradas na região. Houve cancelamentos de voos e retiradas de moradores de muitas localidades. Sem contar a grave disseminação de poluentes nas densas névoas de fumaça. A lei prevê, expressamente, o crime de provocar incêndio em mata ou floresta, com penas de reclusão de dois a quatro anos. E há também previsão de punir ações que resultem em poluição e outros delitos ambientais.
Ou seja, causar poluição em níveis que resultem, ou possam resultar, em danos à saúde humana, ou que provoquem a morte de animais ou a destruição significativa da flora, pode dar condenação de reclusão de um a quatro anos. Da mesma maneira, pode resultar em pena de um a cinco anos se o crime tornar a área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana, provocar retirada, ainda que momentânea, das pessoas que habitam a área, causar danos à saúde da população, interromper o abastecimento de água e outras consequências. Quer dizer, as previsões legais existem. Resta apontar os responsáveis.
Não podemos desprezar, nessa investigação, o mote dos bolsonaristas para convocar para a manifestação contra o Supremo Tribunal em 7 de setembro. O cartaz é muito explícito: “Vai pegar fogo”. E essa expressão foi usada em vários vídeos e memes. Será que nada será apurado novamente?
É bom lembrar que, em 22 de abril de 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião ministerial com a presença do então Presidente Bolsonaro, covardemente, propôs aproveitar que a imprensa estava preocupada com a pandemia e que o governo deveria “passar a boiada” e fazer uma “baciada” de mudanças nas regras relacionadas à proteção ambiental e à área da agricultura, “simplificando o papel regulatório” sem precisar passar pelo Congresso. Com o apoio explícito do Bolsonaro e o suporte luxuoso do agro, que é pop. Passaram a boiada e agora tocam fogo no país.
Remeto-me a T.S. Eliot, no poema Os Homens Ocos:
“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!”
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