Colunista Rafael NogueiraReprodução

Antes da ordem, vêm as revoluções. A Revolução Americana, por exemplo, não alcançou sua estabilidade imediatamente após a promulgação da Constituição de 1787; foram necessárias várias tentativas governamentais para consolidar a nova realidade e dissipar os receios de retornar ao domínio do Rei Jorge III da Inglaterra. O ponto culminante foi a ratificação do texto constitucional e sua subsequente aprovação pelas assembleias estaduais.
Já na Revolução Francesa, a instabilidade se sobressai: seus atores estiveram constantemente em busca de uma constituição ideal, sem jamais a alcançar, em um processo trágico, tanto para a França quanto para o resto do mundo.
Em Portugal, os ideais constitucionalistas surgiram durante a ausência do Rei, que havia se refugiado no Brasil para escapar de Napoleão. Esses ideais, entrelaçados com sonhos grandiosos de grandeza nacional, só se concretizariam mediante uma nova submissão do Brasil, que já não estava disposto a aceitar a dominação estrangeira.
O Brasil de 1822 era parte de um Reino Unido imerso em uma revolução liberal desencadeada do outro lado do Oceano Atlântico. Como a maior e mais rica parte desse reino, as elites brasileiras não aceitaram ser subjugadas pela revolução de Portugal, fizeram a independência, e elaboraram sua própria Constituição.
É impossível dissociar a ideia de independência da necessidade de uma carta constitucional própria. O texto constitucional, feito por um conselho escolhido pelo Imperador, foi diretamente influenciado pelos debates da assembleia constituinte que acabou não prosperando – o imperador a fechou depois de conflitos insuperáveis –, refletindo os pensamentos e as visões dos agentes políticos e jurídicos da época.
O imperador pedia uma Constituição que fosse "sábia, justa, adequada e executável, ditada pela razão e não pelo capricho", visando a evitar os excessos teóricos. A engenharia política proposta incluía o equilíbrio dos poderes e a rejeição do radicalismo, tanto reacionário quanto jacobino. A Assembleia foi composta por 90 deputados, distribuídos por quatorze províncias, demonstrando a força política das diferentes regiões do país. As representações provinciais refletiram uma ampla gama de posições ideológicas, desde extremas reacionárias até liberais radicais, evidenciando a complexidade do cenário político da época.
Para compreender a estrutura constitucional do texto que triunfou, temos que pensar na soberania, nos direitos dos cidadãos, e na organização do Estado, incluindo aqui a configuração dos poderes e as relações entre o centro e periferia.
A soberania era da nação, delegada à assembleia e ao imperador. Havia uma carta de direitos muito moderna para a época, ainda que pleitos importantes tenham ficado para trás, caso da abolição da escravatura, defendida até pelo próprio D. Pedro I, em artigo que publicou em jornal, sob o pseudônimo O Filantropo, procurando influenciar a opinião pública a favor da ideia humanitária.
Devido à necessidade de consolidação de um Estado com território enormemente grande, a centralização era necessária. E o Poder Moderador era a peça central de toda a organização política, sendo delegado exclusivamente ao Imperador como Chefe Supremo da Nação, responsável por garantir a manutenção da independência, o equilíbrio e a harmonia entre os demais poderes políticos.
Os conselheiros constituintes de então conseguiram produzir uma Carta que mantinha a unidade do país, equilibrava os poderes e garantia os direitos dos cidadãos. Quando perdeu vigor, depois de 65 anos, a constituição brasileira era a segunda mais longeva entre as escritas, única do mundo com apenas uma emenda.