Alfredo Lopes, presidente do Conselho Deliberativo da ABIH-RHLuiza Sampaio

Alfredo Lopes é engenheiro civil, pós-graduado em Engenharia Sanitária e de Segurança do Trabalho. Diretor da Protel Administração Hoteleira, do Grupo Santa Isabel, dona do hotel eSuites Recreio Shopping, preside o Sindicato de Hotéis e Meios de Hospedagem do Município e a Associação Comercial e Industrial do Recreio e Vargens. Presidiu a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado, onde, atualmente, comanda o Conselho Deliberativo, além de integrar a diretoria da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário.
SIDNEY: A segurança nas plataformas de vendas de hospedagem é um problema para os turistas?
ALFREDO LOPES: A questão da segurança é um fator que merece especial atenção no caso das hospedagens por meio de plataformas. Prédios residenciais não contam com equipes de vigilância das instalações que possam garantir a tranquilidade dos hóspedes. Nem sempre também são dotados de portaria 24 horas, sistema de câmeras ou fechaduras eletrônicas. Além disso, o visitante também não tem tranquilidade nem dentro da unidade que contratou, pois quem sabe quantas cópias da chave da porta circulam por aí? Na outra ponta, os moradores dos prédios residenciais também têm motivos para se preocupar. Os protocolos de segurança das plataformas são muito frágeis – até mesmo no que diz respeito à identificação dos hóspedes. A própria circulação desses visitantes pelas dependências do prédio é motivo para preocupação. As famílias e suas crianças são obrigadas a dividir as áreas comuns, como piscinas, com completos desconhecidos. Recentemente, alguns prédios do Rio enfrentaram problemas com hóspedes mal-intencionados. Nos hotéis o cenário é diferente – os hóspedes precisam se identificar, preencher a ficha de cadastro do Ministério do Turismo, as dependências são vigiadas constantemente e há equipes de segurança 24 horas por dia.
A cidade do Rio de Janeiro tem grande expectativa de aumentar o número de visitantes. A rede hoteleira tem preocupação com a qualidade das hospedagens das plataformas digitais. Qual o risco para o turista desavisado?
A expectativa de crescimento no número de visitantes ao Rio de Janeiro é extremamente positiva para o turismo e para a economia da cidade. No entanto, esse avanço deve vir acompanhado de responsabilidade e garantia de qualidade na prestação dos serviços de hospedagem. A principal preocupação da hotelaria é com o risco que o turista desavisado corre ao optar por acomodações ofertadas em plataformas digitais que não seguem os mesmos critérios legais, operacionais e sanitários exigidos dos meios de hospedagem regulares. Diferentemente dos hotéis, essas acomodações muitas vezes não estão sujeitas às normas legais do setor, como fiscalização da vigilância sanitária, registro de hóspedes, padrões de segurança contra incêndios, manutenção preventiva de instalações elétricas e hidráulicas, e higienização adequada de roupas de cama e banho. Além disso, muitos imóveis localizados em condomínios residenciais não possuem autorização para atividades como festas, som alto ou circulação de pessoas fora do padrão residencial, o que pode frustrar as expectativas de determinados perfis de hóspedes e gerar conflitos entre moradores e visitantes. Mais grave ainda é o risco de o turista vivenciar uma experiência completamente diferente daquela anunciada na plataforma, o que não apenas compromete sua segurança e bem-estar, como também prejudica a imagem do destino turístico como um todo. É fundamental que o visitante tenha clareza sobre a diferença entre hospedagens regulamentadas e ofertas informais para que possa fazer uma escolha consciente, segura e alinhada à experiência que busca.
O termo 'locação por temporada' se aplica, de fato, ao modelo de operação de plataformas como o Airbnb, que se autointitulam dessa forma, embora atuem com características típicas da hotelaria?
A jurisprudência atual e a legislação consolidam o entendimento de que os contratos firmados por meio de plataformas não se caracterizam como locação por temporada, nos termos da Lei nº 8.245/91, mas sim como uma forma atípica de contrato de hospedagem. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu que as plataformas representam uma modalidade inovadora de hospedagem marcada pela transitoriedade, alta rotatividade e ausência de vínculo entre os hóspedes, o que descaracteriza o uso residencial dos imóveis. Trata-se, portanto, de hospedagem, embora realizada em ambiente de uso residencial, o que contraria inclusive muitas convenções condominiais. O STF, por sua vez, ao julgar a ADI 5764, firmou que a hospedagem é um serviço, e como tal, incide ISS sobre o valor integral da diária, reforçando que não se trata de mera locação, mas sim de atividade econômica com prestação de serviço de acolhimento temporário, sujeita à tributação municipal. A nova Lei de Turismo (Lei nº 11.771/2008, com redação da Lei nº 14.978/2024) define expressamente o que são meios de hospedagem, exigindo cadastro e licenciamento dos empreendimentos que prestem serviços de alojamento, mesmo que operem em imóveis residenciais. Portanto, as plataformas se enquadram como meio de hospedagem, o que tem implicações importantes para tributação, regulação urbana, segurança dos hóspedes e responsabilidade.
O setor tem discutido a necessidade de se perseguir tributação mais justa. O que vocês reivindicam? Existe a tal "segurança jurídica" para que isso seja feito?
Um dos pontos é exatamente uma tributação mais justa. Trata-se de criar um ambiente saudável de negócios para que todos possam trabalhar em igualdade de condições, com direitos e deveres. Não somos contra as plataformas, apenas exigimos igualdade tributária e condições de competição igualitárias. O que se quer é exatamente isonomia e equilíbrio concorrencial. Há arcabouço legal para servir de base na medida em que as plataformas oferecem hospedagens – e é isso o que elas fazem, pois a Lei Geral do Turismo define o que é hospedagem de uma forma bem abrangente, inclusive fazendo referência a hospedagem em imóveis residenciais. E como já disse, hospedagem tem previsão de incidência de ISS, por exemplo.
Empresários reclamam a ausência de dados consolidados sobre o inventário e o perfil do hóspede que procura o Rio. É uma reclamação justa?
Temos informações sobre os hóspedes, como origem, nacionalidade e idade. Essa é outra vantagem da hotelaria: para se hospedar, o visitante tem que informar uma série de dados, o que acaba incrementando a segurança e, também, permitindo ter acesso a informações sobre eles.
Há risco de aumento dos aluguéis e suas consequências diretas para os proprietários?
Sim, esse risco é real e já se concretizou em diversas cidades ao redor do mundo. Locais como Paris, Nova York, Barcelona e Lisboa enfrentaram aumentos expressivos nos valores de aluguel em áreas turísticas, o que acabou forçando a saída de moradores locais e gerando esvaziamento de regiões inteiras. Como resposta, essas cidades implementaram regulamentações específicas para conter os impactos da atividade de hospedagem por plataformas digitais. No Rio de Janeiro, esse cenário pode se repetir — e por isso é urgente e necessário avançar no debate sobre a regulamentação, já em andamento na Câmara dos Vereadores. Da forma como está hoje, todos perdem: a cidade deixa de arrecadar impostos, os moradores sentem insegurança nos edifícios e uma escalada nos preços dos aluguéis, e até os próprios turistas podem sair prejudicados ao se depararem com unidades sem padrões mínimos de higiene e segurança. Nosso objetivo não é excluir as plataformas, mas sim trazê-las para a legalidade. Queremos que sejam uma alternativa formal de hospedagem, com regras claras, assim como ocorre com os meios tradicionais, garantindo segurança jurídica, qualidade e equilíbrio na convivência urbana. Com uma regulamentação eficaz, todos ganham: a cidade arrecada, a população fica protegida e o setor turístico se fortalece por ter mais opções — porém dentro dos mesmos parâmetros de responsabilidade.