Gastão Reis, colunista de O DIA divulgação

Tive a oportunidade de assistir a um programa recente de televisão em que a questão da (in)segurança pública estava em tela após o incêndio de 35 ônibus em vários pontos da cidade do Rio de Janeiro. O jornalista que conduzia o debate perguntou aos participantes se era uma represália pela morte do chefão do crime organizado na metrópole carioca pela polícia.
O primeiro a responder afirmou, com certa dose de razão, que o problema, na verdade, teve início entre 2000 e 2005, em que se passou a ter certa tolerância com os serviços prestados pela milícia como força complementar às polícias Civil e Militar. Na verdade, deveria ter voltado ao início da década de 1980, em que o governador Leonel Brizola proibiu certas atividades da PM.
Ao longo dos anos, a presença das milícias foi crescendo, indo além dos serviços de segurança e passando a fornecer gás a preços acima dos de mercado, acesso à internet etc. Seguindo o exemplo de Brizola, o aparato político do Estado do Rio de Janeiro foi deixando a coisa correr solta a ponto de chegarmos a episódios como o último na segunda-feira, 23/10, deste ano.
Os números mais recentes do comparativo entre 2022 e 2023 assustam pelo brutal crescimento percentual de diversos indicadores: tiroteios (55%), feridos (43%), mortos (129%, de 108 para 248) e ações policiais (93%, de 111 para 226). O lado dramático - e evidente - foi a contaminação da política pela milícia e pelo próprio crime organizado, que prosperou ao longo de décadas, não obstante as iniciativas de lhes dar combate do atual governador do estado, Cláudio Castro.
Em entrevista, logo após os incêndios, ele listou o que vem sendo feito na área. Mais investimentos na Polícia Civil, na Polícia Militar e ações de pedidos de apoio junto ao governo federal. Estava indo a Brasília para reuniões com o ministro da Justiça, Flávio Dino, e no Congresso, com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Mais soldados da Força Nacional de Segurança já desembarcaram no Rio de Janeiro para ajudar no combate ao crime organizado.
Vai funcionar? É muito duvidoso, mas tem jeito.
Quando desembarquei em Nova York e em Filadélfia, em 1977, para estudar na Universidade da Pensilvânia, ouvi das pessoas que me receberam avisos contra assaltos e roubos, em especial nos bairros negros. A situação era vista como problema insolúvel até que a teoria das janelas quebradas foi posta em prática com a política da tolerância zero. Deram combate inclusive a pequenos crimes, aqueles que Lula acha insignificantes, como roubo de celular. E foi assim que a coisa foi resolvida.
Mas o caso do Rio de Janeiro e de outros estados é mais grave. Tem a ver com a escala de trabalho de 24 por 72 horas nas polícias, coisa inexistente na Europa, nos EUA e Canadá. E nem mesmo em países nossos vizinhos. Pondo o dedo na ferida: os policiais não têm foco no que fazem. Usam o tempo disponível nessas 72 horas disponíveis para outras labutas, inclusive em funções em que não poderiam atuar.
Resultado: apenas 10% dos crimes são desvendados, como mostram as pesquisas ao longo dos anos, dando aos bandidos 90% de chance de escapar. Sem uma reforma estrutural nas polícias e combate radical à tolerância do aparato político com o crime, vamos continuar na mesma.
Dois Minutos com Gastão Reis: "Inteligência no combate à violência". Ainda atual. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=bF3cv83Vm98.
Gastão Reis
Economista e palestrante