Grupo de pesquisas da Uerj analisa a saúde de morcegos e destaca que o primeiro passo para uma convivência mais saudável é informação Priscila Monteiro
Apaixonados por morcegos: conhecer é importante para conviver em harmonia
Pequenos mamíferos voadores são peças-chave para o equilíbrio ambiental
Você teria coragem de pegar um morcego com as próprias mãos? A resposta mais comum é um "não" decidido. Esses pequenos mamíferos alados carregam um pesado fardo cultural, pois são ligados a mitos, histórias de terror e doenças. Mas a realidade é bem diferente: sem eles, nossas florestas seriam mais frágeis, as plantações mais vulneráveis e até o preço do chocolate poderia disparar. Isso porque os morcegos são peças-chave para o equilíbrio ambiental, atuando em diferentes frentes dentro dos ecossistemas.
Os morcegos frugívoros, por exemplo, são responsáveis por espalhar sementes e ajudar na recuperação de áreas degradadas, por isso são conhecidos como os "jardineiros da noite". Já as espécies nectarívoras são aliadas na polinização de flores que desabrocham apenas à noite, como as agaves, usadas na produção da tequila.
Há ainda os morcegos insetívoros, verdadeiros controladores naturais de pragas. Um único indivíduo pode devorar milhares de insetos em poucas horas, incluindo mosquitos transmissores de doenças como a dengue. "Eles são grandes aliados das lavouras e da saúde pública", explica a bióloga e pesquisadora Elizabete Captivo Lourenço, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), bolsista do programa Pós-Doutorado Sênior da FAPERJ. Segundo ela, ao reduzir populações de insetos, os morcegos ajudam também a diminuir o uso de pesticidas, protegendo o ambiente e as pessoas.
Elizabete destaca ainda outro papel importante desses animais: o de bioindicadores. "Por serem extremamente sensíveis a mudanças ambientais, a presença ou ausência de certas espécies de morcegos é um reflexo direto da saúde dos ecossistemas", explica.
Foi durante a graduação em Ciências Biológicas, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que ela teve o primeiro contato com esses animais. "Bastou um único morcego para eu me apaixonar. Desde então, venho descobrindo o quanto esse grupo é fascinante e essencial para o planeta."
Casas de morcegos
Mesmo sendo vitais para o equilíbrio ambiental, os morcegos ainda enfrentam resistência, especialmente nas cidades, onde muitas pessoas se assustam ao encontrá-los em telhados ou sótãos.
A falta de informação leva à adoção de medidas cruéis e ineficazes, como o uso de naftalina, venenos, repelentes e até fogo para afastá-los. Além de não funcionar, essas práticas são criminosas, já que os morcegos são animais silvestres protegidos por lei.
Em razão desse cenário, a pesquisadora decidiu propor uma solução diferente. "Com apoio da FAPERJ e parceria com a startup Piper 3D e o Laboratório de Ecologia de Mamíferos da Uerj, desenvolvemos um projeto para oferecer uma alternativa segura tanto para os morcegos quanto para os moradores: as Bat Houses, ou casas de morcegos", conta Elizabete.
Esses abrigos artificiais imitam os esconderijos naturais das espécies, como fendas em árvores ou entre rochas, protegendo os animais contra o frio, o sol e predadores. Para funcionar bem, precisam seguir critérios específicos: ser feitos de madeira não tratada, com câmaras estreitas, cheiros familiares e instalados em locais ensolarados por pelo menos seis horas diárias, longe de galhos ou vegetação densa.
O grupo instalou oito dessas casas em residências no distrito de Lumiar, em Nova Friburgo (RJ). "Nosso objetivo é testar adaptações de modelos internacionais ao contexto brasileiro e incentivar uma convivência harmoniosa entre pessoas e morcegos", explica a pesquisadora.
O processo, no entanto, ainda está em fase de aprimoramento. Até agora, os morcegos brasileiros parecem um pouco resistentes à novidade. "Lá fora, a técnica já é amplamente aceita. Aqui, seguimos ajustando os modelos e, ao mesmo tempo, trabalhando para mudar a percepção das pessoas. Em outros países, há quem instale Bat Houses para atrair morcegos; no Brasil, ainda estamos dando os primeiros passos nesse sentido."
'Morcegos na praça'
Para o grupo da Uerj, o primeiro passo para uma convivência mais saudável é informação. Por isso, nasceu o projeto 'Morcegos na Praça', que leva ciência, educação ambiental e curiosidades para o público em espaços abertos.
"Já realizamos atividades em diversas cidades, de Águas de Lindóia (SP) a Fortaleza (CE), passando por Macapá, Juiz de Fora (MG), Pirenópolis (GO) e vários locais do Rio de Janeiro, como o Parque Madureira, o Parque Natural da Prainha e o Parque Estadual do Cunhambebe", conta Elizabete. "As pessoas ficam encantadas quando descobrem o quanto esses animais são importantes e cheias de perguntas curiosas."
A presidente da FAPERJ, Caroline Alves, destaca a importância de iniciativas como essa: "O conhecimento científico transforma a relação das pessoas com a natureza. Projetos como o da pesquisadora Elizabete unem pesquisa, inovação e educação ambiental, mostrando que é possível viver em harmonia com a biodiversidade. A FAPERJ se orgulha de apoiar ações que inspiram novas formas de cuidar do planeta."





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