Pedras no caminho: por pressão política, trecho fundamental para a EF-118 corre o risco de não ser construídoMinistério da Infraestrutura

Quando a política atropela o bom senso, todos saem perdendo. Perdem os estados, perdem os municípios, perde o Brasil.
Sobre essa afirmação, destaco um fato que, pelo visto, tem passado despercebido à bancada fluminense no Congresso Nacional — e, talvez, ao próprio Palácio Guanabara: a possibilidade real de que o projeto de construção da ferrovia EF-118, que conectará portos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo à malha ferroviária nacional, seja substituído por um projeto ainda inviável, mas que interessa a um estado que tem uma bancada afinada com o governo federal.
Eu me refiro ao projeto de construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), que ligará o futuro Porto de Ilhéus (BA) a Figueirópolis (TO), ponto em que se conectará com a Ferrovia Norte Sul. Serão 1.527 quilômetros de linha férrea, que abrirão uma porta para a escoamento da produção agrícola e de minerais.
Mas... Futuro Porto de Ilhéus??
Sim. Na apresentação do projeto da FIOL, a palavra “futuro” aparece claramente no site da Infra S. A., a empresa pública federal, vinculada ao Ministério dos Transportes, dedicada à prestação de serviços de planejamento, estruturação de projetos, engenharia e inovação para o setor de transportes.
Ou seja: a ferrovia ligando a Bahia ao Tocantins ainda é um projeto sem viabilidade econômica. Não terá carga suficiente para transporte de trem, muito menos um porto pronto para recebê-la. Mas, lógico, interessa politicamente aos baianos.
Com a EF-118, ocorre o contrário. Em seu primeiro trecho, a ferrovia ligará o Porto do Açu, no litoral de São João da Barra, a Anchieta (ES), numa extensão de 170 quilômetros. O projeto de concessão já tramita na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com leilão previsto para o primeiro trimestre de 2026. Restarão 80 quilômetros entre Anchieta e Santa Leopoldina (ES) para que a EF-118 se conecte com a Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), abrindo um caminho altamente atrativo à exportação de pedras do Espírito Santo, minérios de Minas Gerais e da produção agrícola do Centro-Oeste (hoje prejudicada pela sobrecarga dos portos de Santos e Paranaguá).
Diferentemente do futuro Porto de Ilhéus, o Porto do Açu já opera desde 2014. Maior complexo porto-indústria da América Latina, ele possui o terceiro maior terminal privado de minério de ferro do Brasil e já responde por 30% da exportação de petróleo do país. Conta com 11 terminais de classe mundial e calado de 21,7 metros — capaz de receber os maiores navios do mundo. Com o Porto do Açu conectado à malha nacional através da EFVM, o Brasil solucionará um de seus principais gargalos logísticos.
Quando a lógica prevalece sobre os interesses políticos, as coisas acontecem. Mas, ao que parece, o caminho que se desenha é justamente o oposto.
O que está em jogo é justamente o trecho de 80 quilômetros entre Anchieta e Santa Leopoldina. Inicialmente, o governo federal havia firmado um acordo com a Vale para que a mineradora financiasse esse trecho, como contrapartida à renovação da concessão da EFVM e da Estrada de Ferro Carajás. Entretanto, as negociações não avançaram. Diversas fontes indicam que Brasília estaria pressionando a Vale a investir na FIOL, e não na EF-118. O alerta é claro: se o investimento for feito na Bahia, e não no Espírito Santo, a EF-118 já nascerá enfraquecida.
A pressão vem grande. Além do governador Jerônimo Rodrigues, a Bahia tem 22 deputados federais do PT. Com o projeto da FIOL em jogo, eles estão mobilizados e unidos às lideranças de outros partidos em torno do projeto. É justo, pois estão defendendo os interesses do estado pelo qual foram eleitos.
O que não faz sentido é o silêncio das lideranças fluminenses. Se a disputa ocorrer mesmo no campo da política, o Rio de Janeiro está em franca desvantagem. Talvez porque a maioria dos parlamentares que representam o estado em Brasília não consigam – ou não queiram — enxergar a EF-118 com a devida importância. Nas Audiências Públicas sobre o projeto de concessão promovidas pela ANTT no início do ano, poucos deram as caras.
No Espírito Santo é diferente. O projeto da ferrovia já mobiliza o governador Renato Casagrande e a bancada capixaba, composta por apenas dez deputados federais. Mas, para a ferrovia se tornar realidade, será preciso ampliar essa mobilização, envolvendo os 46 deputados do Rio de Janeiro e, possivelmente, os 53 de Minas Gerais.
O dilema que se impõe não é técnico, mas político — e isso revela a perversidade de um sistema em que projetos de interesse nacional são sacrificados em nome da conveniência eleitoral de alguns estados. O silêncio da bancada fluminense, aliado à falta de articulação do governo estadual, abre espaço para que a lógica seja mais uma vez soterrada pelo peso da barganha política. E, nesse jogo desigual, quem perde não é apenas o Rio ou o Espírito Santo — é o Brasil, condenado a repetir erros que o afastam da competitividade global e o mantém refém de velhos vícios de poder.