Ainda me lembro dos meus tempos do então chamado ginásio, no início da década de 1960, em que os livros didáticos de geografia nos ensinavam que o Brasil era um país essencialmente agrícola. Passava o sabor de que não tínhamos vocação industrial. Não obstante, foi implantada a política de substituição de importações, que era, de fato, a de industrialização do país. Ao invés de ser direcionada às exportações,
como fez o Japão, a tônica foi dar uma proteção exagerada, e permanente, à indústria nacional, tolhendo-lhe, a médio e longo prazos, o desenvolvimento de sua competitividade externa.
Curiosamente, na agricultura, fizemos o dever de casa com competência admirável. Foi criada a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola (1973), acompanhada do envio de cerca de dois mil estudantes brasileiro(a)s para fazer cursos de mestrado e doutorado no exterior na área agrícola. E que foram sabiamente absorvidos pela EMBRAPA na área de pesquisa.
Foi assim que nos livramos do nosso complexo de vira-lata na agricultura. Nossa produtividade ficava entre 1/4 e 1/5 da americana no início da década de 1970. Hoje, estamos no mesmo patamar da americana e até acima. E tivemos a preocupação de nos voltarmos para a exportação, o teste infalível para verificar a competitividade internacional de um setor produtivo.
Fica evidente o lado esquizofrênico da política industrial em relação ao que ocorreu na agricultura. Nesta, acertos encadeados; naquela, equívocos mantidos ao longo de muitos anos. A carga tributária sobre a indústria de transformação ficou em pouco menos de 50% ao longo de décadas. A França, por exemplo, extinguiu seu IPI – Imposto sobre Produtos Industriais – em 1953, mas, pelo jeito, não avisou à Receita
Federal do Brasil, que continuou a dobrar o preço de um automóvel via taxação extorsiva por tempo demasiado.
Houve, sem dúvida, um fator político que manteve a carga tributária sobre o setor agrícola em torno de 6% com efeitos muito positivos sobre sua capacidade de investir e se tornar, assim, extremamente competitivo. Uma bancada de cerca de 200 deputados federais vigilantes, que se reúne toda terça-feira, para evitar o que ocorreu na indústria, que não se resguardou.
Antes que possa parecer teoria da conspiração na defesa de interesses espúrios da agricultura, cabe lembrar que esse tipo de política é adotado nos EUA e nos países europeus de um modo geral. Quanto ao consumidor interno de nossos produtos agrícolas, ele se beneficiou em termos de preços menores e quantidades disponíveis a tal ponto de 56,8% estar com excesso de peso.
É clara a necessidade de um programa de reeducação alimentar para resolver os malefícios do sobrepeso e da obesidade sobre a saúde de um expressivo contingente populacional. Muito pior seria termos um problema de fome generalizada, como vem ocorrendo na Argentina, onde quase metade da população está hoje abaixo da linha de pobreza, número que girava em torno de 10% no passado.
Infelizmente, a indústria não soube se organizar politicamente como fez a agricultura. A população estaria se beneficiando de preços menores dos produtos industriais ao invés de recorrer a importados. Esquizofrenia política.
Nota: digite no Google "Dois Minutos Gastão Reis: Economia esquizofrênica". Continua atual. Link: https://www.youtube.com/watch?v=_jqMlxDReBA.
Gastão Reis
Economista e palestrante