Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Arquivo O DIA

Ah, a saudade... Quem não tem? Só sinto a dos melhores momentos. As outras foram deletadas. E assim, quando vem alguma que escapou, eu me vingo dela tocando viola de papo pro ar. Notaram que usei uma frase do cateretê de Joubert de Carvalho e Olegário Mariano? "De papo pro ar".
Pois foi o que cantarolei para um amigo, não direi o nome, quando me procurou para chorar suas mágoas. Foi um momento complicado. Estava eu padecendo de nó nas tripas, todo dolorido, cheio de medicamentos. Mas, amigo é amigo. Claro que emprestei meu ombro... Acho que deu certo. O amigo acabou varrendo o quintal! Nova terapia para mal de amor. Tanto assunto e acabei falando de saudade. Melhor seria ter falado sobre a alta dos juros. Mas faz parte da vida.

E eis que, de repente, surge o Fred. Trouxe cerveja e salame. Eu, sofrendo com uma dieta infernal, corri para pegar o bule com chá de camomila. Afaste-me desse cálice! O amigo da vassoura sorriu. Foi minha vez de padecer. Júlio apareceu, também. Desliguei o som, mandei o Charles Aznavour embora e abracei o
pacotinho de biscoito água e sal. Encarei a sessão de tortura com todo a dignidade que consegui reunir.
Confesso: senti saudade do tempo que encarava a cerveja e o salame. Eis que surge um vizinho novo, do Sul-Sudeste. O cara tem, no máximo, uns 50 anos de idade. Solteiro, carro do ano, casa própria, bem
vestido, com dentes clareados, sorriso permanente. Chegou, foi entrando e se apresentou. Paulista, de família italiana, bem vestido.
Foi logo se enturmando. Chegou com pão e mais cerveja. Ao longo da conversa, disse estar com depressão.
- Foi o vizinho dos fundos que indicou vocês. Deprimido, resolvi ver para crer a reunião matinal dos amigos - explicou. Claro que foi admitido no grupo dos vizinhos. Mas, é bom deixar claro, amigos, ele está na fase de experiência. Fred foi logo perguntando sobre detalhes da vida dele. Caramba, o cara não tem problemas algum. Digno de pena. Como não ter problemas?

Júlio diagnosticou: - Tá aí o motivo para pensar que está com depressão. - E foi adiante: - Melhor você arrumar uns probleminhas. Sem eles, você não vive. - Silêncio geral. Logo os amigos começaram a fazer perguntas, inclusive as íntimas. Depois de uns longos minutos, a turma chegou a conclusão e foi Ibiapina, um dos últimos a chegar, que tomou a palavra: - Melhor você arranjar uma mulher, de preferência com uns dois filhos. Tem que ser mulher que dê um baque no seu cartão de crédito nos shoppings da vida.
- E continuou: - Deixe o carro em casa, ande de ônibus, ou trem. - E concluiu: Você logo vai ter problemas para resolver e, assim, vai ter a vida "normal" que todos merecem! - Palmas, apupos e a cara de quem
não entendeu nada do vizinho estreante.
O encontro durou por toda a manhã. O novato saiu carregado, sorrindo com os dentes clareados, prometendo reagir. Ah, o quintal foi varrido parcialmente, voltei aos biscoitos enquanto não saía a dieta de
legumes e verduras. Quase esqueci dos passarinhos. Tô cheio de problemas. Ainda bem que estou sem saudades.