Gastão ReisGastão Reis

É repetida, vez por outra, na mídia, uma frase do economista Pedro Malan em que ele diz: “No Brasil, até o passado é imprevisível”. Tenho a impressão de ter lido isso antes em Millôr Fernandes, mas não tenho certeza. Mas será que é só no Brasil? A boa História (escrevi com H maiúsculo) obedece a dois princípios básicos: não usar valores do presente para entender o passado e lembrar sempre de que é preciso comparar o que acontece num país com o ocorrido no resto do mundo.
No século XX, talvez o melhor exemplo da imprevisibilidade do passado foi o que ocorreu na ex-URSS na era Gorbachev. Quem diria que um regime assentado há 70 anos iria dar a reviravolta que deu? Todo mundo foi surpreendido com o passado se revirando na cova. Até Henry Kissinger, sempre bem informado, confessou numa entrevista que também foi pego de surpresa. Os russos até conheciam a obra de Adam Smith, mas apostaram em Marx.
Na China, algo muito parecido também ocorreu. Tiveram que aturar várias maluquices de Mao Zedong, como aciarias de fundo de quintal, esquecendo que requerem as economias de escala. E obviamente não deram certo. Foi também dele a brilhante sugestão de plantar pés de arroz mais próximos para aumentar a produtividade. E assim foi feito. Só que as raízes se entrelaçaram e a produção caiu. E ainda tiveram a pachorra de simular uma plantação falsa para mostrar ao Grande Timoneiro como a sugestão dele funcionou.
A Revolução Cultural parou o sistema universitário chinês por uma década. Pode? Mas, sem dúvida, aqui no Patropi, a imprevisibilidade do passado está vindo por atacado. Já faz algum tempo que a historiografia tradicional vem sendo posta em cheque. Teses consagradas sobre o nosso passado estão descoladas dos fatos. Não por má-fé dos pesquisadores. É que novas pesquisas bem fundamentadas, assentadas em novos dados e sólida metodologia, nos mostram o que, de fato, aconteceu.
A recente pesquisa, de 2022, dos professores Edmar L. Bacha, Guilherme A. Tombolo e Flavio R. Versiani, intitulada “Estagnação secular? Uma nova visão sobre o crescimento do Brasil ao longo do século XIX”, com sólida base teórica e de dados, nos revela que a renda real per capita, no período 1822-1900, cresceu 0,9% ao ano. O Brasil acompanhou o resto do mundo. Isso leva a uma revisão nos equívocos das obras de Celso Furtado, Caio Prado Jr. e mesmo José Honório Rodrigues, com rebatimentos nas conhecidas interpretações de Faoro e Vianna Moog. E ainda descredita a obra “Mauá”, de Jorge Caldeira.
A versão da historiografia tradicional nos informa que a renda real per capita ao longo do Império teria tido um desempenho medíocre. Na verdade, outras pesquisas apontam na direção das conclusões de Bacha, Tombolo e Versiani. Pelo jeito, aqui também teremos uma reviravolta maior ainda do que Pedro Malan esperaria. Que os fatos prevaleçam!
Na verdade, o questionamento da historiografia tradicional já vem de algum tempo, mas é alvissareiro que a obra de nossos antepassados tenha sido bem melhor do que nos é transmitido, dando uma boa escovada em nossa autoestima.

Nota: Digite no Google: “Dois Minutos com Gastão Reis: A cooperativa e o mercado”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=St8uXye-1fs
Gastão Reis é economista e escritor
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Autor: Gastão Reis Rodrigues Pereira
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