Convido o leitor ao que hoje já é uma aventura perigosa: refletir sobre os eventos ocorridos em Brasília no oito de janeiro de 2023, desafiando a versão padronizada e enfrentando questões essenciais que se escondem nos bastidores do espetáculo midiático.
Em dezembro de 2022, em Brasília, houve atos de vandalismo, como a queima de ônibus e colchões, então atribuídos a manifestantes bolsonaristas. Ali já tínhamos indícios de que se construiria uma narrativa óbvia para enfraquecer a oposição: os derrotados queriam pôr abaixo a democracia. Tais ações não condizem com o perfil desse grupo, e muito menos com os indivíduos posteriormente presos por atos semelhantes. A precipitação em rotular é inimiga da verdade. E da justiça.
Quanto aos acontecimentos do oito de janeiro, é evidente que os manifestantes e seus incentivadores algum crime cometeram quebrando prédios públicos e obras de arte; vandalismo, por exemplo. Mas o desamparo é o pai do excesso – estavam escancaradas demais aquelas portas.
Os mais cínicos preferem chamar tudo isso de terrorismo. Só que a palavra precisa de contexto.
O termo "terrorismo" tem sua origem na Revolução Francesa (1789-1799), durante o período conhecido como "Terror", liderado por Robespierre. Nele, o governo revolucionário fez uso sistemático da violência política (perseguições, prisões e condenações arbitrárias) para reprimir supostos inimigos do Estado.
Em décadas recentes, os ataques de 11 de setembro de 2001 fizeram do termo um ponto central na política global. Organizações como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico redefiniram a percepção do terrorismo, associando-o a atos extremos com motivações ideológicas e religiosas. Lembremos: terroristas lançaram aviões contra as torres gêmeas do World Trade Center, matando milhares de pessoas. Rotular de terroristas algumas centenas de indignados — dentre os quais manicures, pizzaiolos, motoboys — é uma simplificação ofensiva à inteligência.
Numa época em que as palavras realmente queriam dizer alguma coisa, chamá-los de "golpistas" também seria bobagem. Note-se a completa falta de força, de plano estruturado, de números expressivos e de condições intelectuais para executar um golpe de estado. Revolta e quebra-quebra não são terrorismo, muito menos golpe de estado.
Certa vez alguém no Supremo Tribunal Federal disse: quem opta por uma vida pública deve estar preparado para ser criticado. E então vemos uma tentativa de justificar perseguições com base em conversas privadas, descontextualizadas e distantes de qualquer evidência de plano elaborado.
Com vítimas assumindo os papéis de acusadores e juízes, os procedimentos jurídicos sofrem uma distorção preocupante. É preciso ter a prudência de não criminalizar a oposição pelo mero fato de o ser.
A democracia não é um sujeitinho frágil que não aguenta ouvir meia dúzia de questionamentos. Ela sabe, porque sempre soube, conviver com o debate, e espera respostas transparentes do poder público, e reflexões públicas e abertas, sobretudo quando ninguém está entendendo nada. O cenário atual impede que essas perguntas se levantem com tranquilidade. Mas não é pela mordaça que se defende a democracia.
Nesta coluna tenho reiterado, sempre que posso, que esse conceito de democracia, imposto sem a devida consulta ao povo, é falho e exige discussão. O poder não deve emanar da opressão em favor de uma elite iluminada, mas sim da expressão genuína do que a sociedade quer. Como disse José Bonifácio, os brasileiros seriam os atenienses da América se não fossem oprimidos pelo despotismo. As redes sociais, nossa nova Ágora, exigem que aprendamos a discutir e lidar com a discordância. Ou é isso, ou a história do Brasil não passará de uma coleção de ditaduras, algumas só mais descaradas do que outras.