Rafael NogueiraDivulgação
O Ministério da Cultura e o IPHAN, aqueles que deveriam zelar pelo patrimônio histórico, decidiram adotar uma abordagem educativa e moderna para conter um velho problema do Carnaval: o xixi nas ruas, nos muros, nos prédios, nas igrejas. Só que, em vez de fiscalização, campanhas robustas e aplicação da lei, optaram pelo caminho mais fácil: um post fofinho. E mal escrito.
Na última semana, o IPHAN publicou uma peça institucional no Instagram que pretendia conscientizar os foliões sobre a importância de não urinar em prédios históricos. A imagem trazia um cachorrinho de olhar constrangido, acompanhado da seguinte legenda: "O doguinho que você briga quando faz xixi no lugar errado vendo você fazer xixi no prédio histórico no Carnaval."
A imagem, que traz um erro gramatical, é um sintoma perfeito da gestão pública da cultura nacional. O IPHAN ensina que urinar em um prédio tombado é feio, mas sem exageros na reprimenda. Afinal, quem nunca, né?
E é aí que a história começa a feder.
O post erra na gramática e no tom. O verbo “brigar” exige preposição: briga-se "com" algo ou "com" alguém. Mas errar gramática no Ministério da Cultura é o de menos. O problema maior está na postura. Entre uma metáfora canina e outra, a mensagem fica clara: o IPHAN trata a depredação do patrimônio histórico como uma pequena travessura.
E, enquanto o MinC se ocupa em publicar posts fofinhos e irrigar a militância com editais milionários, o patrimônio histórico vai literalmente caindo aos pedaços. Na Bahia, terra da Ministra, essa negligência custou uma vida.
No dia 5 de fevereiro, o teto da Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho, veio abaixo. Uma das igrejas mais bonitas do mundo, tombada como patrimônio nacional, desabou sobre a cabeça da turista paulista Giulia Panchoni Righetto, de 26 anos. Giulia não era militante, não vivia de editais, não tinha "projeto cultural". Apenas visitava Salvador, admirando a beleza que as gerações passadas nos deixaram – e que as gerações atuais não conseguem preservar. O desmoronamento a matou na hora. Outras cinco pessoas ficaram feridas.
Por que o teto caiu? Porque não havia manutenção. Porque, assim como tantas outras igrejas, museus e casarões históricos espalhados pelo país, a Igreja de São Francisco não recebe a atenção necessária para sua conservação. O dinheiro da cultura não vai para os templos barrocos da Bahia. Vai para shows em que se afaga bandidos. Vai para coletivos identitários. Vai para cineastas de filme sem público e para ativistas fantasiados de artistas.
Patrimônio histórico não mobiliza militância, não dá curtida em rede social, não rende lacração. Então, ele desaba.
Talvez a lei devesse adotar um mascote, já que o texto seco não parece suficiente. Para quem ainda se importa, a legislação diz:
* Dano ao patrimônio cultural protegido (art. 62 da Lei de Crimes Ambientais) – Pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa.
* Ato obsceno em lugar público (art. 233 do Código Penal) – Pena de 3 meses a 1 ano de detenção ou multa.
* Ato obsceno em lugar público (art. 233 do Código Penal) – Pena de 3 meses a 1 ano de detenção ou multa.
Isso sem contar a responsabilização dos que ocupam cargos destinados à preservação de nossos mais belos edifícios. E isso, só na teoria. Na prática, os responsáveis por transformar igrejas e casarões históricos em urinóis coletivos raramente recebem qualquer punição.
Agora compare com outro episódio. Em 8 de janeiro, um grupo de desordeiros entrou no Congresso e em outros prédios públicos. A reação foi instantânea. Terrorismo, golpe de Estado, destruição da democracia. Prisões imediatas, processos severos, promessas de punições exemplares. Um batom numa estátua e pronto: cadeia. Mas se for Carnaval, se a urina atingir igrejas, palácios, museus, nada de sanção. Só um puxão de orelha virtual e um cachorrinho lamentando a falta de etiqueta urbana.
Para uns, tratamento de terrorista. Para outros, tratamento de pet.
Se MinC e IPHAN levassem a sério sua missão, teriam reforçado a segurança, instalado câmeras e garantido punição para quem acha que prédio tombado é mictório. Mas optaram pelo marketing de pelúcia.
A cultura voltou, minha gente. Mas só para quem vive dela no papel e do dinheiro que a justifica. Para o resto, sobram a urina e os escombros.
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