Parece clichê de historiador, mas é antes de tudo uma questão metafísica: a forma como entendemos o passado impõe sérios limites sobre os horizontes do pensamento. E sou da opinião de que o fato mais importante da política brasileira dos últimos 20 anos foram as revoltas de junho de 2013. Seu legado misto, de compreensão e de ação.
O esforço de análise que tenho feito aqui é uma pequena contribuição a um assunto que, em geral, julgo muito mal explorado. Soma-se a esforços mais robustos, que fogem à hegemonia censora, ao senso comum fora do qual nada se discute e nada se faz.
Entre rupturas e continuidades diversas estamos até hoje. E é complexo explicar. Revolucionários queriam pôr fogo em tudo; agora, querem manter a velha ordem. Uns e outros mal chamados conservadores, por sua vez, querem rompê-la. O que está havendo?
Começo por indicar um livro, o único best-seller sobre o assunto: “Por trás da máscara”, de Flávio Morgenstern. O livro explica de que forma os agentes de primeira hora sabiam o que estavam fazendo. Há poucos dias Flávio voltou ao assunto na revista Oeste, com o artigo "Jornadas de Junho: Uma década de uma história pouco conhecida", que recomendo vivamente.
A ideia que as leituras me sugeriram foi a de que tínhamos uma oportunidade de ouro de evitar que o país fosse para o buraco. Virando o jogo ali mesmo; com uma revolução em andamento, mas fazendo-a caminhar noutra direção.
Em 2021, Josias Teófilo lançou "Nem Tudo se Desfaz". O documentário põe em xeque as interpretações mais rasteiras, por meio de reportagens e imagens da época, ordenadas e submetidas a uma crítica estética: aquela turba enfurecida — tudo ia mal, tudo estava errado — estava à procura de um bode expiatório. Quem era o responsável pelo mal que se abatia sobre o Brasil?
Essa reação atávica, mágico-animista, carecia do ritual de sacrifício, que levaria uns à cana e consagraria outros. Mas o que acontece quando todas as expectativas são depositadas em alguém que, não sendo o monstro que veem os inimigos, não é o anjo vingador que cobram os amigos? Simples: surge para o sistema a nova vítima do sacrifício.
Não faço aqui uma análise girardiana. Voltemos à objetividade habitual: esse filme acabou; e agora? Passada a revolução, é a hora da ordem. 
Resta superar a lógica tribal, para acalmar os ânimos, crescer e se estabelecer. Se pareciam gafanhotos devorando plantações aqueles políticos sem experiência nem cultura com cargos altos em governos de esquerda, a nova representação política que veio de 2013 para cá também não precisa se comportar assim — com seriedade, trabalho e estudo constante, poderá tomar assento na sala onde as coisas acontecem.
O revanchismo da esquerda, claro que não ajuda. E a verdade é que a direita barulhenta não é um perigo. Pode às vezes ser oportunista; mas também ela vai passar. O que não passa mais é a chance de uma direita organizada ocupar espaços no Brasil — o legado de 2013 é esse.