Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Agencia O Dia

A turma descobriu que as chuvas diárias sobre a cidade, na maioria das ocasiões, acontecem nas tardes, quase no início da noite. Portanto, o meu trabalho diário da varrição do quintal tem plateia. Nem ligo. Fica
mais divertido e acabam sendo encontros quase didáticos. E, para reforçar a tese, anotem: o vizinho novo, o "sem problemas", foi o primeiro a aparecer.
"O Luar, essas chuvas torrenciais, diárias, parecem com as monções da Ásia. Concorda?", e foi avançando na garrafa com café, e, para comer, apontei com o cabo da vassoura a travessa com bolo e biscoitos. Afinal, ele só trouxe o apetite. Os amigos foram chegando. As notícias, também. Desabamentos, famílias soterradas, só desgraça. E, uma das últimas: ameaça de bomba no prédio da OAB, aqui no Rio. Outro atentado ?

O vizinho novo ficou curioso: "Outro? Já teve algum?". Adilsinho foi o primeiro a falar: "Claro, nunca ouviu falar na secretária, a dona Lyda Monteiro ? Morreu ao abrir a carta bomba na OAB, em agosto de 1980". Ih, ficou meio irado diante da ignorância do vizinho. "São quase 43 anos!".
Aí começou a conversa. "Nem a geração google sabe nada", gritou o Júlio, que passou só para cumprimentar a turma e saiu para o trabalho. O vizinho novo parou até de mastigar o pedaço de bolo. Resolvi agitar mais ainda: "E as bombas do Rio Centro?". Pronto, o cara engoliu o bolo e ficou olhando para a turma, sem nada
dizer. Notei que o cara pegou o celular, quase disfarçando. "Vê no google aí", disse Ibiapina.

Tava eu de rabo de olho, jogando milho picado e alpiste para os pássaros, quando resolvi socorrer o "sem problemas". "Isso foi em 1981, quando acontecia um show de comemoração do Dia do Trabalhador, no Riocentro". E fui adiante: "Uma bomba explodiu no colo de um sargento do Exército". O vizinho estava curioso. Esse negócio de se meter com os velhos... Afinal, nem tudo se ensina nos colégios. Tem até detalhes que nunca existiram e que surgem, nas aulas, como verdades.
Lembram do Grito do Ipiranga? Dom Pedro I e sua comitiva, com roupas de gala, voltando de São Paulo para o Rio, nas margens de um riacho. Pura imaginação. Dom Pedro estava atacado com diarreia, vestia roupas simples, de montaria. Mas, a tela mostra o grupo com roupas finas, de gala. E, querem mais ? Vejam a imagem do Tiradentes: cabeludo, barbudo, com uma túnica branca... Notem a semelhança com a
imagem de Cristo, a que estamos acostumados a ver. Pura invenção.
Assim, a história vai se adaptando aos tempos. Às vezes, para variar omitimos detalhes. Por outro lado, enaltecemos e inventamos o que fica mais bonitinho.

O "sem problemas" já estava mais relaxado e começou a atacar os biscoitos enquanto escutava os detalhes do outro lado da história. Para não ficar bancando o ignorante nos assuntos, voltou a falar sobre "as monções". "O mundo tá mesmo de cabeça para baixo, as monções saíram da Ásia e vieram para o Rio", disse esperando ser ouvido. Mas o Fred acabou com a alegria: "Isso é problema do La Ninã, não tem
nada a ver com o clima da Ásia". E finalizou: "Vê aí, no google!"
Já ouviu falar em bondes ? E no Getúlio Vargas ? Tancredo Neves...Fica triste não. Tem até jornalistas que também não sabem.