Colunista Rafael NogueiraReprodução
O conservadorismo brasileiro tem neste ano um desafio da maior importância: alcançar relevância municipal. A direita se uniu mais por ideias, valores e princípios, do que por um esforço local, com o vizinho, o colega de classe ou de trabalho, para resolver problemas comuns. Uma afinidade ageográfica cria uma rede ageográfica, que só se organiza localmente com muita dificuldade.
Chamo de ageográfico aquilo que não depende da proximidade espacial, por se valer dos meios de comunicação que, desde o final do século XX, puseram em contato virtual o mundo inteiro. Mas ageográfico não quer dizer anti-geográfico. Não é porque a direita é melhor na internet, conectando-se quase sempre por meio dela, que os encontros presenciais não importam, que as questões locais não têm valor. Esse movimento virtual todo pode, e deve, ganhar expressão na política prática, que sempre valorizou saliva, aperto de mão e sola de sapato.
Cabe um histórico. Nos anos 90, a direita estava morta, e não era respeitada. Conservador era xingamento. Apresentar-se assim significava isolamento e, eventualmente, perseguição. Profissionalmente, o cidadão estava acabado. Tudo isso era associado à ditadura, que destruíra a liberdade de expressão, prendera inocentes etc.
A nova direita deu seus primeiros sinais de existência política nos anos 2000, em contestações esporádicas ao governo federal feitas por meio de jornais, revistas e livros, principalmente a partir do mensalão. Seguiram-se os movimentos de afirmação da segurança pública como uma prioridade, tendo em vista os números sangrentos de mortes violentas daquele tempo. Eram frequentes os clamores por legítima defesa, e pela valorização dos policiais, mas também de luta pela vida, o que invadia a área da saúde, fortalecendo o ativismo contra o aborto.
Em 2003 estava eu no movimento estudantil, combatendo o aparelhamento esquerdizante. Testemunhei a ampla difusão do diagnóstico de que a educação e a cultura tinham sido usurpadas, como se as artes fossem só da esquerda, como se as salas de aula fossem só da esquerda, como se política estudantil fosse, também, só da esquerda.
Os esforços pela legitimidade da voz de direita nos espaços públicos foram se intensificando, terreno fértil para editoras surgirem e crescerem, e, assim, para uma nova intelectualidade se apresentar a públicos cansados dos lugares-comuns universitários.
Dez anos depois, uma maioria silenciada rompeu o silêncio. E disse que não queria mais corrupção, nem violência; não queria mais que bandidos e revolucionários fossem exaltados nas escolas; não queria mais uma economia centralizadora. Em 2018, Jair Bolsonaro representou o segmento.
E, então, veio 2020. A pandemia poderia ter ajudado os conservadores, uma vez que sua maior força era nacional e virtual. Mas o que se deu foi o contrário. A falta de um partido, de uma organização presencial, e a falta de oportunidade de ir às ruas fazer o arroz com feijão da política, fez com que a direita tivesse que perceber que seus métodos não surtiam efeito no âmbito municipal de maneira amarga. E isso enfraqueceu, sem dúvidas, a direita no pleito de 2022.
As eleições deste ano serão fundamentais para a direita criar sua estrutura partidária, localista, municipalista, porque economia, segurança, saúde, educação e cultura têm tudo a ver com bairros, paróquias, praças e mercados. O vínculo por afinidade, que uniu tanta gente à distância, vai se tornar, enfim, presencial. E isso tem enorme relevância política. Tudo sem perder o virtual, que não significa irreal. Mas isso já é assunto para outra conversa.
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