Ludmillah Anjos celebra sucesso e desabafa sobre desafios da TV brasileiraFoto: Quarta Dimensão
Ludmillah, no mês da Consciência Negra, como você vê o avanço da representatividade de atores e atrizes negras no Brasil?
“Acredito sim que o cenário esteja mudando e para melhor. Se a gente pegar 20 anos atrás da nossa história na televisão brasileira, não tinha uma representatividade no cenário de pessoas pretas, mulheres, homens, trans, LGBTQIAPN+ que estivessem nos lugares e cargos superior ao de empregada, lavadeira, babá. Hoje a gente já vê esse cenário diferente na televisão”.
“Isso é muito importante, é valoroso e a gente sente essa vitória de verdade a cada segundo e a cada passo que cada um de nós damos, mas a gente sabe que tem muito a avançar. Tem muito a avançar no cenário de marketing, publicidade e patentes querendo o nosso rosto querendo nossa imagem, o nosso corpo para representar essa ‘lata’. A gente não vê também apresentadores negros ou apresentadoras negras no cenário de programas de júri popular em horários nobres no Brasil. A gente tá avançando e cada conquista é muito válida para a gente chegar ao objetivo final que é a reparação de 500 anos de história. A gente já sabe”.
Sua carreira começou na música e depois transitou para a TV com a série “Encantados”. O que a motivou a buscar novos espaços e como foi a adaptação como mulher negra?
“Eu me sinto motivada todos os dias por grandes oportunidades e grandes lugares que é o que eu almejo e eu sei que eu mereço. Pelo tamanho do meu talento, pelo tamanho das coisas que eu acredito e pelas vidas que eu consigo transformar só sendo quem eu sou e isso faz toda a diferença. E se eu chegar - eu chegarei, porque eu luto todos os dias da minha vida, desde os 12 anos de idade para isso - eu vou trazer pessoas que eu possa ajudar e dar a oportunidade a essas pessoas de também prosperarem”.
“Porque eu acredito que o universo é abundante e todo mundo merece ter um lugar ao sol. Independente da sua classe social e incentivar a estudar e incentivar a crescer, querer cada vez mais. É um dever de cada ser humano nessa terra, especialmente por ser uma mulher preta criada por mãe solo, preta também, estudante de enfermagem … Adaptação para uma mulher preta é estudar mesmo, é procurar se informar a culturalmente, estar bem munida de informação e agarrar as oportunidades que lhe são dadas e, quando não são, a gente coloca o pé na porta e dá uma voadora celestial”.
Como enxerga a importância dos seus personagens na TV para abrir novas conversas sobre questões raciais no Brasil?
“Eu me sinto lisonjeada e honrada de representar Crystal, essa mulher brasileira, independente, autêntica, verdadeira que é muito difícil no cenário hoje do Brasil ainda hoje… É muito interessante ter ela na tela da TV representando essa mulher que é a rainha de bateria, que faz de tudo para poder assumir o controle da sua vida, resolve 25 coisas ao mesmo tempo, é a realidade da mulher brasileira. Naturalizar isso na televisão é muito importante para as mulheres que se sentem representadas por Cristal, por Olímpia, por Shaula”.
“Realmente a vida dela é uma vida como outra como qualquer ser humano que tem direito às oportunidades, que agarra todas as forças e corre atrás dos seus sonhos, que têm dificuldade também, mas que tem conquistas e é de verdade, esse cotidiano é muito natural. Isso é muito importante naturalizar: o cotidiano e a vivência principalmente das mulheres pretas nesse Brasil, traz a conscientização de que todos nós todos nós merecemos as mesmas oportunidades”.
Quais desafios enfrentou e ainda enfrenta no ambiente artístico? Pode nos contar um momento em que teve que lidar com preconceitos e como isso a fortaleceu?
“Já enfrentei muitos, principalmente preconceito racial, de estereótipo, pelo meu rosto, minha boca, meu nariz, meu olho e pelo meu corpo principalmente. Se eu for listar aqui, vai ser muito difícil para mim revisitar esses momentos, mas teve uma que me deixou muito muito assustada. Um jornalista de Salvador falou na época para uma professora que era muito chegada a mim, eu tinha participado do Ídolos 2006, que eu nunca ia para lugar nenhum porque eu era preta, gorda e periférica. Sem me conhecer, sem me ouvir.
E disse que era para essa pessoa me acalmar e trazer a realidade para minha vida para não deixar eu me iludir, para não me decepcionar, ficar depressiva. Foi muito marcante”.
“Respeito todos os jornalistas verdadeiros, que amam a profissão e são éticos, autênticos, mas isso me deixou muito triste, por muitos dias. Se eu tivesse surtado, dado o tipo de resposta que todo mundo espera da gente, eu seria a raivosa. Mas fui muito inteligente, muito bem educada pela minha mãe, que falou que ignorância sempre se combate com informação, cultura e educação. Estudei cada vez mais, melhorei e hoje eu estou aqui, onde ele falou que eu nunca iria chegar e ainda não cheguei nem perto do que eu vou chegar ainda. Isso aí é uma promessa e não é minha, é Divina, é de Deus, dos orixás”.
Qual mensagem você deixaria para jovens negras que, apesar dos obstáculos, desejam construir uma carreira nas artes?
“Graças a Deus muitas meninas me mandam mensagem falando que se inspiram em mim, na minha verdade, na minha autenticidade, na minha força e no meu caráter.. Eu digo para essas meninas: não é fácil. Mas o não você já tem você. Precisa abrir a porta para descobrir o tipo de clima que você vai ter que enfrentar. Porque você vai ter que continuar se aperfeiçoando, estudando e crescendo, evoluindo cada vez mais no que você sentir de verdade, na sua alma, que você precisa evoluir”.
“Não pense que é fácil, não pense que é tranquilo chegar. Não é, mas você tem força. Deus já te colocou aqui toda trabalhada na justiça para você correr atrás dos seus sonhos, dos seus objetivos e sua missão. Se dedique, mas viva também e aproveite cada momento com seus familiares, seus amores, seus amigos, cada vivência que você tenha. Mas não deixe de focar no objetivo final que é realizar o sonho da sua vida e entrar para as artes”.
Ao longo de sua trajetória, quem foram as pessoas ou referências negras que mais a inspiraram e ajudaram a moldar sua carreira?
“Witney Houston é uma das pessoas que eu mais escuto, Sandra de Sá, Elza Soares, Ed Motta, Alexandre Pires, Zezé Motta, Neuza Borges, Duh Mpraes, Vilma Mello, que conheci na promeira temporada do “Encantados”. Eu aprendi muito com ela. Beyoncé eu amo! Por tudo o que ela representa”.
Considerando toda a sua trajetória, como acredita que o audiovisual pode contribuir para uma maior valorização da cultura e história negra no Brasil?
“O audiovisual precisa evoluir, principalmente as pessoas que mais são independentes nesse Brasil. Sinto que sempre para as mulheres pretas no pop, no pagode, MPB, romântico, funk, tem que ser uma de cada vez. As brancas, são ao mesmo temp e elas se ajudam. E isso temos que aprender bastante. Chega no topo e traz outra preta, é assim que funciona a cadeia de todos os cenários tanto que o sertanejo, o funk tá aí revivendo. Por conta disso o axé. Infelizmente! Os artistas que já são consagrados poderiam fazer a mesma coisa. Sertanejo e o funk que fazem isso, se reinventam, reciclam. O audiovisual é muito injusto com as pessoas pretas”.
“As gravadoras não assinam contratos com a maioria das pessoas pretas. As pessoas brancas dentro do audiovisual têm muito mais valor só pela cor da pele, não pelo talento. Por exemplo, eu nunca tive alguém que financiasse a minha carreira. Tudo sou eu que faço. Deus, eu e a minha equipe, que são amigos, pessoas que acreditam no meu dom. Está na hora de dar uma oportunidade, de abrir esse leque pra artistas. A maneira que eles têm para contribuir com a valorização da cultura negra é realmente abrindo espaço para que a gente possa entrar de verdade, não uma de cada vez Porque a gente não é só uma. O preto e a preta não é uma pessoa só uma multidão”.
Em retrospectiva, como você enxerga a transformação do audiovisual brasileiro desde o início da sua carreira em relação à diversidade? Quais mudanças você ainda espera ver?
“Espero que as pessoas que tenham a caneta realmente abram o leque e deem a oportunidade no projeto aos novos artistas independentes que na sua maioria são artistas pretos… Quem ainda tem a gravadora que vai distribuir, que vai investir na carreira do artista, que consiga abrir esse leque maior, esse olhar maior para os artistas pretos e aí sim, a gente vai conseguir transformar de verdade o audiovisual, o cenário das gravadoras, da televisão. O diretor dar oportunidade de artistas pretas estarem em todos os papeis, seja de comédia, de vilã, de mocinha, a gente consegue fazer tudo isso. Então é abrir a visão mesmo, não se fechar no estereótipo e na imagem que já foi ditada".
Há algum papel específico que como atriz negra, você sonha em interpretar?
“‘Mudança de Hábito’, a Dolores, quero muito fazer e, se Deus quiser, Ele há de querer, farei em nome de Jesus. Assim que tiver a oportunidade de abrir a audição, eu estou colada! E outro papel que eu vou fazer também que eu não sei nem quando é que vai estrear ainda, é F do filme das “Dream Girls”, que a Jennifer Hudson ganhou o Oscar. Eu tenho muita vontade de fazer esse papel também”.
Ao olhar para sua trajetória, qual momento você considera o mais transformador para a sua carreira? Qual impacto teve na sua visão sobre o papel das mulheres negras na TV brasileira?
“Eu acredito que todo o papel que todas nós fazemos tem um impacto muito grande na vida de outra mulher preta, principalmente com a mesma estrutura de história que a gente tem que é super urbana. Eu sou de São Marcos do Coroado, de Salvador, Bahia é um bairro extremamente periférico e as pessoas se identificarem comigo me vendo na televisão, com o corpo do tamanho que ele é, lindo, maravilhoso. O meu sorriso, meu bocão, meu dentão, meu olhão, com esse rosto extremamente marcante, esse sorriso acolhedor. Acho que essa é a transformação mais importante na vida de outra pessoa, é se ver no cotidiano e na vivência e se encontrar no outro, falar: ‘Nossa, parece comigo!’. Isso para mim é transformador e tenho certeza que eu estou conseguindo”.
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