Sou fã de Machado de Assis a ponto de ter lido 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' em voz alta. Mas nem sempre concordamos com tudo que o mestre nos transmite. Questionar o velho "magister dixit", ou seja, "o mestre falou e disse" é saudável no sentido de fazer avançar o conhecimento, que deve sempre pisar em chão firme, nada incompatível com o uso da imaginação.
Na Marmota Fluminense, Machado de Assis afirmou que discordava do dito "A ocasião faz o ladrão". Para ele, a ocasião faz o crime. O ladrão já nasce feito. O primeiro contra-argumento é que essa visão está ancorada em índole, ou pau que nasce torto, morre torto. De certa forma, nega a possibilidade de aperfeiçoamento do ser humano em certos casos.
Ao defendermos a ética da convicção em contraposição à ética de coerção em matéria de poder, somos levados ao erro com consequências desastrosas para a sociedade. Lord Acton e Bakunin estão no mesmo barco em relação aos efeitos deletérios do poder. O primeiro se tornou famoso pela frase "O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente". O segundo disse que se os líderes operários russos, ao chegarem ao poder, lhes fosse dado poder absoluto, em um ano, estariam pior que o próprio czar. (O Brasil do século XIX quanto à liberdade de imprensa e controle do andar de cima dava banho na Rússia).
Vejamos agora os efeitos do nosso frágil controle sobre os atos decisórios dos três poderes. E em pleno século XXI!
O 7 de Setembro com arquibancadas vazias foi o melhor recado que o povo brasileiro poderia ter dado a Lula e aos atuais governantes quanto à sua brutal insatisfação. Por outro lado, reflete também a impotência popular quanto aos desmandos do andar de cima nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
No Judiciário, após diversas decisões monocráticas inconstitucionais do ministro Alexandre de Moraes, foi a vez de Toffoli fazer parte do bloco. Simplesmente anulou provas (você leu certo, provas!) e afirmou que a prisão de Lula foi erro histórico. Obviamente passou por cima da responsabilidade de Lula ao nomear os dirigentes da Petrobras e do BNDES amigos do alheio. E inimigos do (nosso) dinheiro público. A Associação de Procuradores já recorreu dessa decisão desastrada (e suspeita) de Toffoli.
No Executivo, Lula quer, agora, novo avião com chuveiro, cama de casal e gabinete privativo. Começou dando apoio à Rússia na guerra contra a Ucrânia. A última foi a pérola de que "ninguém precisa saber como os ministros do STF votam". Foi acompanhado pela mentira vergonhosa do ministro da Justiça, Flávio Dino, de que a Suprema Corte americana adota tal procedimento.
No Legislativo federal, tomaram a decisão de dobrar a verba do Fundo Eleitoral de três para quase seis bilhões de reais sem prestar contas a quem paga a conta, ou seja, o povo. Alguém tem dúvida de qual seria o resultado de um plebiscito sobre essa malversação de dinheiro público?
A dura conclusão é óbvia. Os poderes republicanos tomam decisões erradas e ilegítimas diante da vontade nacional. Sem voto distrital puro, ou equivalente, e recall (revogação de mandatos), nos diz Fernão Mesquita, vamos manter a marcha lenta. Cabe incluir: e mais plebiscitos para destravar o país.
Nota: digite no Google "Dois Minutos Gastão Reis: Democracia de grupelho". Continua atual. Link: https://www.youtube.com/watch?v=FhGMvFArd68.
Gastão Reis
Economista e palestrante