Utilizamos o termo brasilidade com certa frequência, esquecendo que é irmão gêmeo de outro, a portugalidade. O primeiro traduz nosso modo de ser e pode incluir virtudes e defeitos. No passado, atribuíamos boa parte dos defeitos à portugalidade, ou melhor, à colonização portuguesa. Nos tempos atuais, existe um certo encanto em relação a Portugal por parte dos brasileiros que o visitam ou lá vivem, cerca de 240 mil.
Ainda me recordo de minha juventude, mais de meio século atrás, das piadas de português, cuja marca era sempre a burrice. E ríamos muito sem nos darmos conta de que era como rir, no plano familiar, da burrice de nossos próprios genitores. Mas os tempos mudaram, e a piada de brasileiro se tornou um tanto popular em terras lusitanas. As loucuras que cometemos em matéria de economia e de política explicam.
É fato que Portugal viveu sob a ditadura de Salazar por um longo período (1933-1974), o Estado Novo, que aqui copiamos o nome. (Ao perguntarem ao Barão de Itararé o que pensava do Estado Novo, em plena ditadura de Vargas, respondeu, com seu humor ferino, que era o Estado a que chegamos. Acabou preso por alguns dias).
Certa feita, almoçando com um empresário português, ele me falou de um pai que deu tudo do bom e do melhor a um filho, inclusive doutorado em prestigiosa universidade americana. De volta ao Brasil, ao receber a herança que lhe cabia, meteu os pés pelas mãos dilapidando a fortuna que lhe coube. Arrematou com uma pergunta: "E a culpa era do pai?".
Esta historieta sobre a vida real diz muito sobre o que aconteceu com o Brasil desde 1889. Até esta data, nossa ligação com Portugal era umbilical. A dinastia reinante, a de Bragança, era a mesma de Portugal. Que tipo de herança recebemos nos planos político e econômico? Sem dúvida, como nos mostram as pesquisas recentes, foi da melhor qualidade.
Na política, o poder moderador impedia os desmandos do andar de cima, e jamais foi usado para oprimir o povo. Havia ainda parlamentarismo e plena liberdade de imprensa, e gozávamos de respeito internacional. Na economia, a taxa de crescimento da renda real per capita foi de 0,9% ao ano, que era o que o mundo crescia, em média, no século XIX, com exceção dos EUA, como nos revela a pesquisa recente dos Professores Bacha, Tombolo e Versiani. Ou seja, estávamos bem resolvidos política e economicamente. Uma bela herança.
E aí, sem apoio popular, surge a dita república no fatídico 15 de novembro de 1889. No meu livro, "História da Autoestima Nacional – Uma investigação sobre monarquia, república e preservação do interesse público", na página 213, montei um Quadro Comparativo das Instituições do Império e da República através de 12 indicadores de qualidade político-institucional. O Império, na época, satisfazia 80% deles, a república, ainda hoje, não atinge 20%. Simplesmente não tem condições de funcionar a contento.
E foi assim que jogamos fora o melhor de nossa portugalidade, que nos foi transmitida por D. João VI, D. Pedro I, D. Pedro II e pela Princesa Isabel. Qual filho ingrato, desperdiçamos a bela herança. E a culpa não foi do pai.
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