Leonardo Bruno é autor de livros sobre o samba e Carnaval, entre eles: "Zeca Pagodinho - Deixa o samba me levar", "Explode, coração - Histórias do Salgueiro", "Cartas para Noel - Histórias da Vila Isabel" e "Três poetas do samba-enredo"Divulgação / Claudia Martini
Jornalista, escritor e roteirista, Leonardo Bruno é autor de diversos livros sobre samba e Carnaval — entre eles: "Zeca Pagodinho - Deixa o samba me levar", "Canto de rainhas", "Explode, coração - Histórias do Salgueiro" e "Cartas para Noel - Historias da Vila Isabel" —, além de atuar como pesquisador no Observatório de Carnaval do Museu Nacional da UFRJ. Em entrevista a O DIA, Leonardo reforça a importância cultural do gênero musical intrinsecamente ligado ao Rio de Janeiro. "Ele é um componente muito relacionado à sobrevivência, à redescoberta da individualidade. O samba traz para a música brasileira uma característica visceral: ele não é só para festa, é para curar a dor.
O DIA: De onde vem essa forma tão específica do Carnaval carioca, com os desfiles?
Leonardo: As escolas de samba, símbolo do Carnaval, representavam as populações marginalizadas que migraram para o subúrbio no início do século XX. Quando grupos de sambistas passaram a se reunir no Centro, sofreram tanta perseguição que precisavam estabelecer regras para a manifestação artística ser aceita. Como estratégia, as escolas passaram a se associar a instituições importantes e convidaram intelectuais e pessoas influentes para serem jurados dos desfiles. Para agradar o governo, decidiram falar da história branca do Brasil, considerada "oficial" — ao meu ver, se fizessem críticas à institucionalidade, não teriam resistido. As escolas são entidades de resistência e, ao longo desses mais de 90 anos, foram transformando sua maneira de sobreviver.
Como o samba se tornou um gênero inseparável do Rio?
Temos que voltar ao passado para entender a origem do samba: a batucada. Os registros de Quilombo dos Palmares falam de homens e mulheres negros escravizados se reunindo à noite e batendo na palma da mão, o que viria a ser a batucada. O samba, a batida na palma da mão, e depois na percussão, virou um momento em que as pessoas tinham a humanidade recuperada, depois de dias sendo humilhadas. É um componente muito relacionado à sobrevivência, à redescoberta da individualidade. O samba traz para a música brasileira uma característica visceral: ele não é só para festa, é para curar a dor.
O que o Carnaval revela sobre o modo de ser e de viver carioca?
Na verdade, o Carnaval inventa muitas características que hoje são atribuídas ao carioca: descolado, malandro e bem humorado. O aspecto da malandragem está muito ligado à sobrevivência, assim como o samba. Estamos falando de um gênero musical, então tem muito a ver com cantar a alegria e trazer à tona o jogo de cintura. É esse estilo que constrói o carioca, essa figura cristalizada do Rio. Até Walt Disney se apoia nisso: quando ele veio ao Brasil, pegou um papagaio, animal da nossa fauna, e se inspirou no Paulo da Portela para criar o personagem Zé Carioca.
Quais os efeitos de um ano sem Carnaval e outro fora de época?
Além da questão prática e econômica, com as pessoas sem trabalho durante tanto tempo, houve um efeito simbólico e afetivo. A perda do contato durante o isolamento abalou muito o povo do samba. Além disso, as escolas são formadas em sua maioria por pessoas pobres e pretas e por um contingente de pessoas mais idosas, e a pandemia foi especialmente cruel com elas. Essas pessoas foram muito afetadas no sentido de perder muita gente, muitos baluartes — figuras fundamentais para a memória.
Como foi esse retorno?
Percebi, com os reencontros, que as pessoas passaram a valorizar mais os seus semelhantes. Eu vejo que as escolas de samba estão mais cientes do que representam para a sociedade, e da importância que têm no movimento negro. Elas estão mais orgulhosas e querem falar mais sobre a sua própria história.
De que forma o Carnaval pode alavancar o desenvolvimento do estado?
O Carnaval sempre foi o que atraiu o mundo para o Brasil. Nós não temos um Museu do Carnaval ou um Museu do Samba com o porte que deveríamos. Fazemos o maior espetáculo da terra, e não temos uma estrutura devidamente adequada. Se começássemos a trabalhar o Carnaval em nível municipal, estadual e federal, poderíamos dar mais estímulo às escolas para estarem ativas o ano inteiro. Isso afetaria positivamente o turismo.
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