Colunista Rafael Nogueirareprodução
A fé cristã começa com o mistério do Natal. Sem ele não há epifania, nem paixão, nem páscoa. O Natal faz do cristianismo uma absoluta novidade, que tantos rejeitam. Daniélou explica que "com o advento do cristianismo, aparece até mesmo uma nova simbólica". Ultrapassando a religião cósmica, pagã, a religião cristã não a destrói, mas a absorve e a transcende. Os símbolos da religião cósmica acabam integrados numa perspectiva histórica que nada deve a eles. Com isso a história deixa de ser a transposição mitológica dos fatos da natureza. A Encarnação do Verbo, o nascimento de Cristo, fica nela como a garantia de que não estamos a seguir mitos inventados, a garantia de que Deus, tomando o nosso tempo nas mãos, quis vir ao mundo — e veio.
Muitos afirmam que o dia 25 de dezembro foi instituído como contraponto ao mito Mithra, ou como a resposta cristã para o culto do Sol vitorioso, promovido pelos imperadores romanos numa tentativa de criar uma religião nova. Mas não existe base documental que ateste a ligação entre a data oficial do Natal e a celebração do Sol Invicto. Ainda que os primeiros cristãos tenham conhecido o simbolismo e observado o evento cósmico do dia – o sol vencia a escuridão, com o aumento dos dias em relação às noites – o nascimento do Salvador, Sol de justiça e luz do mundo, deu-se, de fato, no mesmo dia.
Na Audiência Geral de 23 de dezembro de 2009, o Papa Bento XVI mencionou que “o primeiro a ter afirmado com clareza que Jesus nasceu em 25 de dezembro foi Hipólito de Roma, no comentário que fez ao Livro de Daniel, por volta do ano 204”. O testemunho é de grande valor não só por sua antiguidade, mas também porque S. Hipólito foi um defensor das tradições apostólicas e um crítico notável das inovações sem propósito.
A simbólica histórica é, assim, ligada à aparição de acontecimentos novos; as ações de Deus no tempo. Nem por isso deixa de fora de sua ação o domínio cósmico: a natureza se subordina à história, aponta para ela; fica então como sua testemunha e amiga. Obtém o seu verdadeiro significado pelo Cristo que, encarnado, funde em si o eterno ao temporal. Somos, graças a isso, informados de que a aventura da criação, da existência singular e livre do mundo não findará nem no absurdo, nem no trágico, mas numa Divina Comédia; numa narrativa épica que termina bem, ou pelo menos com justiça.
Que neste Natal saibamos unir aos costumes deste século a lembrança de que, num dia como este, Deus veio até nós.
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